É irónico. No mesmo dia em que André Ventura escreve no Twitter "era contra isto, contra o estado de coisas a que chegámos por causa de Marcelo e Costa, que eu gostava de ver os lábios pintados de norte a sul do país", numa alusão à pressão sobre os hospitais e número de casos de COVID-19, o candidato presidencial reuniu-se num jantar-comício com 170 pessoas nos arredores Braga.

No espaço, com 450 metros e sem ventilação, os participantes sentaram-se sem máscara e sem distanciamento social, depois de no domingo, 17 de janeiro, se terem registado 10.385 casos e 152 novas mortes em Portugal. O dia anterior foi o pior da pandemia, com os hospitais a acusarem uma enorme pressão.

Rui Paulo Sousa, mandatário nacional e diretor de campanha do Chega, garantiu que as normas tinham sido respeitadas e que, antes de o jantar começar, a delegação de saúde havia passado no local e autorizado o evento, diz o "Expresso".

No entanto, fotografias e relatos dos jornalistas no local, dão conta do outro cenário: a ausência de aplicação de normas, com comensais sentados. Sobre a continuação destes eventos, tendo em conta o cenário epidemiológico português, o candidato respondeu que "a Comissão Nacional de Eleições já se pronunciou sobre isso”, cita o mesmo jornal. Além disso, afirmou ainda que “já não era possível adiar as eleições”.

Mais: “Portanto, das duas, uma: ou não há campanha absolutamente nenhuma ou ela tem de existir. Temos feito um esforço junto da DGS, com todas as regras cumpridas, de máscara, de separação. Mudámos completamente o modelo da campanha. Estamos a cumprir as regras todas”.

Com as notícias que foram saindo sobre este jantar, no decorrer do mesmo, quando as portas do espaço se voltaram a abrir para a entrada dos jornalistas (que não estiveram presentes na sala durante a refeição), os repórteres foram vaiados, a comunicação social foi insultada, chegando mesmo a haver contacto de físico, nomeadamente com operadores de câmara.

“Pouco importa, pouco importa se eles falam bem ou mal. Queremos o André Ventura Presidente de Portugal”, cantavam os apoiantes. Ventura nunca se demarcou destes ataques. Um carro da RTP chegou mesmo a ser vandalizado, tendo ficado com o limpa para-brisas traseiro partido.

Como consequência do mediatismo do evento, o líder do Chega falou sobre a COVID-19 "para toda a gente ficar contente".  “Portugal atingiu os piores números no quadro comparativo. Mas quando era nos EUA, a culpa era de Donald Trump. Quando era no Brasil, a culpa era do Bolsonaro. Mas cá não é do António Costa, é do povo português, que se porta mal. Isto não é duplicidade de critérios, é fraude, é fraude”, disse. “Vão dar lições para o raio que vos parta!”.

“Temos apoiantes, nomeadamente de etnia cigana, como os que estão aqui ao meu lado"

No mesmo dia, e após um comício no Auditório Paulo Quintela, em Bragança, o candidato presidencial segue para a inauguração da sua nova sede de campanha na cidade transmontana e eis que, após os agradecimentos, pede aos jornalistas para aguardarem. É aí que chegam Fátima Godinho e o sobrinho Nataniel André, ambos ciganos, etnia fortemente atacada por André Ventura.

“Não tinha previsto fazer hoje mais nenhuma declaração mas é especialmente importante para mim”, disse o candidato. “Temos apoiantes, nomeadamente de etnia cigana, como os que estão aqui ao meu lado e que eu gostava de apresentar como exemplos de que são apoiantes do partido, estão perto das estruturas do partido aqui e de que percebem a mensagem de que a questão não é pertencer ou não a uma determinada etnia”, cita outro artigo do "Expresso".

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É que, diz Ventura, não é a etnia que está em questão. Trata-se, antes, “de contribuir, fazer um esforço para haver uma integração social, contribuir para a sociedade, como acontece aqui, ter de cumprir todas as regras, ter de pagar as taxas que a Câmara impõe para o exercício de atividade, como é aqui o caso”.

Depois, nega as acusações de racismo de que o próprio e o partido são várias vezes alvo. “É um exemplo de como o Chega não tem nenhuma conexão nem nenhum intuito racista”.

O mais importante, reforçou, é a lei: “O Chega quer é que todos tenham de cumprir a lei da mesma forma, por isso este apoio é particularmente importante”, frisou. “Temos elementos da comunidade cigana que nos apoiam e compreendem a importância da nossa mensagem. É um orgulho muito grande que façam parte da equipa distrital e agora a palavra não é minha”.

Fátima corroborou as teorias de Ventura. “Às vezes a sociedade também não os deixa integrar e alguns deles não querem ser integrados porque vivem de tradições e não são essas tradições que nos ajudam a governar a vida”, disse a mulher que afirma ainda "não se sentir minimamente atingida pelas acusações do líder à sua etnia.  “Se o Estado não desse tanto muitas vezes, eles seriam obrigados a trabalhar, tal como eu e o meu sobrinho e todos nós temos de trabalhar para sobreviver”, acrescentou, dizendo ainda  “acho muito bem que mande toda a gente trabalhar”.

Ventura não conhecia Fátima e Nataniel, que foram ali parar após um convite. Ventura nunca os havia conhecido antes. “Disseram-me que tinham todo o prazer em que eu os acompanhasse aqui para prestar esta declaração e demonstrar a familiares e à própria etnia à qual pertenço que ele não é contra a etnia, é sim contra alguns ideais que eles praticam”, disse a mulher, que não era militante, mas que "ia tratar já disso".

Manifestantes gritam "fascista"

Agora em Guimarães, e antes do jantar, André Ventura fala aos seus apoiantes: com o castelo de fundo, tem na sua frente duas centenas de apoiantes e é vaiado por meia centena de manifestantes, que gritam "racismo e fascismo não passaram" ou "25 de abril sempre, fascismo nunca mais", conta o "Correio da Manhã".

Neste local, conhecido como o "berço de Portugal", como o próprio frisou,  “Desta escuridão nascerá a luz de um novo país, capaz de se olhar ao espelho, de se ver com dignidade, de voltar a olhar para este castelo e dizer que se orgulha de ser português”, disse, citado pelo "Expresso".

Numa alusão ao voto antecipado e à cidade em questão, o candidato falou várias vezes da "reconquista" do país. E ainda atirou umas bocas aos manifestantes: “Enquanto outros perdem tempo a cantar ‘Grândolas’ e a dizer disparates à volta dos nossos comícios, nós não nos esquecemos de que o nosso foco é Portugal. Se não gostam, emigrem para Cuba ou para a Venezuela e vejam como se vive lá.”

Foi ao desmobilizar que os apoiantes de Ventura insultaram os manifestantes, que estavam distantes e separados por muitas dezenas de elementos da PSP. O "Correio da Manhã" fala num "campo de batalha verbal".

Esta segunda-feira, 18 de janeiro, acontece o último debate com todos os candidatos presidenciais. Todos à exceção de André Ventura, que pediu para participar remotamente, pedido que foi recusado.

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