"Preto, vai para a tua terra", foi só um dos insultos que Bruno Candé terá ouvido nas primeiras altercações com o homem de 76 anos que no sábado, 25 de julho, terá alegadamente disparado os três tiros que lhe tiraram a vida. A rua onde Bruno Candé foi assassinado é composta essencialmente por ourivesarias, oculistas, lojas de roupa e estabelecimentos comerciais, como cafés e restaurantes. Por isso, são várias as testemunhas que atestam que o presumível homicida terá proferido insultos racistas nos primeiros confrontos com o ator.

Marcos Rodrigues, dono de um café que era geralmente frequentado por Candé, recorda as primeiras alterações que tiveram lugar na quarta-feira, 22 de julho. O ator estaria sentado no banco onde era habitual encontrá-lo com a sua cadela Pepa, de raça Labrador, quando Marcos Rodrigues ouviu o presumível homicida a dizer-lhe, aos gritos, "que ele era preto", "que tinha de estar na senzala" e "que ele ia violar a mãe dele", diz ao jornal "Público".

Foi nesse momento que, diz a testemunha, Bruno Candé ter-se-á levantado para dizer: "Você não fala mais assim da minha mãe". Para o dono deste café, não há dúvidas de que se trataram de insultos racistas. A mulher de Marcos Rodrigues, Vânia Rodrigues, corrobora a informação e recorda um dos insultos que Bruno terá ouvido e que lhe confidenciou: "Fui à tua mãe e àquelas pretas de merda todas", terá dito o presumível homicida.

Mas a ameaça de morte foi feita nessa mesma quarta-feira. Quem o diz é Júlio Martins, que trabalha na ourivesaria localizada ao lado do café e do banco onde Bruno Candé foi brutalmente assassinado. Júlio terá ouvido uma discussão e o barulho da alteração terá sido o suficiente para o levar a sair da sua loja na tentativa de os separar.

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"Estavam só a agarrar-se. O Bruno tinha um problema numa perna e o senhor andava de bengala, por isso nenhum tinha a mobilidade toda. Enquanto o Bruno está a entrar no carro, o homem manda-o embora e diz: 'Tenho armas do Ultramar em casa e vou-te matar.'", recorda ao mesmo jornal. Mas os insultos não se ficaram por aqui e Júlio diz ter ouvido coisas como "preto do caralho, vai para a tua terra" e outras "coisas que ouvimos chamar normalmente".

Da porta da garrafeira junto ao banco onde o ator foi morto, Maria Silva, uma das funcionárias da loja, recorda ter visto o presumível homicida a caminhar na direção de Bruno. "Só ouço estalos. Olhei em frente e ainda vi o senhor com uma arma apontada. Não conseguia ver o Bruno porque estava tapado pelo canteiro. Depois surgem mais dois dias. A cadela desata aos pulos. Com a arma na mão, muito calmamente, o homem vai à sua vida, como se nada fosse. De uma frieza incrível. Ainda olhou duas vezes para trás", conta à mesma publicação.

O relatos das testemunhas do homicídio de Bruno Candé surgem no mesmo dia em que a Polícia de Segurança Pública veio a público dizer que, até ao momento, ainda não tinha junto de si quaisquer indícios que sustentassem a atribuição de motivações racistas ao homicídio.

Luís Santos, comissário do Comando Metropolitano de Lisboa (COMETLIS) da PSP diz que, "da inquisição das testemunhas feita no local, ninguém fala de atos racistas", explica ao jornal "Público". E adianta que embora haja relatos de "diálogos ou confrontos que podem estar por detrás do incidente", as testemunhas nunca mencionaram "questões racistas".

O esclarecimento surge no seguimento do comunicado feito pela família de Bruno Candé que diz que o presumível homicida branco já o tinha ameaçado de morte três dias antes usando "vários insultos racistas". "Face a esta circunstância, fica evidente o caráter premeditado e racista deste crime hediondo", pode ler-se no comunicado emitido pela família.

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Também Pedro Neto, diretor executivo da Amnistia Internacional Portugal, se pronunciou sobre o caso sublinhando que "tudo leva a crer, e a família da vítima assim o diz, que foi um crime com motivação racista."

“O racismo existe de forma quotidiana e, pelos vistos, alegadamente e infelizmente, teve aqui um expoente máximo que causou ódio e a morte de alguém”, lamentou Pedro Neto que, além disso, aproveitou também para criticar "algumas forças políticas e grupos da sociedade que negam a existência do racismo".

Bruno Candé, ator de teatro e de novelas, foi morto a tiro numa avenida de Moscavide, em Loures. O motivo do desentendimento terá sido a cadela que acompanhava o ator — e não terá sido a primeira vez que o idoso ameaçou e insultou Bruno Candé. O presumível homicida de 76 anos já tinha dito ao ator para “voltar para a sua terra”, ameaçando que um dia o havia de matar, avançou o “Jornal de Notícias”.