Portugal: um país pequeno mas repleto de diversidade. E assim é também em termos linguísticos. Quantas vezes já ficou a pensar no significado de uma palavra que ouviu numa qualquer região do País? De norte a sul, passando ainda pelas ilhas, são muitos os termos que, na sua maioria, são apenas entendidos pelos habitantes locais.
Segundo Esperança Cardeira, professora de Linguística na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, os regionalismos são “formas linguísticas que são usadas apenas numa determinada região. Podem também ser utilizados por determinadas classes sociais, mas dentro de uma região específica”. Os regionalismos diferem das formas populares, uma vez que estas podem estar presentes em qualquer território.
A docente entende que podem ser duas as origens possíveis para os regionalismos. Por um lado, a “conservação das formas do português antigo de uma determinada região, que normalmente são substituídas por outras formas da norma da língua portuguesa, e que apenas sobrevivem em regiões pequenas”. Por outro, os regionalismos podem também surgir pelas “novas formas por etimologia popular”, isto é, pela “interpretação que nós fazemos das formas linguísticas”.
Do mesmo modo, quanto mais isoladas forem as regiões, mais regionalismos estas vão possuir, uma vez que os habitantes acabam por não ter tanto contacto com outras formas de falar. “Quando fazemos inquéritos para estudar os dialetos, queremos encontrar pessoas de preferência mais velhas para possuírem formas mais antigas e que de preferência nunca tenham saído do sítio. Porque o facto de uma pessoa sair para outros locais, com o contacto com outras pessoas de outros sítios, pode mudar a sua língua ou pelo menos há essa possibilidade”.
Esperança Cardeira considera ainda que a comunicação social pode ser um fator para a extinção destas formas particulares de expressão. “Os regionalismos acabam por ser eliminados com a comunicação social. Isto é, quanto mais existir a expansão da comunicação social, principalmente da televisão, mais os regionalismos tendem a desaparecer.”
Em várias regiões do País, as mesmas palavras podem apresentar formas distintas consoante a região onde nos encontramos, isto é, podem ter designações diferentes mesmo quando se referem à mesma coisa. Veja alguns exemplos.
1. Alcagoita: amendoim
Palavra do Barlavento Algarvio e parte do Alentejo. O termo “amendoim” tem origem numa língua falada pelas tribos de povos tupis, no Brasil, enquanto que “alcagoita” vem do asteca, “através do castelhano cacahuete — a planta veio do Brasil e do México, com dois nomes diferentes”, explica a professora Esperança Cardeira. Já no sotavento algarvio, o amendoim é denominado de ervilhana, pelas semelhanças com os grãos de ervilha.
2. Cachapuço: mergulho de cabeça
Ouvida em Trás-os-Montes, a palavra “cachapuço” deve derivar do verbo cachar, que significa esconder-se. Aqui poderá ainda existir a interferência da palavra “carapuço”, de origem castelhana, que significa uma peça de vestuário com capuz.
3. Rebendita: vingança, fazer de propósito
Este termo do Funchal, na Madeira, é uma variante de “revindita”, uma forma reconhecida já no século XV, do latim “vindicta”, que significa vingança. O verbo rebenditar pode também referir-se ao facto de se estar sempre a fazer coisas menos boas e que outra pessoa não gosta.
4. Morcão: pessoa com pouca inteligência, parvo
Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, “morcão” é um indivíduo preguiçoso ou sem iniciativa — mandrião, é alguém que demonstra falta de inteligência — idiota, imbecil, parvo. Este é um regionalismo que tem origem no castelhano “morcón” e é bastante utilizado em Vila Nova de Gaia e no Porto.
5. Marrafa: franja
Segundo Esperança Cardeira, “marrafa”, pronunciada em Barcelos, significa “risca do cabelo”. Assim, o significado regional de “franja” pode constituir-se uma variação. Marrafa é uma palavra derivada de um antropónimo. “Nos finais do século XVIII atuou em Lisboa uma companhia que tinha um barítono italiano, Marrafi. Do mesmo tipo temos nicotina (de Jean Nicot), guilhotina (de Joseph Guillotin), entre outros.”
6. Cagaçal: um fraco
“Cagaçal é o lugar para onde se atiram excrementos — de cagar, do latim 'cacare', com o mesmo significado. Por extensão passou a significar também ‘confusão’ e ‘vileza, cobardia’”, explica Esperança Caldeira. Na região da Beira, cagaçal é um regionalismo que remete para alguém que é fraco.
7. Balhelha: pessoa desarranjada
A sua etimologia é obscura. No entanto, de acordo com o Dicionário de Regionalismos e Arcaísmos do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, em Foz Côa uma pessoa desarranjada é “balhelha”.
8. Delingar: pendurar
“Com a variante dalingar, possivelmente do latim vulgar 'delenicare', de lenis ‘mole’, em aceção figurada”, refere a professora de Linguística. É uma palavra utilizada em Trás-os-Montes.
9. Mamulhão: nódoa negra
No Funchal, na Madeira, “mamulhão” significa uma nódoa negra, um edema, um inchaço causado por alguma pancada. Pode ainda referir-se a um galo na cabeça.
10. Vento encanado: corrente de ar
Esta expressão utilizada na ilha de São Miguel, nos Açores, é uma metáfora: encanar no sentido de "canalizar".
11. Càcâluma: pirilampo
Em Óbidos, “càcâluma” é a palavra para pirilampo. “Pirilampo é uma palavra relativamente recente, inventada no início do século XVIII por um famoso dicionarista, o padre Rafael Bluteau, a partir do grego ‘pyr’ — ‘fogo’ — e ‘lampas’ — ‘candeia’”, esclarece a professora Esperança Cardeira.
As formas populares de pirilampo, que é a designação da norma, continuam a existir e são “abundantes”. “Em geral, têm significações literais: cagalume — de que cacaluma é variante —, abrecu, ourencu lumencu e outras, disseminadas por todo o País.”
12. Acachanfundar: mergulhar
“Acachanfundar” significa “meter na água de cabeça para baixo”, deriva de “cachafundo” e de origem no francês “cacher”. Em Monção, localizado a norte de Portugal, “acachanfundar” expressa o ato de mergulhar.
13. Desabragalar: desabotoar
“Ou desbragar, de ‘soltar da braga’. Bragas, do latim 'braca', é uma forma muito antiga no português, que já existia no século XIII, e que significa calças, calções, ceroulas”, explica Esperança Cardeira.
“Braga adquiriu, ainda, o sentido de ‘qualquer coisa que prende’ e passou a designar também as argolas de ferro que prendiam os escravos ou os remadores às galés”. É daqui que vem o sentido de desabragado como “solto, sem limites”. Em Trás-os-Montes, “desabragalar” refere-se ao ato de desabotoar as calças, a camisa, por exemplo.
14. Canalha: criança
Ainda que “canalha” designe um “conjunto de pessoas desprezíveis”, é uma palavra que existe desde o século XVI, com origem no italiano “canaglia”, em Ponte de Lima este regionalismo significa uma criança pequena.
15. Escarado: embededar-se
“De descarado, no sentido de ‘perder a vergonha’”. No Algarve, “escarado” significa embebedar-se.
16. Tratuário: passeio
No Funchal, “tratuário” significa, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, “uma parte da rua destinada aos peões”, um passeio.
17. Estrugido: refogado
Estrugido, que na região de Aveiro significa “refogado”, já existia no século XV. “Estrugir também significa ‘fazer barulho’ e possivelmente esse será o sentido inicial”, refere a docente de Linguística Esperança Cardeira.
18. Abregoado: despachado
O termo “abregoado” é “uma variante popular de averiguado, com origem no latim ‘verificare’”. A palavra é utilizada em Óbidos.
19. Lambrioso: guloso
“É uma forma relacionada com ‘lamber’, do latim ‘lambere’, com o mesmo sentido, que existe no português desde o século XIV”, explica Esperança Cardeira. Em Trás-os-Montes, “lambrioso” é alguém que é guloso.
20. Abanhar: nadar
A palavra “abanhar” é “uma variante de ‘banhar’”. No Algarve, especialmente na zona de Faro, usa-se “abanhar” ou dar banho no sentido de tomar banho, nadar.