Diz o artigo 172.º da Constituição da República Portuguesa que há dois momentos em que o Chefe de Estado fica impedido de dissolver a Assembleia da República (AR): nos seis meses que precedem a sua eleição e no seis meses que antecedem o final do seu mandato.

Marcelo Rebelo de Sousa entrou esta quarta-feira, 9 de setembro, no último semestre da sua presidência, tal como relembrou, há duas semanas, na Feira do Livro, quando questionado sobre aprovação do Orçamento de Estado (OE). “O Presidente da República não vai alinhar em crise políticas. Portanto, desenganem-se os que pensam que se não houver esforço de entendimento que vai haver dissolução do Parlamento no curto de espaço de tempo que o Presidente tem pela frente para isso, até ao dia 8 de setembro. Isso é uma aventura, uma crise política em cima da crise da saúde e económica."

Mas porque é que foi criada esta lei que impede o Chefe de Estado de dissolver a AR? E o que é que aconteceria caso se mergulhasse numa crise política? Teresa Violante, constitucionalista, esclarece.

No que respeita à primeira questão, a constitucionalista explica que o artigo 172.º tem o propósito de "impedir que a utilização desse poder possa ser feito com fins eleitoralistas" — especialmente importante no caso de um presidente que se vai recandidatar, como se presume que seja o caso de Marcelo Rebelo de Sousa.  A Constituição garante, assim, que este poder não será utilizado com o objetivo de "manipular resultados", excluindo-se a hipótese de um processo eleitoral conseguir contaminar outro processo eleitoral.

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E perante um cenário de crise política? O presidente deixa, simplesmente, de conseguir intervir? Não. É que, apesar de perder o tal poder de dissolver a AR, mantém outros poderes. Neste caso, "pode haver demissão do Governo", condição que a Constituição garante mediante a necessidade, ou seja, "quando tal se torne necessário para funcionamento das instituições democráticas."

Mas vamos ao que está em cima da mesa: a aprovação do OE. Caso o Governo não consiga ter apoio parlamentar suficiente para aprovar o Orçamento de Estado, quais é que são as soluções? "Depende do juízo político", diz a constitucionalista. Além da demissão do Governo, há outras hipóteses — mais prováveis, até, considera a constitucionalista. "É mais equacionável que, não havendo consenso parlamentar para a aprovação do OE, o governo se mantenha em funções", diz. Mas como? Ou, entretanto, chega a acordo ou segue-se para um governo com regime de duodécimos. 

O que é que isto significa? Que, caso não seja aprovado até ao início do ano seguinte, em 2021 continua em vigor o OE elaborado em 2020. Ou seja: o Estado não pode ultrapassar a despesa total deste ano, ficando o gasto mensal de cada organismo limitado a um duodécimo (um doze avos) desse valor.