Quem faz parte da comunidade de Facebook Os Vizinhos do Areeiro já deve ter dado conta dos contínuos assaltos e atos de vandalismo que nos últimos meses têm vindo a acontecer nesta freguesia de Lisboa. Além dos vidros partidos em viaturas, são várias as lojas que têm sofrido com esta onda de crime. Só na noite de terça-feira, 27 de maio, houve duas vítimas: a famosa Padaria Portuguesa na Avenida João XXI e ainda um Laboratório de Análises Clínicas, na Avenida Sacadura Cabral, junto da Avenida de Roma. Dias antes, foi a vez de estabelecimento de estética na mesma rua.

Uma notícia do "Público" em janeiro já dava conta de um pico de criminalidade acima do normal nesta zona residencial. Apesar do crescimento face ao período homólogo, naquela altura do ano é costume haver mais ocorrências. É que, tal como nos meses de verão, em que também se registam mais crimes, há menos pessoas na cidade, como reflexo das viagens que os cidadãos fazem, ora para celebrar o fim do ano, ora para passar férias.

Por outro lado, nos meses de primavera não é costume estar a acontecer aquilo que se tem vindo a verificar. De acordo com os dados recolhidos por esta associação, referentes à criminalidade e insegurança nesta freguesia (ocorrências relatadas pelos vários vizinhos), em abril houve 17 furtos (ou atos de vandalismo) em viaturas, 14 furtos ou atos de vandalismo noturnos em lojas.

Em maio, a tendência é muito semelhante: apesar de terem decrescido as acções contra os carros, registam-se já 11 assaltos ou atos de vandalismo às lojas da freguesia. Aos lesados anteriores, somam-se também a Pastelaria Rosa Doce ou a Clínica Veterinária, ambas na Avenida João XXI, o mesmo local em que na noite passada houve um assalto à Padaria Portuguesa. Um dia antes, houve uma tentativa de assalto à loja Ópticas Gaspar na Avenida de Paris, junto à Praça de Londres.

"Isto não está a acontecer em Arroios ou nas Avenidas Novas. Isto está acontecer apenas aqui, numa média de 1 a 2 casos por noite", diz à MAGG Rui Martins, presidente e membro do concelho dos Vizinhos em Lisboa e administrador do núcleo Vizinhos do Areeiro. "A época e duração desta vaga é atípica em relação às anteriores, assim como o tipo de crime, que tem uma tipologia muito característica [utilização de uma pedra da calçada], quase como se fosse um grupo específico a praticá-lo. O tipo de crime é o mesmo, a zona e sempre a mesma."

Contrariamente àquilo que tem sido a interpretação de alguns residentes do bairro, Rui Martins não vê relação entre o aumento da criminalidade neste bairro e o aumento no número de pessoas sem-abrigo, na origem do alojamento temporário que foi criado no Pavilhão Casal Vistoso, para dar resposta a pessoas em situações de vulnerabilidade social e, em simultâneo, para dar resposta a problemas sociais desencadeados pela pandemia COVID-19.

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O presidente dos Vizinhos em Lisboa conhece bem a realidade deste centro de acolhimento, porque é um dos voluntários que trabalha no espaço. Sustenta em vários factos a crença de que o aumento dos sem-abrigo e o aumento da criminalidade são dois acontecimentos diferentes: primeiro, "esta vaga do crime começou duas semanas antes de o Casal Vistoso ter começado a receber os sem-abrigo"; depois, "nas detenções que já foram feitas, nenhum deles era do Casal Vistoso"; e, por último, a população deste centro de abrigo estar sempre a rodar, o que significa que tem sempre pessoas diferentes — enquanto que os assaltos e atos de vandalismo parecem ser sempre protagonizados pelos mesmos autores.

A isto soma-se o facto de os números de pessoas ali alojadas serem muito variáveis. "A população do casal vistoso, as pessoas que estavam em março, não está lá hoje", diz. "Começou por haver 101 sem-abrigo e agora são 70. Já o crime a mantém-se na mesma intensidade."

Fernando Braancamp, presidente da Junta de Freguesia do Areeiro, já tinha falado sobre os problemas associados à vinda dos sem-abrigo para esta zona da cidade. “Eu tinha advertido para o facto de terem trazido os sem-abrigo para ali e que confiná-los naquele espaço [Pavilhão do Casal Vistoso] iria trazer-nos problemas. Garantiram que não, porque iriam ficar sob vigilância da Polícia Municipal e da PSP", disse, em declarações à Agência Lusa, acrescentando que “a concentração dos sem-abrigo no Pavilhão do Casal Vistoso – onde foi instalado um centro de acolhido provisório devido à pandemia de COVID-19 – também fez aumentar o consumo de droga e a violência”.

À MAGG, Fernando Braancamp reitera aquilo que disse nesta altura. "Ao virem quase 100 pessoas em situação de sem-abrigo espalhados pela cidade [para o Casal Vistoso] arrastaram-se também os outros, à procura dessas mesmas condições, à procura de uma cama para dormir, de banhos, de comida. É natural", diz o Presidente da Junta de Freguesia "A Câmara Municipal de Lisboa arranjou uma solução para parte do problema. Ficou a faltar o resto: os sem-abrigo que não entraram no pavilhão. Agora há barracas espalhadas à volta dos pavilhão, há pessoas a dormir à porta de prédios e nos vãos de escada da freguesia."

Sobre a onda de criminalidade, o Fernando Braancamp avança que, com base em conversas que tem tido com outros autarcas e com as forças de segurança pública, esta não está circunscrita ao Areeiro, estando a afetar outras zonas da cidade. "Na cidade toda, têm vindo a aparecer casos de violência maior.  Os reclusos que foram colocados cá fora, os sem-abrigo aumentaram, há os desempregados que estão numa situação desesperada, há várias hipóteses", diz. "Eu tenho de me preocupar com o Areeiro. E é preocupante."

Rui Martins considera que o aumento no tráfico e consumo de droga são causas mais plausíveis e lógicas para o aumento da insegurança no bairro, até pelo agravamento da situação do Bairro de Portugal, desde março de 2018. "Na Afonso Costa há pessoas a injetarem-se às 19 horas. Junto ao Parque do Rock in Rio [Parque da Bela Vista] há uma sala de chuto improvisada", conta. "O consumo e tráfico de droga podem explicar parte do surto de criminalidade que está a acontecer aqui."

Por outro lado, Rui Martins identifica um problema no fraco policiamento, que torna a zona mais susceptível à criminalidade. "Pode haver uma percepção do fraco policiamento", diz, realçando que, apesar de ainda estar aquém do necessário, houve agora um reforço no número de agentes, quer visíveis, quer invisíveis. Mesmo assim, não deixa de referir que a freguesia é servida pela Esquadra das Olaias, que tem também de servir a zona do Beato. Rui Martins fala num número de agentes muito reduzidos e disponíveis em cada turno, que torna impossível a concretização de um trabalho que seja eficaz e rápido. 

Para ajudar as forças policiais e as freguesias que delas dependem, a Junta de Freguesia do Areeiro orçamentou um carro elétrico para a esquadra das Olaias. A PSP ainda não o foi buscar. "Porquê? É um mistério", considera Rui Martins, que destaca o facto de que a esquadra fica no limite da freguesia, no lado oposto às zonas onde estão a ocorrer os crimes, o que dificulta operações de segurança eficazes.

Reconhecendo as fragilidades no policiamento, Fernando Brancaamp chama também a atenção para a importância de os crimes serem reportados à polícia. "Se não houver participação, não conseguem resolver os problemas", diz. "Já uma vez os alertei [PSP] para a vaga de assaltos a carro que houve na freguesia e eles só tinham tido uma ocorrência."

A MAGG entrou em contacto com a Polícia de Segurança Pública e não obteve resposta a tempo à data da publicação do artigo.

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