Cada vez mais as plataformas digitais se transformam em espaços de trabalho. Das colaborações publicitárias à estratégia de comunicação, com mais ou menos seguidores, os criadores de conteúdo olham para os seus perfis do Instagram como um emprego. Para uns, é uma ocupação a tempo inteiro, mas, para outros, é apenas um part-time ou um rendimento extra.

Qual é mesmo o problema dos influenciadores digitais?
Qual é mesmo o problema dos influenciadores digitais?
Ver artigo

A MAGG falou com sete influenciadoras portuguesas que, para além do digital, têm outra situação profissional, quer por necessidade de uma maior segurança a nível financeiro ou pela paixão pela área de formação. Em relação às dificuldades em gerir as vidas profissionais paralelas, a resposta parece ser unânime: falta de tempo. Medicina, Prótese Dentária, Enfermagem, Nutrição são as áreas de Bárbara Oliveira, Beatriz Silva, Catarina Lopes, Inês Santos Neto, Margarida Santos, Marta Teixeira e Nádia Sepúlveda.

Bárbara Oliveira

Mãe de primeira viagem, Bárbara Oliveira tem quase 70 mil seguidores no Instagram e é nutricionista. À MAGG, conta que o percurso no digital começou na Ilha de Moçambique, no início de 2017, local onde estagiou para aceder à Ordem dos Nutricionistas.

"A criação do blog/Instagram veio um bocadinho no sentido de distração", explica Bárbara, recordando que "havia pouquíssimos portugueses" na ilha que, segundo a própria, é "muito solitária". "Partilhava algumas receitas que fazia, com alimentos mais característicos de Moçambique, partilhava o meu dia a dia lá. Depois, quando voltei para Portugal, acedi à Ordem dos Nutricionistas [agosto de 2017] e comecei a exercer, aproveitei o público que já tinha no Instagram e comecei a promover a minha profissão."

A influenciadora conta que foi através das consultas que percebeu a sua influência nas redes sociais. "As pessoas respondiam-me que comiam coisas que eu colocava no Instagram. (...) Percebi que as pessoas acabavam por copiar as minhas receitas e por seguir os meus conselhos, o que me deixava, obviamente, muito contente, porque significava que estava, de facto, a promover um estilo de vida saudável."

"Às vezes, as pessoas vêm a consultas e parece que já me conhecem, o que é ótimo e a mim também me deixa feliz, porque gosto de ter esse à vontade com as pessoas, gosto de ter essa empatia. Não me conhecem só como nutricionista, mas conhecem, também, um bocadinho do meu dia a dia", revela Bárbara, lembrando um episódio recente, na qual uma paciente a questionou sobre o seu estado de saúde, dado que, dias antes, tinha partilhado no Instagram uma queda com o filho, Afonso, de 11 meses, ao colo. "São muito queridas", sublinha, em entrevista à MAGG.

Atualmente, Bárbara Oliveira dá consultas exclusivamente online. Durante a pandemia, em julho de 2020, criou o "Consultas de Nutrição" com duas colegas da área, projeto que, atualmente, conta com sete profissionais. Trabalha a partir de casa, mas, "às vezes, parece que é preciso que os dias tenham 48 horas". A influenciadora fala sobre a importância de "saber gerir o tempo" para as consultas, para criar conteúdos, para a família e para o filho. "Tenho mesmo horas específicas para criar conteúdos, normalmente é perto da hora de almoço, porque depois acabo por almoçar aquilo que faço", explica, referindo-se às receitas que habitualmente partilha nas plataformas digitais.

Durante a semana, procura ainda aproveitar alguns momentos livres, à tarde, para produzir conteúdo e espera ter mais tempo a partir de agora porque o filho começou a ir à creche. Bárbara não faz tudo sozinha: tem a ajuda do namorado, da família, da equipa do projeto de Nutrição — que, segundo a própria, "já anda muito bem sozinho" — e com agência à qual pertence, a What About, que trata da parte publicitária. "A maior parte das vezes sou eu que tiro as fotografias, que faço os vídeos e edito", explica. "Tenho câmara, luzes e cenários para as fotografias da comida."

Segunda Bárbara, as consultas "acabam por render bem, porque as pessoas chegam através do Instagram". Bárbara ressalva o gosto pelo digital e conta que o aproveita "para promover a vertente de nutricionista", mas "não gostava de deixar a nutrição e deixar de dar consultas só para estar no digital", ainda que este corresponda a "uma percentagem interessante" do seu salário, no final do mês.

Beatriz Silva

Beatriz Silva é profissional técnica de Prótese Dentária e trabalha a nível laboratorial na Malo Clinic, em Lisboa, desde que terminou o curso universitário, em 2016. "Fiz lá o meu estágio profissional e fiquei logo. Neste momento, estou efetiva". Em paralelo, é criadora de conteúdos digitais. "O trabalho no Instagram aconteceu mais ou menos em simultâneo", recorda. "Começou de uma forma muito gradual. Era uma miúda anti redes sociais, nem cheguei a ter Hi5, fui das últimas pessoas a ter Facebook", diz, em declarações à MAGG.

Criou conta no Instagram incentivada por uma amiga e, hoje, tem mais de 46 mil seguidores e trabalha com diversas marcas. Em entrevista, explica que, a dada altura, notou que reparavam nas suas fotografias e começou "a ter mais cuidado" com o que publicava. "Comecei a receber mais propostas de algumas marcas, de agências, a pedirem-me os meus contactos. Foi aí que percebi que tinha que começar a levar as coisas mais a sério."

"A vida profissional [na Malo Clinic] prende-se com oito horas diárias e, por exemplo, no final do dia, a disposição para fotografar, para produzir conteúdos, é zero", confessa Beatriz, explicando que, no inverno é, ainda mais complicado, porque há menos horas de luz solar. "O que acabo por fazer é aproveitar os fins de semana ao máximo, mudo várias vezes de roupa e tento organizar-me durante a semana entre emails. (...) Já aconteceu, também, ou à hora de almoço do meu trabalho ou acordar mais cedo para conseguir fazer conteúdos de manhã, antes de ir para o trabalho."

"Não é fácil, muitas vezes temos que andar a incomodar as pessoas à nossa volta, mas acho que, hoje em dia, todas as pessoas estão sempre dispostas a ajudar e compreendem esta parte, este trabalho". De segunda-feira a sexta-feira, Beatriz vive em Lisboa e tem o apoio dos amigos para tirar as fotografias, tal como acontece em viagens.

O fim de semana é passado em Caldas da Rainha, com a família e a mãe é quem, está, normalmente, por trás das câmaras. O resto é da responsabilidade da influenciadora. "Sou eu que faço toda a parte da edição e seleção de fotografias. (...) Sou eu que faço a gestão, desde a organização de posts, responder às marcas, planificar conteúdos... É chegar a casa do trabalho, ver emails novos, responder a tudo, deixar tudo certinho e, claro, tomar as decisões do que é bom ou não para mim", revela Beatriz, sublinhando que, por vezes, pede conselhos aos que lhe são próximos.

Mas Beatriz Silva não se fica só pelo seu perfil no Instagram e faz também produção de conteúdos para algumas marcas, entre as quais a Stone by Stone, da qual é "o rosto". Segundo explica à MAGG, tal como para a sua conta pessoal, as tarefas passam por "ser modelo, fotografar, escolha e edição de fotos".

Foi também modelo das últimas duas coleções de Cristina Collection. "Tive o privilégio de fotografar para a coleção da Cristina [Ferreira] primavera/verão e, mais recentemente, outono/inverno", sendo que, esta última, foi apresentada num desfile, durante o "Cristina ComVida". Além de gostar muito da marca, é o gostar muito da mulher que é a Cristina [Ferreira]", ressalva a influenciadora.

A técnica de Prótese Dentária confessa que, a longo prazo, gostava de ficar apenas pelo digital e revela, ainda, a vontade de enveredar por outra área profissional. "Tirei uma formação em comunicação, de televisão e rádio, para me ajudar nesta parte da comunicação social. E se eu algum dia puder vir a fazer, em paralelo — porque acho que são duas áreas que se comunicam muito bem entre si — televisão, rádio e redes sociais, isso para mim seria um 'mega plus'."

Por enquanto, conta que o lucro que obtém das plataformas digitais "depende muito de marca para marca, de agência para agência, se é um contrato a longo termo, ou seja, uma parceria de longa duração ou se é apenas um post", mas deixa uma garantia: "Em alguns meses, acabo por lucrar mais com as redes sociais do que na minha profissão".

Catarina Lopes

Tudo começou no Snapchat, por volta de 2014. Catarina Lopes é nutricionista e viveu três anos no Brasil. "Quando voltei [para Portugal] estava numa fase de me descobrir profissionalmente, porque estava num meio que já não era o meu e como ainda não tinha assim tanto trabalho de consultas, decidi começar a falar sobre vários temas que já se falavam lá fora e que aqui ainda eram um bocadinho... não sei se eram tabu, se não eram bem conhecidos", explica à MAGG, sublinhando que as partilhas eram sobre a sua área de formação.

"Na altura, havia o Instagram, mas era só fotografias e no Snapchat eram os vídeos", recorda Catarina, sublinhando "uma migração normal" para o Instagram, rede social na qual tem 52 mil seguidores. A nutricionista lembra-se de começar a ser reconhecida e abordada "em eventos" e "no supermercado". Conta que o percurso no digital foi "muito gradual" e que começou "a ter mais consultas devido aos seguidores que tinha".

Para Catarina Lopes, não é fácil "ser uma profissional de saúde e ter que manter a credibilidade". A nutricionista revela que já se sentiu descredibilizada nas redes sociais e que, por isso, com o tempo, se tem afastado do digital enquanto profissional de saúde. "Tenho uma linha condutora na Nutrição e o facto de partilhar determinadas coisas nas redes sociais, isso gera polémica. (...) Numa primeira fase, eu era totalmente Nutrição, ou seja, só falava de Nutrição e partilhava tudo o que eu fazia, tudo o que eu comia, todo o meu 'lifestyle', tudo em que eu acreditava e, neste momento, eu sou mais a Catarina, profissional de saúde, obviamente, mas vou partilhando pequenas coisas. Já não me exponho tanto."

Sublinhando o receio de más interpretações por parte dos internautas e que, de certa forma, o percurso digital possa condicionar a atividade enquanto profissional de saúde, acrescenta: "Sou uma pessoa muito orgânica, acho que era isso que as pessoas gostavam em mim. (...) Hoje, dou por mim a fazer duas ou três vezes o mesmo story para conseguir publicar. (...) A coisa tem que ser mais pensada."

Atualmente, trabalha "100% online" e dá consultas à distância, a partir de casa. À MAGG explica que o tempo parece menor e a agenda de consultas, neste momento, não lhe permite "gerar conteúdo como gostaria". Para os conteúdos digitais, conta agora com o apoio de uma agência, mas, até então, o namorado ajudava nos orçamentos, contactos com as marcas para os conteúdos publicitários e tirava as fotografias.

"Ao longo do dia, ter meia hora para conseguir responder a emails, tentar tirar tardes para conseguir gerar conteúdo, ou seja, ir tirar fotografias, se for necessário, para uma determinada marca. Trabalho por conta própria, tenho um horário flexível, mas tento sempre tirar uma tarde por semana para tentar organizar as coisas das redes sociais. (...) Mas nem sempre é fácil."

Catarina sente "uma liberdade diferente" no digital, mas deixar a vida de nutricionista não é opção. "O digital dá-me outro lado que eu gosto muito, que é o criar, que é o comunicar, que é o fazer projetos, estar associada a marcas e a pessoas novas, conhecer pessoas novas e isso eu não quero deixar. (...) Gosto de dar consultas, mas eu não me vejo, a longo prazo, só a fazer isto. Quero ter mais projetos, quero ter coisas diferentes, quero-me reinventar. (...) Acho que precisamos, às vezes, daquele bichinho do novo."

Inês Santos Neto

Enfermeira desde 2014, Inês Neto sempre trabalhou em urgência pediátrica. Nos últimos sete meses, a carga horária profissional tem sido de "70-80 horas por semana", dado que, até aqui, conciliava o estágio da especialidade (que acabou esta semana), na sala de partos do Hospital São Francisco Xavier, com as 35 horas semanais na urgência do Hospital SAMS, ambos em Lisboa.

Paralelamente, foi-se entusiasmando com o mundo digital. "Sempre gostei muito de fotografia, de biquinis, tudo o que fosse relacionado com praia, então acabei por começar a tirar fotografias em viagens e nos meus tempos livres. (...) Comecei a ser contactada por algumas marcas e acabei por ganhar o gosto de criar conteúdos." Inês Neto explica à MAGG que, na altura em que estudava Enfermagem, decidiu mudar o estilo de vida. "Apesar de ser magra, não tinha hábitos de vida muito saudáveis, não praticava exercício físico. (...) Comecei a ganhar mais seguidores porque acabava por partilhar, também, a minha rotina diária."

Foi através destas partilhas que começaram a chegar os contactos de marcas nas áreas da saúde, desporto e até de biquinis. Hoje, Inês tem perto de 24 mil seguidores no Instagram e começou "mais a sério nesta fase de criação de conteúdos" há cerca de quatro, cinco anos — altura em que, segundo revela, coincidiu com o alcançar do seu objetivo: aumento de peso.

"Comecei a receber mensagens de pessoas anónimas, que não são do meu núcleo, nem são minhas amigas a dizer que era uma inspiração ou perguntavam-me onde é que eu tinha comprado X ou Y, ou como é que tinha tanta força para conseguir trabalhar ao mesmo tempo e conseguir ter uma rotina diária saudável", recorda. 

Há cerca de um ano, a influenciadora tornou-se um dos rostos da Women's Health Portugal. À MAGG, conta que "foi uma conquista". "O meu objetivo também é muito inspirar outras mulheres a terem rotinas saudáveis, mesmo tendo trabalho que ocupa bastante do seu tempo, que não é impossível cuidar de nós."

Inês Neto confessa que conciliar a situação profissional com o digital "não é muito fácil" e "há semanas mais difíceis do que outras". "O que acho que é mais importante é sermos muito genuínas e transparentes naquilo que fazemos", revela, explicando que aproveitava as horas das refeições para a criação de conteúdo, em parceria com marcas do setor da alimentação.

"É uma questão de gestão de tempo, prioridades, nisso sou muito organizada." Como principal dificuldade, além do "pouco tempo livre", aponta o cansaço. "Arranjar energias para tudo isto às vezes é um bocadinho complicado, mas acho que é muito o nosso pensamento: se nos focarmos em coisas positivas e nos tentarmos motivar e perceber por que é que começámos tudo isto é muito mais fácil do que se estivermos sempre com aquele pensamento negativo de 'estou tão cansada'. Sou muito aquela pessoa que vê o copo mais cheio do que vazio."

"Tenho a sorte de ter alguns amigos fotógrafos", brinca a influenciadora, explicando que são os amigos que a fotografam. Apesar de ser agenciada pela Cheese Me, no que respeita aos conteúdos digitais, garante: "Sou tudo eu". Além do seu perfil pessoal no Instagram, Inês tem, ainda, outro projeto, que nasceu no início de 2021, em conjunto com uma colega de profissão.

"Sharing is Caring" é um serviço de cuidados pré-natais, concretamente "parentalidade e nascimento", segundo explica, de "cuidados ao domicílio", em particular "cuidados ao recém nascido, cuidados à própria mulher após o parto, falar um bocadinho da amamentação". Integrado no projeto, lançaram um "curso de preparação para casais e também para dar apoio no pós parto", que vai para a quarta edição. "Vem um bocadinho neste seguimento da minha especialidade, da área que eu gosto, que é o apoio na gravidez", explica.

Apesar do gosto pela área de formação ser um peso significativo na sua vida, Inês pensa, um dia, ficar apenas pelo trabalho no digital. "Se pudesse fazer as duas coisas, era o ideal. (...) Gosto de trabalhar em hospital, mas a verdade é que a parte do digital é algo de que gosto muito e, se conseguisse fazer a minha vida só dessa parte, era algo que gostaria".

Contudo, por enquanto, o rendimento da publicidade no Instagram não é suficiente. A influenciadora explica que os valores dependem do número de seguidores o que, por vezes, "acaba por ser um bocadinho ingrato". No seu caso, as propostas das marcas são as seguintes: "por post, varia entre 100€ a 200€, os stories às vezes são um bocadinho mais baratos", revela, sublinhando que só aceita parcerias com as quais se identifica.

Margarida Santos

"Sentia que havia alguma falta de literacia em saúde na comunidade. (...) um grande 'gap' [espaço] entre a linguagem médica e a linguagem dos doentes." Foi este o motivo que levou Margarida Santos a começar um percurso digital, no segundo ano do curso de Medicina, por volta de 2012/2013. "Às vezes parecia que falava uma língua diferente, então achei que era bom aproximar, um bocadinho, esses dois lados", conta à MAGG.

Além dos mais de 62 mil seguidores que ouvem os conselhos de Margarida no Instagram, a influenciadora trabalha 40 horas semanais em Medicina Geral e Familiar num Centro de Saúde, em Lisboa, faz 12 horas de urgência e, em part-time, ainda dá consultas na clínica Cligenus, na Avenida da Liberdade, também em Lisboa.

No digital, confessa que despende, " à vontade, umas 15 horas a trabalhar em conteúdos e a produzir conteúdos". São muitas horas de trabalho (...) mas é um trabalho que rende." Margarida foca-se, maioritariamente, em conteúdos que se enquadram no seu "âmbito de trabalho", mas, ainda assim, sente que "compensa trabalhar nesta área [digital]". Em relação ao conteúdo publicitário no Instagram, esclarece que, por questões éticas da profissão, não faz "propaganda a medicamentos ou suplementos".

A médica recorda quando percebeu o peso que tinha no mundo digital: "A partir do momento em que as pessoas me disseram que alteravam alguns comportamentos por verem os conteúdos, ou seja, que deixavam de ir às urgências como uma determinada queixa, porque tinham percebido que era importante ou não, ou que tinham aprendido alguma coisa". À MAGG explica que, por vezes, é reconhecida durante as consultas, mas prefere "manter os dois mundos [no digital e enquanto profissional de saúde] um bocadinho separados". "Verem muito o que eu digo ou faço no Instagram não ajuda muito à comunicação", confessa.

Para facilitar a gestão entre a criação de conteúdos e as consultas médicas, Margarida tenta "complementar os posts de Instagram" com os casos com que se depara nas consulta. "Vejo um doente que está a tomar suplementação que não há necessidade. Vou estudar um bocadinho sobre isso e fazer um post, ou seja, tento integrar os meus posts na prática clínica. (...) Vejo muitas queixas do dia a dia e depois tento transportar isso para o Instagram, porque sei que são as dúvidas mais frequentes", exemplifica, ressalvando que criar para o digital implica "uma grande quantidade de horas dedicadas".

"Muitas listas de tudo" e "dar prioridade às coisas mais importantes" são os métodos de organização da profissional de saúde. "Sei que tenho pouco tempo, então acabo por aproveitá-lo bem. Procrastino um bocado menos e dá para tudo: ginásio, estar com amigos." Ainda assim, nos momentos em que percebe que não consegue chegar a todo o lado, sobrepõe-se a Medicina ao Instagram. "É essa a minha profissão a tempo inteiro. (...) Adoro dar consultas, é a minha vocação, é o que eu gosto mais de fazer. Gosto muito do digital (...), mas acho que nunca deixaria de ser médica."

Nas redes sociais, opta por resguardar a vida privada. Além de posts informativos sobre diversos temas da área da saúde, partilha, com regularidade, receitas. "A parte da fotografia e gestão de emails" é da responsabilidade de Margarida, mas conta com a irmã do namorado para a edição de vídeo. A influenciadora conta que recebe várias questões no Instagram sobre problemas de saúde e ressalva: "Tenho que ter muito cuidado com o público para quem estou a falar, porque nenhum conselho online substitui a avaliação de um médico. (...) Faço sempre os 'disclaimers' todos, só respondo àquilo a que posso responder. (...) Se for uma informação geral, tudo bem, mas não posso fazer aconselhamento particular sem ser individualizado, preciso sempre de ver os doentes."

Margarida Santos tem, também, o podcast "A Curiosidade Salvou o Gato", criado em 2019 — e, segundo revela a própria, com uma segunda temporada a tentar ser lançada "quase há um ano" — mas, devido à falta de tempo para gravações, tem ficado em stand-by. Enquanto profissional de saúde, foi convidada da SIC Notícias, em agosto deste ano, para falar sobre a vacinação contra a COVID-19 em jovens.

Marta Teixeira

"Nunca gostei do meu cabelo." Foi este pensamento que levou Marta Teixeira a lançar-se no digital, onde é conhecida como "Miss Curly". "Usei ferros de alisar durante cerca de dez anos, fiz tudo e mais alguma coisa ao cabelo numa tentativa meio que desesperada para gostar dele, até que cheguei a um ponto em que tinha o cabelo tão danificado que meti na cabeça que queria fazer umas madeixas californianas. Só que, na altura, o cabeleireiro que me fez o procedimento não viu que o cabelo estava extremamente danificado, fez à mesma e eu fiquei com um corte químico, que é quando o cabelo se parte todo nas nossas mãos, está completamente estragado. Ou seja, fui obrigada a assumir o meu cabelo natural", conta à MAGG.

Marta explica que, a dada altura, depois de inúmeras tentativas para alisar o cabelo com cremes, percebeu que o seu "liso estranho" eram, afinal, caracóis, que se revelaram num período de transição capilar, que durou cerca de três anos. E foi a partir daí que tudo se proporcionou para o início da criação de conteúdos, em 2019. "Comecei a ser abordada na rua por pessoas desconhecidas. (...) Eram mulheres a perguntar-me o que é que eu usava no cabelo e eu comecei a ver que isto não era algo que eu consiga explicar em cinco minutos, então resolvi fazer um projeto no Instagram, só a dar dicas de cabelo".

Miss Curly emigrou para Inglaterra, em 2016, para ser enfermeira anestesista, profissão que exerce atualmente no Hospital Universitário de Southampton, mas acabou por descobrir a paixão por outra área: a "ciência do cabelo e do couro cabeludo". "Comecei a ver que existem muitos mitos em relação ao cabelo, muitas práticas que não têm evidência científica nenhuma, então isso levou-me a que eu encontrasse uma profissão no Reino Unido que não existe em Portugal: ser tricologista. Em Portugal, existem dermatologistas com esta formação, aqui, no Reino Unido, os tricologistas são considerados profissionais de saúde", explica, em entrevista à MAGG. "Por causa do meu projeto no Instagram,  descobri a minha paixão: cabelo, cabelo encaracolado, saúde capilar e estou a tentar fazer com que seja o meu trabalho a full-time."

Neste momento, é enfermeira anestesista em part-time, mestranda em Dermatologia Clínica, tem um consultório de Tricologia no centro de Southampton e faz mentorias capilares online, para Portugal, isto é, ensina pessoas "a lidar com o seu cabelo". Marta Teixeira revela que o projeto digital é de tal forma bem sucedido que, se quisesse, essa podia ser a sua única fonte de rendimento — algo que considera que vai "acabar por acontecer naturalmente". Por enquanto, esclarece que ainda precisa de manter o part-time, uma vez que pretende "tirar formações para ser uma especialista e uma referência nesta área".

"Quando comecei a ser partilhada por pessoas mais influentes, comecei a perceber 'ok, se calhar há aqui um potencialzinho'". No final do ano passado, Miss Curly foi convidada pela SIC para dar dicas sobre queda de cabelo de outono, no programa "Olhó Baião" e foi aí que percebeu que "o projeto podia ser algo mais". Sobre próximos projetos, revela que vai lecionar, à distância, um módulo sobre "Cabelo Natural" de uma pós gradução em Pós-Graduação em Tricologia, no Brasil. Para gerir o tempo, a solução é, aparentemente, simples: "acordar todos os dias às seis da manhã". "Tenho fazer o meu melhor. É um pouco complicado lidar com tudo aquilo que estou a fazer neste momento, mas acho que é uma questão de estabelecermos prioridades."

A influenciadora tem cerca de 42 mil seguidores e garante que "ideias não faltam", mas a maior dificuldade "é mesmo o tempo". "Sou eu que trato de tudo sozinha", desde a organização dos posts, respostas às marcas, planificação de conteúdo. "Uso o telemóvel para tudo, tudo o que está no Instagram são fotos com o meu telemóvel. É o meu instrumento de trabalho, o telemóvel e o computador."

Nádia Sepúlveda

Alimentada pelo "gosto pela moda e pelo estilo pessoal",  Nádia Sepúlveda lançou-se no mundo digital com um blogue, em 2009, no segundo ano do curso de Medicina. "Fui evoluindo para um consumo de moda mais sustentável e há cerca de três anos, três anos e meio, comecei a dedicar-me a fazer um bocado de educação para a saúde, falar de conteúdos médicos, maioritariamente através do Instagram".

Tem perto de 37 mil seguidores e, em declarações à MAGG, explica que os temas de saúde surgiram na rede social "quase no final da especialidade". "Havia muita gente que seguiu o meu percurso. (...) Então as pessoas começaram, naturalmente, a fazer muitas questões e a procurar, elas próprias, essas respostas que não conseguiam obter nos consultórios médicos."

Nádia é médica de família no Centro de Saúde de Alenquer, mas, atualmente, está de licença de maternidadeEm relação à gestão do tempo, fala em "muita dedicação" e "sacrifício". "Apesar de ter uma atividade no Instagram muito intensa, não fico horas e horas a fazer scroll, porque não dá", explica, sublinhando que a produção dos conteúdos "exige imenso tempo", quer pela "atualização, pesquisas, ver o que é que saiu", quer pela própria "elaboração, fazer os gráficos". "Às vezes, por trás de uma publicação médica, que até parece simples, está ali um dia de trabalho, estão 24 horas de trabalho ou mais."

No início da pandemia (apesar de não ter sido esse o foco do conteúdo), sentiu necessidade de "chegar a mais pessoas", pelo que criou um canal no Youtube e um podcast, com a designação "Momento Médico". "Foi um grande 'boom'", recorda.

"Criar muito conteúdo ao mesmo tempo" era a estratégia que utilizava (antes de ter sido mãe) para se organizar, durante a semana. "Agora que tenho um bocadinho mais flexibilidade no horário, já não preciso de fazer isso, mas quando estava a trabalhar muito intensamente, nomeadamente durante os períodos piores da pandemia, o que eu fazia era: imaginemos que tinha um sábado de manhã livre, aproveitava e fotografava, filmava conteúdo assim para três vídeos ou três episódios de podcast."

Para a profissional de saúde, o digital "acaba por ser um bocadinho uma espécie de part-time e passatempo ao mesmo tempo". "Acaba por ocupar imenso tempo do meu dia a dia, mas é algo que também me dá muito prazer. Nesta parte, em particular, da educação para a saúde, é muito gratificante sentir que, de alguma forma, estamos a ajudar", revela sublinhando que, em consultas, tem "uma área de influência de duas mil pessoas no máximo", que são os pacientes. "Aqui [no digital], com a educação para a saúde, consigo transmitir algumas informações que acho importante todos nós sabermos e consigo chegar a muito mais pessoas." Nádia revela, que, por falar sobre saúde nas suas plataformas oficiais é, com frequência, reconhecida pelos pacientes, mas garante que "o feedback tem sido muito positivo".

Por trabalhar no digital há vários anos e ter estendido o conteúdo a outras plataformas, além do Instagram, Nádia tem algum material, mas faz "praticamente tudo sozinha". Em relação ao futuro profissional, confessa: "Estou um bocado em dúvida. Ficar no digital puramente, não, mas não coloco de parte passar a fazer consultas maioritariamente online. (...) Como tive o bebé e tenho alguns meses de licença, vou procurar refletir." Neste momento, os rendimentos dos conteúdos publicitários não são suficientes. "Como não faço dedicação exclusiva, se calhar, por mês, é qualquer coisa como 400€, não creio que seja mais", revela.