Comer plantas é um conceito que hoje em dia não nos é assim tão estranho. Rúcula, alface e as beldroegas, as últimas mais famosas pela típica sopa alentejana, são as mais conhecidas — e sim, além de hortícolas, são mesmo classificadas como plantas —, mas há um outro tipo, as plantas halófitas, que crescem em ambientes salinos.
Entre elas estão a salicórnia, a mais conhecida, e também a sarcocórnia e a suaeda, mas há uma infinidade de espécies de plantas. E é melhor sublinhar esta palavra: plantas. "Muita gente pensa que estas plantas são algas. Mas não. São plantas que crescem na terra, não estão debaixo de água. Apesar de que a salicórnia é quase um híbrido, porque pode estar coberta pela água salgada, mas depois tem de estar ao ar. Não pode estar completamente submersa porque senão morre", explica à MAGG a bióloga Márcia Pinto.
As plantas halófitas crescem em zonas húmidas de água salgada e Márcia Pinto descobriu-as em 2010 quando integrou uma equipa de especialistas em plantas halófitas da Faculdade de Ciências de Lisboa. Foi-lhe pedido para caracterizar e mapear os sapais das principais zonas húmidas do País, entre eles o estuário do Sado e do Tejo, o que exigiu explorar um tema diferente do trabalho que habitualmente desenvolvia nas salinas do Samouco — cujo principal foco era a gestão e conservação do habitat das aves.
"Tive que aprofundar o meu conhecimento sobre estas plantas. Percebi o potencial que existia e da forma como poderiam ser utilizadas para contribuir para a conservação do ecossistema das salinas", refere.
Da ecologia foi então parar à agricultura, mais precisamente ao projeto Salina Greens, criado em 2016, que, ao contrário do que se possa pensar, não altera o ecossistema. "As salinas, e o que estamos a fazer nas salinas, são um bom exemplo de como uma atividade humana pode-se aliar à conservação da natureza. Mais do que isso. À conservação de um ecossistema", explica a bióloga.
Esse trabalho é feito através do projeto que produz plantas comestíveis e ao mesmo tempo recupera antigas salinas. "O nosso objetivo era reativar as salinas de Alcochete, que ocupam cerca de 600 hectares de salina. É uma área marginal, que está um pouco desaproveitada porque já ninguém produz sal lá. Estão abandonadas de alguma forma. Ou foram aproveitadas para outros usos, como a aquaquicultura ou observação de aves", diz.
Márcia explica que a Salina Greens usa uma técnica agrícola inovadora certificada, a Agricultura Biosalina, que consiste no uso da própria estrutura das salinas, inseridas na Zona de Proteção Especial da Reserva Natural do Estuário do Tejo, coordenado com a localização e o ciclo de vida de cada planta sazonal, que regenera rapidamente.
Mais do que preservar o ecossistema das salinas, depois de participar na investigação de 2010, a bióloga percebeu outra mais valia destas plantas: conservar a saúde de quem as consome. "Quando volto desta experiência profissional, o que vejo são novos alimentos, com propriedades nutricionais incríveis, com muita versatilidade no uso", refere.
As plantas consumíveis que são uma arma contra o excesso de sal
Das propriedades das plantas halófitas destaca-se o sabor salgado que faz delas um ótimo aliado na cozinha. São um ótimo substituto do sal, usado muitas vezes em excesso, e que é a causa de problemas como pressão arterial alta ou Acidente Vascular Cerebral (AVC), que podem mesmo levar à morte. Aliás, o sal é uma das principais causas de morte no mundo e todos os anos 1,6 milhões de pessoas morrem devido ao seu consumo excessivo, segundo um estudo da publicação científica "New England Journal of Medicine" em setembro de 2021.
Para combater a mortalidade têm-se adotado dois métodos: medidas governamentais para reduzir o sal dos alimentos — como aconteceu com o pão através de uma lei implementada em 2009 em Portugal —, ou recomendações para apostar mais em especiarias. Agora há mais um: usar as plantas halófitas que começam a ganhar protagonismo na cozinha dos portugueses.
Contudo, as plantas apenas anulam os grãos de sal e não as especiarias. "Acho que as especiarias são sempre muito bem vindas, são muito saudáveis e alegram qualquer receita. Quando usamos as halófitas, sobretudo a salicórnia e sarcocórnia, vão obrigar a reduzir o consumo de sal porque simplesmente têm um paladar salgado", explica Márcia.
Os benefícios das halófitas não ficam por aqui, vão ainda mais além no que diz respeito a fatores nutricionais. "Estas plantas são muito curiosas porque juntam as propriedades dos legumes com a água do mar. Nos legumes temos as vitaminas, as proteínas, os antioxidantes que são produzidos pelas plantas e a fibra, e depois na água do mar temos uma panóplia de minerais marinhos que não estão disponíveis na maioria dos legumes que usamos".
As plantas até podem ser consumidas ao natural, como snack ou em espécie de chips tal como se faz com a couve kale — aliás, em breve a Salina Greens vai lançar halófitas desidratadas para comer sem terem de ir ao fogão —, cozinhas em pratos portugueses ou noutros para desenrascar o dia a dia, como a salada que vamos mostrar mais à frente.
Pode encontrar as halófitas biológicas da Salina Greens — como a inula, o espinafre do mar, a acelga marítima e a suaeda — no Mercado Municipal de Alcochete de terça-feira a sábado das 7 horas às 13 horas, no Go Natural, Celeiro, El Corte Inglés, Miosotis e na loja online da Reforma Agraria. Os preços variam entre os 8,48€/kg e os 25,44€/kg.
Mal as tenha em casa, ponha em prática uma destas receitas fáceis e práticas.
Sarcocórnia salteada com alho e azeite
Ingredientes:
— 100 gramas de sarcocórnia
— 1 dente de alho
— 1 fio de azeite
— Pão rústico
Modo de preparação:
Coloque uma panela com água ao lume. Quando a estiver a ferver, coloque a sarcocórnia e deixe levantar fervura. Quando começar a ferver, desligue o lume, coe e reserve a sarcocórnia. Numa frigideira, adicione o fio de azeite, esprema o alho e deixe fritar levemente e adicione a sarcocórnia previamente escaldada. Envolva durante um minuto e guarde num recipiente. Sirva com fatias de pão.
Dica: Este salteado serve de base para várias receitas: adicione ovo e obtenha uma omelete; adicione numa salada de tomate como tempero.
Arroz de inula
Ingredientes:
— 1 cebola pequena
— 1 dente de alho
— 1 cenoura
— 1 ramo de inula
— Azeite
Modo de preparação:
Coloque o azeite, o alho e a cebola picada num tacho e deixe aromatizar ligeiramente. Acrescente a cenoura ralada e um ramo de inula picada e envolva. Adicione água e sal e deixe cozer o arroz. Emprate e sirva como acompanhamento.
Salada de halófitas com frutos secos
Modo de preparação:
Lave e prepare a mistura de folhas das halófitas, espinafre-do-mar, beldroega-do-mar, suaeda e salicórnia. Tempere com azeite, vinagre e ervas aromáticas a gosto. Adicione frutos secos, como nozes, e envolva. Sirva.