Tentou uma vez. Tentou duas vezes. À terceira nega, meteu-se num avião na esperança de que falar diretamente com o reitor da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, seria a forma mais direta de poder entrar. E não é que funcionou? Mariana Van Zeller estudou Jornalismo e quis o destino que o 11 de setembro lhe mudasse a vida. Não só foi a primeira cara que os portugueses conheceram a dar notícias diretamente de Nova Iorque, na altura para a SIC, como despertou em si a vontade de contar histórias que não cabiam num telejornal.
Com o na altura o namorado, atual marido, Darren Foster, produziu e deu a cara por documentários feitos em destinos onde eram poucos os que queriam lá chegar. Na Síria, acompanhou a luta contra a invasão norte-amerciana, no México esteve a dois passos de El Chapo e deu a conhecer casos de violência sexual nas reservas de índios na América.
A viver em Los Angeles, veio a Lisboa esta semana, onde aliás volta sempre que pode, para participar na National Geographic Summit num painel com o tema “As alegrias e perigos de revelar histórias com significado”. A MAGG quis ouvir algumas delas.
Em criança dizia que gostava que os seus pais fossem embaixadores, para poder viajar muito.
É verdade. Mas o meu pai é engenheiro e a minha mãe deixou de trabalhar para tomar conta de mim — o sonho não se concretizou. Tinha era uma tia embaixadora e sempre tive uma inveja enorme desses meus primos [risos].
Agora à distância, percebe que já se via aí uma vontade de ir sempre mais longe?
Eu sempre quis muito viajar. Costumo dizer que sou a pessoa mais sortuda do mundo, porque sou paga para satisfazer a minha própria curiosidade e não há mais nenhuma profissão no mundo, que não a de jornalista, que permita isso.
Acabou por usar o jornalismo como forma de cumprir esse sonho de viajar.
Completamente. Viajar foi uma das coisas que me fizeram escolher esta profissão. Isso e o facto de, em criança, ver todas as noites o telejornal com a minha mãe e achar que os pivôs diziam tudo aquilo de cor, sem sequer imaginar que havia uma coisa chamada teleponto. Pensava sempre ‘uau, eles sabem mesmo tudo o que acontece, são as pessoas mais inteligentes do mundo’. Eu queria ser inteligente como eles e saber tanto quanto eles sabiam.
Talvez por isso nunca tenha sido fã do jornalismo de secretária.
Nunca, assim como nunca quis estar à frente da câmara, nunca foi o meu intuito. Acabou por acontecer um pouco à custa dos atentados de 11 de Setembro. Mudou a vida a muita a gente e também mudou a minha.
Em que sentido?
Estar a viver em Nova Iorque nessa altura fez com que quisesse saber mais sobre tudo o que se estava a passar, levou-me a uma viagem ao querer saber porquê. Foi aí que decidi apostar na produção de documentários. Perante tudo o que estava acontecer, fazer um minuto de história para o "Jornal da Noite" já não era suficiente para mim.
O documentário é uma forma de jornalismo que considera ser a mais completa?
Sim. Tem a capacidade de dar mais contexto, de ir mais fundo nos temas e há mais tempo para contar a história. É também uma questão de empatia, porque ajuda a criar um laço entre as pessoas que mostro nas histórias e o telespectador lá em casa, ainda que estejam a milhares de quilómetros de distância.
Na Síria, por exemplo.
Sim, país para onde fui viver quando saí da Universidade de Columbia. Foi aí que comecei a ouvir falar sobre jihadistas, sírios que estavam a cruzar a fronteira para o Iraque numa luta contra a invasão americana. Como queria contar a história deles, comprei uma câmara de filmar e quando o meu namorado, atual marido, me foi visitar, decidimos juntos entrevistar alguns deles. E se não queria aparecer em frente à câmara, o Darren, que é muito mais envergonhado que eu, muito menos. Ele agarrou na câmara e eu tive que, inevitavelmente, aparecer. A partir daí seguiram-se oito anos em viagens à volta do mundo, ele com a câmara e a tratar do guião e eu a dar a cara e a produzir os conteúdos.
A inspiração para os temas surge durante essas viagens?
Quando chego de uma viagem venho normalmente com uma lista de mais dez temas para possíveis reportagens nesse local, é um facto. Mas também é comum que as ideias me surjam por ler um parágrafo perdido num texto maior. Isso vem do meu pai que, quando eu era pequenina, me dizia sempre: ‘lê tudo, mesmo que seja as bulas dos medicamentos ou os ingredientes de um alimento. Tudo o que te vier parar às mãos, lê’. É um hábito que ficou comigo até hoje.
Não costuma abordar temas fáceis. Alguma vez sentiu que estava a arriscar demais?
O trabalho de jornalista de campo é perigoso, com certeza. Mas tomo muitas precauções, não me aventuro em trabalhos sem pensar nos riscos que vou correr.
Mas há situações que fogem ao nosso controlo.
Claro que sim. Lembro-me de uma reportagem que fiz quando o El Chapo, líder do cartel de Sinaloa, fugiu da prisão de alta segurança no México e era, na altura, o homem mais procurado do mundo. Decidi ir a Sinaloa ver como é que essa busca estava a ser feita. Andámos de jipe nas montanhas durante três dias para tentar chegar à casa da mãe do El Chapo e acabámos por saber mais tarde que estávamos a ser vigiados e perseguidos durante todo esse tempo. Quando finalmente chegámos à porta da casa da mãe do El Chapo, saiu de lá uma série de homens armados, expliquei-lhes que gostava de entrevistar a senhora e passado um bocado um deles entregou-me um telemóvel. Do outro lado, disseram-me: ‘Tens 15 minutos para sair das minhas terras, se não sais vou mandar os meus homens atrás de ti’. Saímos de imediato e mais tarde vim a saber que era o próprio filho do El Chapo a fazer a ameaça. Não correu como esperava, mas fiquei contente de ter chegado tão perto.
E de ter mais uma história para contar, imagino.
Sim! E estive tão perto de conhecer a mãe do El Chapo [risos].
O que é que fica consigo dessas reportagens?
Há sempre algo que fica connosco. Acho que as minhas viagens moldam muito a minha personalidade. Para mim, a palavra-chave do que faço é empatia, é ver que mesmo quando falas com pessoas más, com percursos horríveis, basta falar com elas e ver de onde vêm e como vivem para encontrar bocadinhos de nós nelas. Há muito mais coisas que nos unem do que nos separam.
É mulher, bonita, jovem. Foi sempre levada a sério?
Admito que já houve situações, em países muçulmanos principalmente, em que se recusaram a falar comigo. Na Nigéria, fizemos um documentário sobre o conflito do petróleo e não me deixaram entrar num dos campos de trabalho por considerarem que eu, por ser mulher, daria má sorte. Na Mauritânia, recusaram-se a falar comigo, só falavam com o meu marido, ainda que ele não fale uma palavra de francês e eu saiba falar bastante bem. Não ser levada a sério é ótimo, tem-me dado muito jeito nos trabalhos de investigação. As pessoas acham que eu estou lá só para fazer umas perguntas inofensivas, não me veem como uma ameaça e eu aproveito-me disso. Faço o meu ar simpático, digo que só estou ali para fazer umas perguntas e depois, quando nos sentamos em frente à câmara, dá-se o efeito surpresa e desarmo as pessoas com as questões que faço.
Já desarmou muita gente?
Espero que sim.
E nenhuma dessas situações foram difíceis o suficiente para a fazer parar?
Nunca. Não houve um segundo na minha vida em que pensasse que aquilo que faço não é o que sempre quis fazer.
Um dos temas que mais gosta de abordar é a emigração. Também por ser emigrante?
Isso é uma ótima pergunta, mas sim, acho que me influencia muito. Uma das primeiras histórias que contei nos Estados Unidos, para a Current TV, foi sobre emigração. Decidi dar a conhecer o comboio da morte, que leva milhares de emigrantes da América Central para a fronteira entre o México e os Estados Unidos. É um comboio de carga, para o qual as pessoas se atiram e viajam dias e dias agarrados ao topo ou às laterais. Muitos morrem na queda ou acabam com membros amputados. Claro que apesar de as histórias não serem minimamente comparáveis, revejo-me muito em casos como estes. Lá está, é a tal história de criar empatia. Apesar dos contextos serem diferentes, o objetivo é o mesmo: seguir um sonho e criar uma vida melhor para nós e para os nossos filhos.
A sua história de emigração tem um regresso marcado?
É engraçado que o meu marido, que é americano, gosta ainda mais de Portugal do que eu. O que é praticamente impossível, que eu adoro o meu país. Mas ele é que está sempre a perguntar quando é que vimos viver para Portugal. Hoje em dia vivemos em Los Angeles, temos a nossa vida lá, mas não digo que não volto. É a minha casa.
E voltar para fazer um documentário sobre Portugal?
Sim. Tenho uma lista de reportagens que quero fazer em Portugal, mas ainda não arranjei foi um patrão que me dissesse que sim. Uma delas é sobre a descriminalização das drogas que, por ter sido um sucesso em Portugal, pode servir de exemplo ao mundo. Aliás, qualquer história em que eu possa mostrar que Portugal é um exemplo a seguir, é uma história que tenho vontade de contar.
E que outros exemplos acha que podemos dar ao mundo?
Acho que somos exploradores. Digo sempre que esta minha vontade de viajar vem das gerações e gerações de exploradores que temos para trás. Nós somos os OG, sabes o que é? Somos os ‘original gangsters’ da exploração.