Padre e DJ são duas palavras que, à partida, parecem não combinar. Mas Guilherme Peixoto é a prova de que as coisas nem sempre são assim tão lineares. O padre Guilherme Peixoto nasceu há 46 anos em Guimarães. Morava a cerca de meia hora a pé da igreja e recorda que tinha de sair cedo de casa, não só para chegar a horas à missa, como também para ser um dos primeiros. Isto porque os primeiros rapazes eram os escolhidos para ajudar na eucaristia e Guilherme sempre gostou de o fazer. A admiração pelo padre da sua paróquia fez com que, desde muito cedo, gostasse de um dia ser como ele.
"Houve sempre uma ligação afetiva muito forte com o padre e com aquilo que ele representava. Havia uma comunidade de ciganos muito grande na freguesia e ele estava lá sempre no meio deles, ajudava-os em tudo", conta Guilherme Peixoto à MAGG recordando que inclusivamente, quando a câmara quis acabar com os acampamentos e arranjar alojamento para a comunidade cigana, o pároco José Maria "foi um dos que esteve sempre na linha da frente a ajudá-los". Fascinava-o a atenção para com o outro, o "estar próximo de todos, mesmo daqueles que muitas vezes a sociedade tinha medo de estar". Assim foi crescendo, sempre muito ligado à igreja e a tudo aquilo que ela representava. Desde muito pequeno que sempre disse ao pais que um dia gostava de ser padre. "Os meus pais nunca disseram que sim nem que não. Eles gostavam da ideia, nunca a puseram de lado, mas também nunca senti da parte deles nenhuma pressão. Sentia que eles estavam contentes.", conta.
Aos 13 anos foi para o seminário e lá frequentou todos os anos de escolaridade. No início, estranhou o novo ambiente, mas a vontade de seguir o caminho da fé era tanta que nunca pensou em desistir. "De um momento para o outro nós saíamos do conforto da casa dos nossos pais, onde temos o nosso quarto e os nossos miminhos todos próprios de uma família, para chegarmos a este ambiente. Ia do salão de estudo para capela em fila como na tropa, este foi o ambiente que eu encontrei no seminário", recorda referindo que o salão onde dormia em conjunto com muitos mais rapazes, parecia um "hospital de campanha".
Com o passar do tempo, muitas das amizades que criou começaram a sair do seminário e essa foi a única altura em que o Padre Guilherme assume que colocou em questão continuar. "Foi quase um duvidar mais por solidariedade do que por falta de vocação", afirma. Guilherme Peixoto foi sempre uma criança muito rebelde, adorava brincar com os amigos, conviver e sempre que surgia a oportunidade de faltar às aulas não pensava duas vezes. Esta sua rebeldia fez com que ninguém imaginasse que ser padre era um objetivo. "Quando disse aos meus amigos que queria ir para padre, eles começaram a gozar comigo porque ninguém acreditava. Não foi fácil eles perceberem que eu queria mesmo ser padre". Já no seminário, Guilherme Peixoto nunca deixou de conviver com os amigos. Durante o fim de semana, depois da missa e das atividades de escuteiros, ia para bares e às vezes até para discotecas.
Depois do 12º ano passou para um seminário maior, em Braga, e foi lá que fez os estudos, já na Faculdade de Teologia. Em 1999 foi ordenado padre, um sonho tornado realidade.
"O que mais me fascina na vocação de ser padre ainda hoje é a facilidade que temos de fazer a diferença."
"Em poder ajudar o outro, basta querer. Seja através de uma palavra, de uma oração, de algo que se organiza na comunidade e a favor da comunidade. Eu olhava para o padre da minha freguesia e via como ele fazia a diferença naquela terra, como ele fez a diferença para muita gente e dizia para mim que gostava de ser como ele ", afirma.
Para o pároco Guilherme Peixoto, ser padre é uma vocação e não uma profissão. Não há horários nem obrigações definidas, é algo que se faz a tempo inteiro. "Quem olhar para padre como uma profissão não se consegue aguentar muito tempo. Numa profissão, as pessoas sabem quais são as suas obrigações e aqui as nossas obrigações são as pessoas. É a necessidade delas, é a criatividade que possamos ou não ter nas comunidades onde estamos. Nunca se pode olhar para ser padre como uma profissão. É pensar sempre nesta graça que Deus nos confia. Um dos segredos é reconhecer que nós não fomos escolhidos por sermos melhores do que os outros. E é muito importante que todos nós padres tenhamos isso presente", salienta.
Problemas de saúde à nascença e a carreira militar
A história de vida do Padre Guilherme é incrível por várias razões. Não é todos os dias que falamos com alguém que quer ser padre desde os oito anos de idade, mas o mais surpreendente não é isso. Guilherme Peixoto conta à MAGG que nasceu com vários problemas de saúde e que, no hospital em Guimarães, chegaram a dizer à família que não tinha esperança de vida e que provavelmente não ia sobreviver. Na altura, os pais decidiram levá-lo para casa afirmando que "se ele vai morrer, nós queremos que ele morra em casa e queremos tomar conta dele em casa".
A família pediu autorização aos médicos para sair do hospital, levaram o soro e todos os medicamentos para casa e foi a avó e mais umas vizinhas que tomaram conta dele durante a noite. Guilherme só ficou a saber desta história muito recentemente e o mais curioso é que nesse desespero, a mãe fez uma promessa a Deus. "A minha mãe prometeu a Deus que se eu não morresse me dava para padre. Nas palavras dela 'que me oferecia ao senhor", conta referindo que até há bem pouco tempo nem imaginava que tal situações tivesse acontecido. "Eu soube que tive problemas de saúde nos dias em que nasci, mas nunca soube que seriam tão graves nem que vim para casa já com a ideia de que ia morrer", acrescenta
Depois de já ter passado por várias paróquias, atualmente o padre Guilherme é pároco em Amorim e também na paróquia de Laúndos. Mas, pelo caminho ainda se juntou ao exército.
"Nunca imaginei sequer poder ficar ligado ao exército, mas achei um desafio interessante. E é um desafio que ajuda a ver o mundo com outros olhos."
No ano de 2000 foi convidado para fazer o curso de capelão militar na academia militar. Um ano depois, fazia falta um capelão no quartel da Póvoa de Varzim e o bispo de Braga pediu-lhe para assumir o cargo e ficar também encarregue da paróquia de Amorim. Nesse mesmo ano, para além de estar ligado à diocese de Braga, passou a estar ligado à diocese das Forças Armadas e de Segurança.
"Caí num mundo que desconhecia completamente", afirma, acrescentado que encarou este desafio com muita vontade. Fez várias missões no estrangeiro das quais destaca o privilégio de ter servido o exército com os comandos no Afeganistão e também com o grupo de carros de combate no Kosovo. Viagens que o ajudaram a perceber a sorte que tem de viver em Portugal e que o despertaram ainda mais para outras realidades. "Às vezes ficamos muito fechados em nós e esquecemo-nos de que há muita miséria e muita desgraça pelo mundo fora, a precisar também da nossa ajuda", confessa à MAGG.
Guilherme Peixoto é um homem de desafios e em 2005 não disse que não a mais um. Assumiu a paróquia de Laúndos onde permanece até hoje foi lá que, em conjunto com os paroquianos, descobriu uma nova vocação. Quando lá chegou era necessário fazer várias mudanças e e colmatar muitas carências. Nomeadamente terminar o restauro da casa paroquial para contruir salas para os diversos grupos da paróquia e para a catequese.
Iniciativa e determinação são características que nunca faltaram ao padre Guilherme e, em conjunto com alguns paroquianos ligados à construção civil, decidiram, depois do horário de trabalho, terminar o restauro da casa para diversos fins. Quando chegou à paróquia, parte das obras já estavam terminadas, mas faltava pagar a outra parte dessa intervenção. Foi então que um casal se disponibilizou para adiantar o dinheiro que seria posteriormente devolvido em prestações, mas para pagar essas prestações era necessário que o lucro viesse de algum lado e foi assim que surgiu a ideia de inaugurar o Ar de Rock Laúndos .
O início da carreira como DJ
Para saldar as dívidas da paróquia, em conjunto com um grupo de voluntários, abriu o Ar de Rock Laúndos. "Juntámos o pessoal dos coros e começámos a fazer umas noites de karaoke. Nos intervalos do karaoke, pegava no computador e punha eu a música. Ano após ano fui ganhando este bichinho", confessa à MAGG. Hoje, é já um dos DJs de referência a nível nacional. O bar na Póvoa de Varzim, que ainda se encontra em funcionamento, deixou de lado os karaokes e passou a ter o padre Guilherme como DJ residente. As dívidas foram todas saldadas, e ano após ano o lucro foi sendo sempre aplicado em diversas necessidades da paróquia. Apesar do lema "Juntos por uma causa" e do espírito ter sido sempre ajudar a paróquia, o padre foi muitas vezes criticado por diversos fiéis.
"No início foi muito difícil. O choque foi muito grande"
"Houve inclusive pessoas que escreveram cartas para o bispo de Braga a fazer queixa, referindo que o padre estava a desencaminhar os jovens. Houve também várias queixam sobre o barulho e pessoas que consideravam que o que se estava a passar era uma 'vergonha'", confessa.
Apesar de todas as adversidades, nunca duvidou de que o que estava a fazer era para o bem dos outros. "Toda essa atividade nasceu na paróquia, com a paróquia e hoje não quer dizer que haja quem não goste. Mas se estivermos a trabalhar preocupados em agradar a todos, é impossível". A par desta iniciativa foi criando outras como o Laúndos em Movimento, com noites de DJs, atividades radicais, festivais de comédia e muito mais.
"As pessoas gostavam muito da minha seleção musical, da dinâmica que criava no palco e comecei a sair do bar dessa forma." Depois das festas da paróquias, seguiram-se convites para atuar em festas de Erasmus na universidade do Minho e mais tarde em todo o país. "No meio disto tudo fiquei com amigos para a vida. Já fui a casamentos à Geórgia e à Polónia de pessoal que conheci desta altura e destas festas que fazia durante o ano em Braga".
Assim, foi também chamando muitos jovens para a paróquia. "O facto de ser DJ faz-me chegar a ambientes onde geralmente a igreja não entra e não está ", afirma o Padre Guilherme referindo que acaba por passar uma imagem diferente da igreja. Tal como várias vezes o Papa Francisco já disse, também Guilherme concorda que "a igreja tem de ir às periferias, não pode ficar fechada no conforto dos seus muros e quem quiser que vá lá ter". Assim, acaba por conhecer melhor os jovens e saber quais os desafios que se colocam hoje à igreja. "Nós temos de ser humildes, estar onde estão as pessoas, ao serviço delas".
Desafios à igreja e à humanidade foi também o que a pandemia da COVID-19 provocou em todo o mundo, mas Guilherme Peixoto não se deixou afetar e durante a quarentena realizou várias iniciativas online. Tanto no Instagram como no Facebook foi-se adaptando ao streaming. Fez companhia a muita gente, deu conselhos, passou música, recebeu comediantes como Fernando Rocha, Hugo Sousa e António Raminhos, DJs como Miss Blondie, Karetus e até antigos paroquianos e estudantes de Erasmus espalhados pelo mundo.
Criou a série "Sozinho em Casa" e assim foi ajudando as pessoas a passar o tempo. "O que mais me custou durante a pandemia foi ver que muita gente começou a passar mal e não ter como os ajudar.", afirma o pároco, referindo que se antes havia famílias a pedir ajuda de três em três meses, agora essa ajuda é necessária quase todas as semanas. Ainda assim, há certos aspetos que, enquanto padre, não consegue garantir e quando se trata de problemas psicológicos "às vezes o desabafar pode não chegar". "É muito importante que neste tempo de quarentena, quando alguém está a passar por problemas e depressões que não tenha medo de procurar ajuda especializada. Todos nós podemos passar por isso", salienta.
A quarentena atingiu níveis de visibilidade que nunca imaginou. Hoje, chega a muito mais gente, tanto através da fé como da música Atualmente, o DJ Padre Guilherme é conhecido a nível mundial tendo já sido entrevistado por meios de comunicação como a Forbes, a Reuters e ainda por uma televisão na Polónia.
Em novembro do ano passado, numa visita que fez ao vaticano teve o privilégio de ver os headphones serem abençoados pelo próprio Papa Francisco. De lá, o DJ Padre Guilherme veio com ainda mais convicção de que todo o caminho que tem feito até aqui é o certo.