"Preocupantes", "muito graves" e "não surpreendentes". É assim que Joana Cadete Pires, vice-presidente da ILGA Portugal, a instituição de solidariedade social que apoia e defende os direitos humanos da comunidade LGBTQ+, caracteriza as declarações de Nuno Melo. O eurodeputado do CDS-PP esteve esta quinta-feira, 1 de outubro, na TVI24 a defender a sua posição enquanto primeiro subscritor de uma petição que tem como objetivo desafiar o governo a rever os conteúdos da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento — ou a atribuir-lhe uma natureza opcional nos planos de estudos.

Durante a emissão, que contou também com a presença da ex-jornalista Helena Ferro Gouveia, o eurodeputado argumentou que a disciplina não deveria ser de caráter obrigatório e acusou o estado de doutrinar os alunos portugueses com políticas associadas à esquerda no espectro político. "Os alunos são filhos dos pais e não do Estado", e defendeu ainda não ser aceitável que a escola, enquanto instituição, se torne "numa extensão do ativismo LGBT".

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Pelo meio, Nuno Melo reforçou não entender a questão de "pessoas que gostam de pessoas", uma vez que, segundo fez questão de repetir por diversas vezes, é heterossexual. "Esta teoria de que gostamos é de pessoas, que é um bocadinho o que está aqui em causa, é o meu problema. Eu gosto de mulheres. Pessoalmente, sou heterossexual e gosto de mulheres. Não gosto de homens. É legítimo", pôde ouvir-se durante o debate que tinha como assunto fulcral a obrigatoriedade da disciplina.

Face a estas declarações, Joana Cadete Pires, vice-presidente da ILGA Portugal, considera que "uma disciplina como aquela que está a ser posta em causa, aborda uma variedade de temas como a igualdade de género e de direitos para a comunidade LGBT e que, por isso, é fundamental para a educação de uma pessoa". Partindo dessa premissa, considera que "a escola tem de ter um papel ativo na educação de todos e todas e que qualquer polémica que existe em torno do assunto merece uma reação negativa."

"Disciplinas como estas são importantes porque consagram a ideia de igualdade de todos e todas e que está prevista na nossa constituição", explica à MAGG.

"O eurodeputado usa o termo doutrinação, como se a escola quisesse moldar o pensamento dos cidadãos e das cidadãs"

Sobre Nuno Melo, a vice-presidente da associação não tem dúvidas: "O senhor eurodeputado foi mais longe na expressão das suas opiniões ao não conseguir perceber a diferença que existe entre uma pessoa heterossexual em assumir-se dessa forma, em horário nobre, em comparação com outra que seja homossexual ou transexual que não o pode fazer. Nem em horário nobre, nem no seu círculo pessoal de amigos, familiares ou até mesmo colegas de trabalho."

Mas ainda que as declarações de Nuno Melo sejam vistas com "preocupação" por parte da ILGA Portugal, Joana Cadete Pires reforça que têm sido tornadas públicas outras opiniões que vão no sentido oposto com "várias figuras da sociedade portuguesa a manifestarem-se contra estes movimentos".

Mas reforça que o grande fator de preocupação é, acima de tudo, a forma como o eurodeputado do CDS-PP expressou as suas ideias — referindo ao facto de ter usado o termo "doutrinação" aplicado à disciplina de Cidadania e Desenvolvimento.

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"O eurodeputado usa o termo doutrinação como se a escola quisesse moldar o pensamento dos cidadãos e das cidados quando, na verdade, não é nada disso que se pretende. O que a disciplina quer transmitir é que há pessoas heterossexuais, como os senhor eurodeputado Nuno Melo, mas também homossexuais, como eu, bissexuais, transexuais... Há todo um espectro de orientações sexuais e é um direito de todos, e também das crianças, ficarem a conhecê-lo para se promover o direito à igualdade", defende.

Nesse sentido, as declarações de Nuno Melo são, para a ILGA Portugal, "preocupantes e muito graves, embora não surpreendentes", aludindo ao tipo de intervenções que este teve, e tem tido, em matéria de igualdade de género.