Tinha acabado de almoçar uns pastéis de bacalhau com arroz de cenoura no restaurante ao lado de casa. "Está na hora do cigarro", avisa, já habituado a sentir os olhares reprovadores ao vício que nunca conseguiu largar. "Desde os 30 que as pessoas me dizem que vou morrer cedo. Tenho 83 e ainda cá estou".
A seguir ao almoço vem a aguardente que ajuda à digestão e, de seguida, uma tarde de conversa. Está feito o dia ideal de Mário Zambujal, o autor da eterna "Crónica dos Bons Malandros" e o escritor que não deixa que a idade o impeça de escrever sobre coisas como o sexo ou erotismo. É esse até o mote para o livro "Rodopio", editado pelo Clube do Autor, no qual compila uma série de histórias escritas para várias publicações. Todas escritas à mão, claro. Um pesadelo para a editora, um deleite para quem prefere viver no caos das folhas soltas e dos horários sem lei. "Se estou a escrever sobre algo que me entusiasme esqueço-me de almoçar, esqueço-me de tudo", garante.
Mas não se esquece do que era uma redação nos seus tempos, sempre cheia de fumo e com a batida da máquina de escrever a servir de banda sonora. Nem esquece as noites, essas "sedutoras", nas quais deambulava numa Lisboa pecaminosa. Gosta de mulheres e não esconde isso. Mas é casado com a mesma há 60 anos e garante que da expressão "bom malandro" só tem o "bom". Mas ri-se logo de seguida, como quem não acredita nas próprias palavras. "Ser bem comportado é um constrangimento", diz-nos ainda antes de ligarmos o gravador, "e eu não tenho jeito nenhum para isso".
Termina este livro, o "Rodopio", a dizer que o erotismo "é um pau de dois bicos". Piadas à parte, pode explicar que bicos são esses?
É o lado bom e o lado mau da vida. É a felicidade e o caos da vida. Este último texto foi escrito para um encontro de escritores no qual participei no Brasil sobre pornografia e erotismo. Fiz um texto um bocado libertino mas, tendo em conta o tema, pareceu-me adequado. Se calhar alguns leitores vão ler e pensar: “Eh pá, este gajo está a exagerar”. Mas eu acho que se adequa ao tema e às circunstâncias, ainda que me ponha numa posição difícil quanto às figuras mais severas.
Mas o Mário nunca foi muito consensual.
Até comigo estou em desacordo muitas vezes. Eu e eu nem sempre somos consensuais. Por exemplo, no que diz respeito a trabalhar: sei que devia ter escrito muito mais, mas sou tão ativo na minha vida profissional como sou indolente noutro momentos. Sou preguiçoso e ultimamente tenho tido preguiça mental, que é a pior. Não me tenho atirado a coisas que quero fazer, mas também só tenho 83 anos.
E que coisas são essas que ainda quer fazer?
Queria escrever um livro que me agradasse plenamente.
Nenhum dos que escreveu lhe agrada plenamente?
A “Crónica dos Bons Malandros” tem que me agradar pela repercussão que teve, pela importância que teve. Mas talvez o livro que diga “Eh pá, ‘tá quase' é o 'Cafuné'”, porque deu-me uma coisa à qual não sou muito dedicado: trabalho. Esse livro deu-me trabalho, obrigou-me a pesquisar e eu sou um desastre a pesquisa. É por isso que os meus livros são quase todos contemporâneos e urbanos, não me obrigam a grande investigação. Escrevo sobre o que encontro na rua, falo de gente com a qual me cruzei e de coisas que vejo acontecer. Sinto-me dentro de um tempo vasto, que não precisa de pesquisa.
Esse livro seria sobre quê?
Tenho uma ideia, mas essa ideia obrigar-me-ia a muita pesquisa. É que não é só pensar num romance e metê-lo numa época. E o que é que se comia? O que é que se vestia? Mas ainda assim, o que nunca mudou nesta espantosa vertigem de mudança foi o ser humano. O que mudou foi aquilo de que o ser humano se serve. É claro que há 80 anos não havia telemóveis nem nada dessas coisas que fazem a nossa vida de hoje, mas os sentimentos são sempre os mesmos. Inveja, a cobiça, a vaidade são sentimentos representados na mais antiga literatura universal. A forma de materializar esses sentimentos é que depende dos condicionamentos.
E o erotismo em si, também mudou?
A essência em si está sempre lá. Temos o Kamasutra, com milhares de anos, e a fazer furor. O erotismo faz parte da condição humana e tudo o que faz parte da condição humana mantém-se.
As mulheres, o #MeToo e a aura de bom malandro
As mulheres são muitas vezes as personagens principais dos seus livros. Também o são a sua vida?
A mulher mais importante que conheci foi a minha mãe. A partir daí, fui conhecendo outras. Percebi desde cedo que as mulheres se vão modificando nos hábitos porque a sociedade se modifica, mas foram sempre um ser mais frágil e mais dominado.
Ainda o são?
Tem-se vivido uma evolução fantástica, uma descolonização das mulheres. Com o tempo, mulheres deixaram de ser um apêndice do homem. Só gostava era que não se masculinizassem e que não pensassem que igualdade é ser igual aos homens. A feminilidade é algo de encantador e insubstituível. Eu continuo a dar passagem a uma mulher, até porque faz parte da minha educação. Penso que uma igualdade absoluta pode condenar essas atenções que se têm com as mulheres.
Eu acho muito mais natural que duas mulheres se encontrem numa relação do que dois gajos, com bigode e não sei quê"
Mas não acha que há uma barreira que facilmente é ultrapassada?
Veja os piropos, ou têm uma intenção ou são uma cortesia. Ou são uma coisa com segundo sentido ou são simplesmente um “Como é que hoje estás ainda mais bonita do que ontem?”. Nesse caso não tem uma intenção deliberada do que ser mais do que as palavras, é ser agradável, é ser sincero.
O Mário é conhecido por não ter muitos filtros nesse campo. Alguma vez foi mal interpretado?
Se calhar sim, porque sou um coração aberto. A própria constituição física da mulher é muito atraente. Eu acho muito mais natural que duas mulheres se encontrem numa relação do que dois gajos, com bigode e não sei quê.
Porquê?
Porque elas transportam logo em si uma certa doçura e uma certa beleza plástica que normalmente o homem não tem. O homem é um ser mais rude e mais desagradável nesse sentido.
Tal como alguma vez foi mal interpretado numa das suas saídas, acha que muitos #MeToo também podem ser fruto de más interpretações?
O #MeToo está a meter tudo no mesmo saco. Uma coisa é o galanteio, o cumprimento, outra coisa é a tentativa de posse. A Catherine Deneuve foi a voz que questionou tudo isto e disse “Mas o que é isto? Eu quero que os homens me digam coisas bonitas”. Está a pecar-se pelo exagero. Não digo que não haja um problema real. Há e esse problema é o do domínio. Mas nem tudo é um problema.
A forma de duas pessoas se relacionarem mudou muito ao longo dos anos?
Sim. Há da parte do setor feminino uma muito maior destreza e um muito maior à vontade. Ainda ontem vi uma mulher a conduzir um camião TIR, logo a seguir outra a conduzir um autocarro da Carris. Eu gracejo com isto e digo: “Isto está tudo perdido”. A mulher ganhou uma destreza física que não tinha.
São as mulheres as responsáveis por estas mudança nas relações?
O homem está mais passivo e de uma maneira geral está mais assustado.
Como é que um bom malandro está casado há 60 anos?
Porque dessa expressão — “bom malandro” — eu só tenho metade. Sou o bom [risos]. Gosto muito de conversar, de brincar, de mulheres. Agora vivo de memórias, mas sempre falei muito de mulheres. E sinto que agora os homens falam pouco sobre as mulheres, sobre a importância das mulheres. Vejo-os sempre agarrados ao telemóvel e a conversar muito pouco.
Tem pena dos rapazes de hoje?
Não tenho pena. Tenho um misto de inveja, porque gostava da idade deles e de usufruir das coisas que eles usufruem, mas tenho pena que se divorciem do elemento essencial da vida que é o convívio humano.
Mas o Mário não tem também uma relação habitual. Há alturas até em que vivem separados, certo?
Temos dois apartamentozecos aqui na zona de Benfica e eu uso este para ser o meu espaço. Principalmente quando se trata de trabalhar. De certeza que a minha mulher entrava aqui e perguntava: “Mas por que é que estás a deitar papéis para o chão?”.
A vida de jornalista e a rotina de outros tempos
Mas sempre precisou do seu espaço?
Sempre. É curioso que o meu espaço foi, muitas vezes, fora de casa. Muitas das histórias deste livro foram escritas em mesas de cafés. Era também o fator adrenalina. Tinha prazos para cumprir e posso dizer que alguns desses contos foram escritos em 40 minutos. Quando tenho muito tempo, tenho pouca adrenalina.
Isso ficou-lhe dos tempos de jornalista, não?
Pois. “Quando é isso? É quinta? Ui, ainda hoje é quarta-feira”. Eu tenho tendência para o adiamento, o que é mau. E outra coisa que me prejudica é uma certa passividade no gastar do tempo. Até há uma semana andava a perder muito tempo a ver televisão.
O que é que vê na televisão?
Vou desde um jogo de futebol, a um debate, a uma entrevista, a um filme. Tenho vários canais de cinema. Essa oferta cultural e recreativa agarra-me a este aparelho.
Mas o Mário, ainda que goste do seu espaço, consta que é uma pessoa que gosta de conviver.
Sou sim senhora.
A redação de há 30 e 40 anos era uma nuvem de fumo. Depois tinha o batuque das máquinas de escrever, era como uma música ambiente. E as vozes! As pessoas falavam alto, perguntavam: 'Sossego escreve-se com um c ou com dois s?'. Não tinham medo de confessar dúvidas aos concorrentes, até porque não havia isso da concorrência, nem na sociedade nem nas redações"
Em 20 metros, vi-o cumprimentar umas dez pessoas.
E hoje está dia de chuva, senão ainda era pior.
Ainda que use os cafés como escritórios, sente falta da redação?
Sinto. Mas outro dia entrei numa redação de televisão e vi umas 40 mulheres e um gajo. Virei-me para ele e disse: “Oh companheiro, quando se for embora veja se me deixa esse lugar”. A redação de há 30 e 40 anos era uma nuvem de fumo. Depois tinha o batuque das máquinas de escrever, era como uma música ambiente. E as vozes! As pessoas falavam alto, perguntavam “Sossego escreve-se com um c ou com dois s?”. Não tinham medo de confessar dúvidas aos concorrentes, até porque não havia isso da concorrência, nem na sociedade nem nas redações.
Agora, vai-se ao tio Google perguntar como é que se escreve sossego. Há uma coisa quase laboratorial dentro da redação, um silêncio, sem fumo, nem ruído, nem conversas.
Ou seja, prefere ter sido jornalista na sua altura do que sê-lo hoje?
Prefiro. Tinha mais que ver comigo.
Sente falta da adrenalina?
Isso sim. Dá impulso.
Como é que era a sua rotina nesses tempos?
Trabalhei em matutinos, em vespertinos, portanto as minhas rotinas variavam. Mas prevalece do que eram os matutinos. Aí começava a trabalhava às três da tarde e até às quatro da manhã às vezes. Depois ia jantar, que era mais cear. Havia só para aí uns cinco sítios em Lisboa para comer a essa hora.
Onde é que ia?
A um sítio ali perto da Avenida de Roma que agora não me lembro do nome. Mas era isso ou as boites, que não serviam refeições mas havia sempre um prego ou um bifezinho. Aí já havia uma mistura do mundo pecaminoso. Um dia levei a minha mulher comigo para ver o que é que eu fazia até às seis da manhã. Levei-a a três ou quatro sítios e ela ficou espantada de ver as mesmas pessoas em todos os lugares. Eu expliquei-lhe que aquela era “a malta da noite”, ou por imperativo profissional, como era o meu caso, ou por divertimento, porque a noite é fascinante. A noite não tem moscas, por exemplo. Alguma vez viu uma mosca de noite? Não há trânsito e há sempre espaço para estacionar. E a noite é sedutora, até porque há uma coisa que deixa de existir de noite: o relógio. O tempo é muito mais elástico, não se mede com o mesmo rigor do dia.
Falámos do ambiente, mas em termos de trabalho jornalístico, e enquanto presidente do Clube de Jornalistas, o que é que hoje não lhe agrada?
Tenho receio de ser injusto, mas acho que há menos rigor com o sentido das palavras. Eu ouço o apresentador do telejornal a dizer-me o que é que o convidado vai dizer antes de ele entrar em cena. Quando o convidado fala, já não é bem a mesma frase e depois, no final, faz um balanço do que foi dito e as palavras já não são as mesmas. A maneira como se usam as palavras altera a mensagem. Se um tipo disser assim: “Possivelmente isto vai tudo para a sucata”. A tentativa de resumo é dizer que fulano de tal disse que isto vai tudo para a sucata. O possivelmente já foi ao ar.
Já lhe aconteceu ser mal interpretado em entrevistas que deu?
Não muito. Mas raramente vejo as minhas coisas.
Agora está sempre no papel de entrevistado, mas se lhe dessem a oportunidade de entrevistar alguém, quem seria?
Ui, tantas pessoas.
Alguém em especial?
Para além das pessoas que ocupam cargos de poder, talvez a Eunice Muñoz. Ela é da Amareleja e eu praticamente também. Nasci em Moura mas fui para ali com dois meses. A aldeia já nos fez uma homenagem e estive bastante tempo a falar com a Eunice. Ela tem uma história para contar, uma lucidez que é uma coisa preciosa. E é mais velha do que eu.
É-lhe fácil encontrar pessoas da sua idade para conversar?
Se for ali ao Alto de São João [referência ao cemitério] tenho uma data deles.
Ou melhor, apetece-lhe conversar com pessoas da sua idade?
Sim, porque há coisas que são de todas as idades. Podemos pensar que as pessoas das mesmas idades fizeram o mesmo percurso, mas não fizeram. Andaram a caminhar num caminho paralelo, por estradas diferentes.
Mas também imagino que se integre facilmente num grupo de jovens.
Com todo o à vontade. Tenho ido a muitas escolas e às vezes os professores dizem-me que os miúdos leem pouco. Eu digo-lhes que quando era da idade deles não havia televisões, nem telemóveis, nem recreios. O dia continua a ter 24 horas, mas há muito mais coisas para ocupar essas 24 horas. Na minha altura pouco mais havia para fazer do que ler e jogar à bola. Agora há imensas coisas para ocupar o tempo, coisas tecnológicas fascinantes.
"Escrevo em folhas soltas, ando sempre a perdê-las"
Mas o Mário não é muito adepto das tecnologias.
Não sou não. Não sou porque desumaniza. Além de que me falta muito jeito, baralha-me todo. Mas acho que esse avanço para um impensável em que são as máquinas a dominar, só não é assustador porque já não estarei aqui quando isso explodir, mas é perturbador. Agora só concebo que a semana de trabalho seja de quatro dias, tendo em conta as máquinas que já fazem parte do trabalho que era feito pelos humanos. Os dias de cinco horas de trabalho e as semanas de quatro dias de trabalho estão a chegar.
É por essa aversão à tecnologia que escreve à mão?
Faço isto por duas razões. Durante anos, nas redações, escrevia à máquina. Tinha uma série de máquinas de escrever que dei agora à minha filha. Mas mesmo nessa altura, chegava a casa e tinha coisas para escrever. E escrever numa máquina, com aquele batuque, quando se vive num prédio? Era um problema, acordava toda a gente às três da manhã. Então reabituei-me a escrever à mão.
E repare, eu dou muito valor à caligrafia. Além da impressão digital, é aquilo que mais nos distingue.
Se estou a escrever sobre algo que me entusiasme esqueço-me de almoçar, esqueço-me de tudo. Se não estou a escrever, tanto almoço às 12, como às 15 horas, como não almoço. Sou um desordenado completo. Mas isso é que a totalidade da minha liberdade"
Escreve em cadernos?
Escrevo em folhas soltas, ando sempre a perdê-las.
Mantém alguma rotina de escrita?
De todo, é um completo disparate. Se estou a escrever sobre algo que me entusiasme esqueço-me de almoçar, esqueço-me de tudo. Se não estou a escrever, tanto almoço às 12, como às 15 horas, como não almoço. Sou um desordenado completo. Mas isso é que a totalidade da minha liberdade. Quando tenho alguma coisa para fazer, a minha liberdade não está completa. Quando não tenho, como hoje, acordei às 9h30 e pensei “Vou ficar mais um bocado na cama”. Gosto muito desta liberdade de usar o tempo.
Como é o seu dia ideal?
Eu diria que é falar consigo [risos]. É um dia de convívio, de pessoas amigas, de pessoas que sabem rir como você. Que brincam e que nos levam, não a esquecer, mas a diminuir um pouco o lado triste das coisas. Eu vejo um telejornal qualquer, morreram 40 ali, 70 acolá, as notícias são de uma violência terrível. Uma vez uma senhora veio ter comigo a queixar-se que nós só dávamos más notícias no jornal e eu respondi-lhe que as más notícias é que são um acontecimento. Neste momento circulam 600 mil carros no País, amanhã a noticia é dos que se espalharam, não é dos que chegaram bem a casa.
Os seus prazeres são outros hoje em dia?
Se eu fosse um gajo atrevido dizia “Que remédio”.
[risos] E como é um gajo atrevido pode dizer “Que remédio”.
Pronto, que remédio. Eu tenho a sensação, talvez a ilusão, que a nível intelectual nunca me desgastei muito. Agora, a nível físico, é outra coisa. O mês passado andava aí todo trôpego, fui até buscar umas bengalas. Agora já estou melhor, mas é evidente que já não posso jogar à bola nem dançar. E olhe que eu dançava maravilhosamente.
Dançava?
Caramba, se dançava. Lembro-me quando chegaram estas músicas do rock & roll e eu achar muito estranho as pessoas dançarem separadas. Era um desperdício.
Qual era a sua especialidade?
O tango, mas também dancei outras coisas já mais modernaças. Eu era bom em bailes. Aliás, houve uma altura em que jogava futebol em Faro e nessa altura os jogos eram ao domingo às 11 da manhã e os bailes eram ao sábado à noite. Aí tive a noção de que as noites de sábado ficam muito perto das manhãs de domingo [risos]. Mas ia sempre. É que as relações nessa altura eram muito vigiadas, havia sempre um irmão ou um cunhado a ver. Só no baile é que tocava a merda da música e pronto, já valia tudo. Era o sagrado dia do baile.
E hoje em dia, o que é que lhe dá mais prazer fazer?
Vou dizer uma coisa horrível. O que me dá prazer é fumar os meus cigarros, beber um copo ou outro e conversar.
Quantas vezes é que os médicos lhe disseram para mudar esses hábitos?
Alguns disseram-me isso também eles fumegando [risos].
O Mário escreve para quem? Tem noção de quem são os seus leitores?
Eu tenho a sensação de que tenho uma certa diversidade nos meus leitores. Claro que tenho aqueles fiéis, que são os mais antigos.
Recebe muito feedback na rua?
Muito. Uma vez apareceu-me uma senhora a agradecer-me por ter salvo o sobrinho dela. Como é que eu fiz essa habilidade? E ela explicou: “Ele estava numa depressão profundíssima, parecia um penedo, e um dia levei-lhe ‘A Crónica dos Bons Malandros’ porque tinha sido um livro que me divertiu muitíssimo. Ele foi para a cozinha e dali a bocado ouvimos rir. Era ele. Foi o livro que lhe deu aquela sensação de bem-estar que não tinha há muito tempo”. Fico contente, claro. Mas também já me aconteceu ter um senhor a vir ter comigo, grande abraço, sou seu fã e não sei quê e que me diz: “Sabe qual dos seus livros é o meu preferido? A 'Balada da Praia dos Cães'” [da autoria do José Cardoso Pires]. [risos]
Considera-se um escritor pop?
Essa expressão pode ser usada no sentido positivo e negativo. Pode ser pop de popularucho, mas também pode ser no sentido de ser comunicativo, de ser atual.
Qual dos dois sentidos prefere?
Eu tenho para mim que sou na escrita aquilo que sou na fala. Escrevo como falo e falo como penso. Se tiver na cabeça que aquilo que estou a fazer tem um destinatário, que é o leitor, não uso palavras difíceis ou logo à partida limitativas. Tudo pode ser dito numa linguagem mais simples e coloquial.
E parar, não faz parte dos planos?
Tenciono escrever mais umas coisas. Quando chegar aos 92 anos logo vejo. Mas acho que aí volto a escolher outra idade para parar.