Ana Rocha de Sousa junta-se a muitas outras mulheres que nos últimos tempos tiveram a coragem de denunciar os abusos sexuais de que foram alvo. Esta quinta-feira, 27 de maio, a atriz e realizadora de 42 anos esteve presente na cerimónia de entrega de Prémios Activa Mulheres Inspiradoras 2020, que decorreu no Teatro Tivoli BBVA, em Lisboa, e onde foi distinguida na categoria de Artes.

Depois de agradecer a distinção, com a voz a tremer, Ana Rocha de Sousa, começou a ler um longo discurso onde acabou por revelar que foi vítima de abusos sexuais há mais de 25 anos. "Quero partilhar convosco, sem mais demoras, e sem que mais anos se acumulem e me atropelem. Não sei se sou inspiradora, mas tendo ser. Não sei se fui sempre certa, justa ou correta, mas quero ser. Nem sempre fui feliz, mas quero ser. Guardo para mim uma situação que, em detalhe, não posso contar. Hoje, convosco, aqui mesmo e agora finalizo uma superação. A vida escolheu entregar-me mais essa missão. Oiçam, porque, como já todas percebemos, eu estou longe de ser a única a ter de guardar para mim seja um nome, uma verdade, os detalhes escabrosos de uma violenta reputação", começou por dizer, salientando a diferença entre assédio, abuso sexual e violação.

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"Tudo isto é importante, mas temos de concordar que são coisas diferentes. Quero sublinhar que não existe uma mulher que não tenha tido medo de atravessar um parque escuro à noite, ou qualquer outro sítio mais óbvio de perigo eminente, mas quero também sublinhar que esse estado de alerta não é possível manter 24 horas por dia e que existe sempre um momento em que baixamos a guarda e um dia também eu baixei a guarda e não devia", continuou, alertando que o perigo não está apenas no lugares óbvios.

"Arrependo-me de muito pouco na vida, mas lamento ter guardado a história que tenho cravada por contar. A ti, menina, mulher, adolescente, eu digo: não tens culpa. Lembra-te e repete: não tens culpa. A ti, tenho imenso para dizer que pode ajudar. Escreve, se te fizer algum sentido, o que acabo de contar", disse ainda. Dirigindo-se aos pais de quem sofre com estes acontecimentos, salientou que nem sempre a vida permite proteger os que mais amamos.

Em apelo, aos que continuam a duvidar dos relatos de muitas mulheres e criticam o movimento #MeToo, disse: "Parem já de exigir detalhes a quem, por lei, não os pode relevar. Mais ainda, parem de viver como se alguém no seu perfeito juízo queira ser notícia com isto ou ter o rosto colado a estas dores e tristezas. Saibam que a culpa e a vergonha nos é imensamente dura e que a última coisa de que precisamos é de cobrança, acusação, mais dor ou qualquer réstia de julgamento. Se não foste, ou não és vitima de abuso sexual, é natural que pouco saibas ou pouco possas dizer".

Ao abusador, deixou ainda uma mensagem. "A ti, assediador, violador. Sejas tu um outro, um patrão, um homem da duna ou um cantor famoso. Fui ensinada a desejar o bem. O bem te desejo. Não pretendo nunca destruir a vida de ninguém. Jamais. Quero acreditar que passados mais de 25 anos és outra pessoa. Esperemos que sejas diferente e muito melhor. Quero acreditar que deixaste de fazer uso da tua fama para assediar e aliciar teenagers para o teu universo sexual, violento, louco e promíscuo. Quero acreditar que fui a única a ser forçada a crescer bruscamente sozinha na vergonha da minha culpa. Que assim tenha sido. Oxalá que assim seja. Repito: nem sou capaz de te desejar mal. Compreendo que só uma alma muito dorida, perdida e atormentada faz o que tu sabes que me fizeste. Ouve bem: nunca mais voltes a fazer. Nunca mais voltes a fazer", terminou.

No final, agradeceu a atenção de todos os que a ouviram e terminou relembrando que "somos magoados por pessoas, mas também são as pessoas que nos salvam".