Matt Preston recebe-nos na suite do Altis Belém, em Lisboa, que lhe serve de casa depois de ter começado esta viagem no Alentejo e no Algarve, onde comeu linguado, "o melhor peixe do mundo".
No sofá está pousada uma caixa de ovos moles e na mesa um saco com seis pastéis de Belém. "Quer um?". Recusamos com delicadeza e Matt percebe. "Se eu tivesse oportunidade de comer isto todos os dias também não comia agora. Mas como não tenho, aqui vai um", diz antes de trincar a massa estaladiça que o faz dar um gemido de prazer. "Isto é incrível!"
Mas também já provou pastéis de Tentúgal, bacalhau à Brás, secretos de porco preto, salada de polvo, frango assado, amêijoas e cornucópias recheadas de doce de ovos. "E se ponho uma fotografia de um prato, dezenas de portugueses convidam-me para o comer noutra cidade. Quanta generosidade".
A estrela do "MasterChef Austrália" aprecia a forma simples da cozinha portuguesa — "sem molhos, sem grandes condimentos, mas com todo o sabor" — talvez porque cada vez mais prefira a comida feita sem grandes cerimónias. Prova disso é o livro de receitas "Delicioso, Fácil, Rápido" que vem apresentar a Portugal e no qual sugere 127 receitas que não demoram mais do que 30 minutos a fazer.
Aos 57 anos e com uma carreira sólida enquanto crítico gastronómico, fala com a ingenuidade de uma criança quando o assunto é comida. "Estou entusiasmado com o jantar de ontem no restaurante Alma e estou entusiasmado pela lambreta que vou provar a seguir", garante. Só não ficou convencido quanto ao bolinho de bacalhau, mas, mais uma vez, conta com a generosidade dos portugueses. "Desde que disse mal do que provei, toda a gente me quer oferecer o melhor. E eu quero provar".
Na sua página de Instagram já há fotografias de pastéis de Tentugal, migas, porco preto, salada de polvo...
Tem sido maravilhoso. Não esperava o orgulho desmedido que os portugueses têm da sua comida. Se viam que eu estava a comer em Beja, por exemplo, diziam para ir aqui, ali, acolá, todos a oferecerem-me o melhor.
Mas vi que não gostou do bolinho de bacalhau.
Tive dezenas de comentários a dizer que eu não provei o melhor e que as mães é que sabem fazer, mas só para aí duas pessoas é que me indicaram sítios específicos onde provar. Por isso não sei se não haverá um mito em volta do bolinho de bacalhau e se não estará ligado a uma memória afetiva, mais do que ao sabor real.
O que é que aprendeu sobre os portugueses através da comida?
O orgulho que têm em tudo o que é vosso. Os portugueses são loucos por comida, obcecados mesmo. Estão ao almoço a pensar no que vão jantar. Em Melbourne [Austrália] somos iguais e por isso sinto-me mesmo confortável aqui. Até o clima é parecido.
Mas o que mais me surpreendeu é o facto de fazerem comida saborosa, mas simples, sem grandes molhos e condimentos. Há alguma coisa melhor no mundo do que um peixe grelhado com a pele crocante, bem cozinhado, com uma boa salada e regado a azeite?
Quando passamos nos brasileiros é só festa, os espanhóis falam alto, os bascos são mais racionais. Os portugueses são extremamente bem-educados, delicados. Vêm no final da refeição para não interromper e, quando interrompem, a conversa é sempre agradável"
Tem já uma preferência?
O linguado. É o melhor peixe do mundo.
As suas viagens são sempre gastronómicas?
Não. Eu tenho um regra com a minha mulher agora: vamos apenas a um restaurante por dia ou de dois em dois dias. Vamos mais a restaurantes locais e casuais e, de vez em quando, a um de fine dining. Mas esta viagem a Portugal tem sido toda bastante casual e a minha mulher está a adorar. O tratamento nos restaurantes é ótimo. É que quando passamos nos brasileiros é só festa, os espanhóis falam alto, os bascos são mais racionais. Os portugueses são extremamente bem-educados, delicados. Vêm no final da refeição para não interromper e, quando interrompem, a conversa é sempre agradável.
Nos últimos 25 anos trabalhou sempre com comida. O que prefere fazer nessa área? Escrever sobre comida? Cozinhar? Criar receitas?
Ui… essa é difícil, mas acho que é tudo um pouco. Estas viagens são a minha forma de juntar estas paixões. Experimento novos sabores, conheço novas culturas, ganho inspiração para as receitas e para as minhas próximas colunas de opinião [tem uma coluna semanal no "Daily Telegraph" e no "Sunday Times"]. Escrever é o meu “happy place”, é onde me sinto mais completo. Consigo juntar trabalho com lazer e isso é um privilégio.
Escreveu um livro sobre cozinha fácil. É dessa forma que gosta de cozinhar atualmente?
Completamente. Eu gosto é de street food, de comida simples, comida caseira.
Cozinha muito em casa?
Sim e adoro procurar novas receitas, às vezes até nos velhos livros da minha mãe que, por sinal, é uma ótima cozinheira. Com ela aprendi a cozinhar de forma simples e fácil, sem sacrificar os sabores. E para mim o mais importante é o sabor e textura. Senão veja esta ideia: ponha frango a marinhar em molho agridoce e coentros e depois leve ao forno. Demora três minutos e é o forno que faz todo o trabalho. E se fizer o dobro, o frango frio é ótimo no dia seguinte numa sandes.
A minha ideia é criar receitas com ingredientes que sejam de fácil acesso e que todos possam recriar. O título do meu livro — “Yummy, Easy, Quick” ou como vocês dizem, "Delicioso, Fácil e Rápido”, foi ideia da minha filha. Quando ela me diz que o livro devia ser delicioso, fácil e rápido como a minha comida, eu virei-me para ela e disse: Genial! É que o meu último livro chama-se Cookbook. Como se traduz aqui?
Livro de cozinha.
Isso. Porque aquilo é um livro e eu sou cozinheiro. Portanto, "Livro de Cozinha". Mas ainda que o nome tenha sido simples, não quis fazer aquela capa básica comigo a apontar para uma receita e a dizer que é minha. Preferi pôr a minha cara em cima de uma pavlova. O meu editor disse-me que as pessoas iriam achar que era uma biografia e não um livro de cozinha, mas por mim tudo bem.
Num total de 127 receitas, mais de 40 são vegetarianas. Tem vindo a reduzir o consumo de carne?
É uma tendência.
Mas é mesmo uma tendência ou uma necessidade?
Boa pergunta. Eu acho que é uma inevitabilidade, porque a carne é cara e os vegetais não. O meu próximo livro será só de receitas vegan e vegetarianas, mas com sugestões de carne caso as queiram acrescentar.
O contrário do que acontece agora, portanto.
Exatamente, ainda bem que percebe isso. A ideia é fazer um jantar e, ainda que estejam vegetarianos na mesa, não tenha que fazer dois pratos diferentes. No limite, faz-se um prato e põe-se frango como opção para quem queira acrescentar. O que eu quero é provar que os vegetais são, por si, deliciosos. Eu faço umas cenouras no forno, assadas lentamente durante três horas, que perdem o sabor adocicado e ficam deliciosas. Um quilo de cenouras custa quanto? 1€? E um quilo de frango? 4€? O problema é as pessoas terem uma imagem errada da comida vegetariana. Não é nada aborrecida, pode mesmo ser deliciosa e há uma infinidade de coisas que se podem juntar aos vegetais, como o limão, a paprika fumada, picante, especiarias, até os podem fritar.
Há alguma coisa que tem a certeza que nunca vai provar?
Eu tenho que provar tudo pelo menos uma vez. Se me recusasse seria por questões éticas, talvez miolos de macaco ou algo desse género. Mas ainda assim, nunca se sabe. Mesmo que algo pareça horrível, pode ser uma surpresa e de repente prova algo genial. Olhe, tive uma experiência dessas cá em Portugal. Em Cacela Velha, deram-me um prato com muxama, mel e queijo de cabra. Tinha tudo para ser estranho e era delicioso.
Nunca se falou tanto de comida como agora. Consegue explicar porquê?
Acho que isso acontece porque agora damos uma real importância àquilo que pomos no prato. A comida define-nos enquanto pessoas, é uma questão de tradição, de cultura. A comida não é só nutrientes. Se pensarmos, ela está relacionada com todos os eventos importantes da nossa vida: o Natal, a Páscoa, os aniversários, os casamentos, os funerais. Por outro lado, virou uma cena cool. Os chef são as novas rockstars.
Má comida é aquela que não compensa as calorias. Comida sem sal, comida preguiçosa. Eu prefiro ir comer o hambúrguer por aquele casal que faz hambúrgueres há 20 anos do que ir ao novo sítio da moda"
As redes sociais deram o poder para que todos sejamos agora críticos gastronómicos?
As redes sociais democratizaram a comida e isso é maravilhoso. Todos têm uma opinião e todos a podem expor. Mas, por outro lado, se quero saber alguma coisa sobre um restaurante que vou experimentar, prefiro ouvir os críticos que conheço e a quem dou crédito. Sei que pagaram pela refeição e não estão a ser influenciados.
O que é para si comida má?
Má comida é aquela que não compensa as calorias. Comida sem sal, comida preguiçosa. Eu prefiro ir comer o hambúrguer feito por aquele casal que faz hambúrgueres há 20 anos do que ir ao novo sítio da moda. Se nos preocupamos com a comida temos que apoiar esses espaços onde se come bem. Mais vale pagar um bocadinho mais e ficar duas horas à mesa com amigos, do que ir àquele barato de comer pelo caminho. Mas eu digo isto porque já não sou novo. Quando era jovem a comida não importava. Só queria entrar num restaurante e gritar: "Dá-me comida" ou chegar a um bar e dizer: “Sirvam-me uma bebida".
E mesmo depois de experimentar tantos restaurantes, ainda tira prazer de ir comer fora?
Claro que sim. Estou entusiasmado com o jantar que tive ontem no restaurante Alma, com o que vou comer logo, com o que vou comer amanhã, com a lambreta que vou provar. É que eu adorei o conceito da cerveja mini e quero ver se a lambreta é igual.
Há coisas nos restaurantes de hoje em dia que não goste?
Odeio bowls e bebidas servidas em frascos. E a hashtag #blessed? Argh! E os instagrammers que não sabem nada de comida e que escrevem como se fossem profissionais de nutrição? Têm disso em Portugal?
Temos, claro.
Eu prefiro mil vezes ir a um sítio no qual as pessoas estejam entusiasmadas com o que servem. Ainda ontem, a senhora que me serviu aquele bacalhau à Brás, oh meu Deus. Delicioso e ela tinha uma verdadeira paixão por aquilo como nunca vi.
Mas o Matt tem muito mais em si do que esta paixão pela comida. Foi DJ e teve uma banda punk, por exemplo. É um estilo de música que ainda hoje ouve?
Claro que sim, e continuo a fazer programas de rádio no qual escolho as músicas que mais gosto.
É difícil encontrar a química que nós tínhamos [refere-se a Gary Mehigan e George Calombaris, também jurados do "MasterChef"]. Se tivessem substituído apenas um de nós, os outros tinham saído. Foi por estarmos os três que continuamos durante tanto tempo"
E quanto ao seu estilo? Sempre se preocupou com a forma como se veste?
Na minha altura mais punk comprava tudo em lojas de segunda mão. Vinha de lá com os braços cheios de roupa, algumas só usei uma vez. Quando se é pobre fazemos o que podemos para manter o nosso estilo. Agora, com outro budget, posso escolher outras coisas.
Acha que é esse carisma dos jurados que ditou o sucesso do "MasterChef Austrália"?
Não posso julgar isso, mas quando estamos os três juntos [refere-se a Gary Mehigan e George Calombaris, também jurados do programa] somos muito poderosos. Os bons programas continuam quando são bons e se agora eles escolherem bons jurados, têm tudo para continuar a ter sucesso. Mas é difícil encontrar a química que nós tínhamos. Se tivessem substituído apenas um de nós, os outros tinham saído. Foi por estarmos os três que continuamos durante tanto tempo.
E o que se segue?
Gary Mehigan e George Calombaris vão ter um novo programa de televisão. E eu sou um escritor e é assim que quero continuar. Claro que fico triste de ter deixado o "MasterChef", mas perder a escrita seria o fim do mundo. A escrita faz parte de mim, mais do que a televisão.
Se pudesse escolher uma receita do seu livro para jantar hoje, qual seria?
Escolhia o esparguete à bolonhesa, que é o mais consensual. Mas para mim escolheria a couve flor cozinhada no micro-ondas e assada no forno com azeite e amêndoas e grão de bico crocante. Simples, delicioso e vegetariano.
Mas, na verdade, o que é que vai jantar?
Eu queria ir comer marisco à beira-mar. Mas também queria uma bifana e um prego. Não sei, é tão difícil.