Quando viviam na Holanda, uma das coisas que Rui Catalão e Maria Inês Antunes mais sentiam falta era do pão. Em Amesterdão encontravam-no maioritariamente no supermercado e no dia em que olharam para a lista de ingredientes perceberam que além dos essenciais farinha, água e sal, constavam mais uns quantos nomes indecifráveis. "Aí questionámos: se isto acontece com o pão, o que fará com as bolachas e nos cereais?".

Foi nessa altura que cortaram com os processados, num caminho que foi sempre de evolução. "Cortámos com as carnes vermelhas depois de perceber a forma como eram produzidas e, pouco depois, também com as carnes brancas ao perceber que consegue ser ainda pior", conta Maria. Não tardou a deixarem de lado também o peixe e, mais tarde, depois de uma viagem a Bali, decidiram que o veganismo era o caminho.

Os colegas de trabalho todos os dias questionavam aquilo que os dois levavam na marmita, num misto entre a estranheza e o fascínio pelos ingredientes coloridos. "Muitas vezes não era mais do que arroz com feijão, mas como era apresentado de outra forma, suscitava curiosidade", lembra Maria. Esse foi o mote para criarem uma conta de Instagram à qual deram o nome de Kitchen Dates, aproveitando a paixão de Rui por tâmaras (dates) e o facto de estes encontros se darem sempre na cozinha.

Não demorou até que a comida colorida que lhes enchia os tupperwares e o feed da rede social passasse também a ser servida aos outros, quando abriram a casa a estranhos para que pudessem experimentar um brunch, conceito que trouxeram na mala quando Portugal passou a fazer mais sentido do que a Holanda.

Rui e Maria começaram por servir brunches em casa ainda em Amesterdão. Trouxeram o conceito para Lisboa e preparam-se agora para fazer dos Kitchen Dates algo ainda maior

Em Lisboa, os brunches — veganos e feitos com produtos biológicos, locais e sazonais — esgotavam em segundos, assim que os dois publicavam as datas em que iriam ser servidos. Passaram a organizar também jantares, a fazer catering, chegaram a fazer o menu de um casamento e vendem ao público algumas das suas receitas mais especiais, como a Nutarroba — uma espécie de Nutella saudável —, o semi curado de caju, o kimchi — couve fermentada bastante comum na comida asiática — e as sobremesas feitas sem açúcares ou farinhas refinadas.

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A semana passada, deixaram as redes sociais em sentido ao anunciar que vinha aí uma novidade. Escolheram a Maria Granel, a primeira loja em Portugal dedicada ao zero waste, até porque nenhum outro espaço faria mais sentido para o que aí vem: Rui e Maria vão abrir o primeiro restaurante do País sem caixote do lixo, ainda que os dois queiram muito fugir à palavra restaurante. "Vai ser simplesmente a nossa nova casa", resumem.

"Tudo o que entrar vai sair de três formas: comido, reutilizado ou transformado em composto", explica Rui, perante uma plateia que ainda está a assimilar como é que isso será possível. Maria Inês ajuda a criar o cenário: "Tudo o que vier embalado, que venha de longe ou que não seja produzido de forma sustentável, não entra". Ou seja, digam adeus ao semi curado de caju — os cajus mais próximos que conseguiram encontrar vêm da Índia — e digam olá ao semi curado de amêndoa, esta sim vinda de Foz Coa. E Rui também está no processo de se despedir das suas amadas tâmaras. "Se temos figos, não faz sentido irmos buscar matéria-prima a Israel".

O espaço vai ter uma máquina compostora para onde vão os resíduos orgânicos antes de serem entregues aos produtores a quem compram as frutas e legumes. "É assim que fechamos o ciclo", explicam.

Uma nova casa

O restaurante, perdão, a nova casa, fica em Telheiras e a abertura está prevista para setembro. Mas tudo depende do contributo de quem quer ver este projeto tornar-se real.

Rui e Maria criaram uma campanha de crowdfunding de maneira a angariar os dez mil euros necessários para três coisas: o compostor elétrico, o equipamento de cozinha e sala e a decoração do espaço.

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A cozinha vai ser aberta a todos e a mesa, tal como acontecia em casa, vai ser única e com lugar para 20 pessoas. Nela vão poder sentar-se todos os que queiram provar o que Rui e Maria preparam sem menu, de improviso com o que o que chega dos produtores.

Haverá brunch aos sábados, domingos e feriados, e jantares duas vezes por semana. A sexta-feira vai ser dia aberto, para que todos conheçam o espaço e petisquem qualquer coisa. Mas nada disto é sistema fechado e podem mudar com os serviços que possam vir a prestar fora ou até com a vontade de criar eventos especiais.

O que é mais que certo é a despensa de casa dos dois passar a estar aberta ao público todos os dias. Numas estantes à entrada vão estar disponíveis para venda todos os produtos já conhecidos do público e ainda algumas novidades, que estas duas mentes gastronómicas não conseguem parar de criar.

Até lá, pode garantir já um queijo, uma Nutarroba ou um pão de trigo barbela. É que a cada contribuição para o projeto, Rui e Maria respondem com aquilo que melhor sabem fazer. Contribuições de 10€ ou mais dão direito a um semi-curado, 30€ corresponde a um cabaz com vários produtos. Se contribuir com 50€ ou mais garante um lugar à mesa num dos primeiros eventos que organizem e ainda o direito a ver o seu nome escrito nas paredes do novo Kitchen Dates. Esse privilégio é garantido também a quem contribuir com 80€ ou mais, que ganha ainda um workshop sobre vida e cozinha sem desperdício ou para quem opte por investir 350€ e receber em troca um cabaz mensal durante um ano. Mas vá por nós e comece já a reunir o seu grupo: quem contribuir com 1.300€ ou mais tem direito a encher a mesa com vinte amigos. "Nós tratamos do resto", garante Rui. E o resto, aqui, é tudo.