O Ararate é o único restaurante de comida arménia em Portugal. O projeto começou em 2018, na Avenida Conde Valbom, no centro de Lisboa, pelas mãos de Karine Sarkisyan, que se dedicava à área das relações públicas, mas que, em 2014, emigrou com a família para Portugal, onde costumava passar férias.

Ararate. O único restaurante de comida arménia em Portugal abre segundo espaço em Odivelas
Ararate. O único restaurante de comida arménia em Portugal abre segundo espaço em Odivelas
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"Pensava que a área da restauração era mais simples para começar", justifica a empresária, que cedo se apercebeu de que não era bem assim. Abriu um bar de cerveja artesanal e também teve um restaurante de comida portuguesa na baixa lisboeta, que fechou durante a pandemia da COVID-19 devido à paralisação do turismo.

"Tu és arménia, porque não abres um restaurante arménio?", questionou um grande amigo de Karine. "Aqui em Portugal ninguém conhece a comida da Arménia", retorquiu a empresária, que "tinha medo de apresentar uma cultura totalmente desconhecida".

Trazer a Arménia para Portugal

A Arménia é um país asiático, que faz fronteira com a Turquia, a Georgia, o Azerbaijão e o Irão. É também a terra natal do diplomata Calouste Gulbenkian. Karine dirigiu-se à fundação dedicada a este empresário e explicou a ideia ao departamento arménio, que a aprovou.

A partir daí, começaram as obras. "Arrancámos muito rápido", assegura a responsável, que responsabiliza, em grande parte, a aposta que fizeram no take-away durante a pandemia, já que a comida da Arménia "é comida muito acessível" para este regime. "Mete-se no frigorífico e também fica boa no dia seguinte", garantiu à MAGG.

O Ararate da Avenida Conde Valbom foi um sucesso e, em fevereiro deste ano, chegou a segunda localização: as Colinas do Cruzeiro, em Odivelas. Ainda consideraram abrir no Porto, mas, para já, vão ficar por Lisboa. Pretendiam, com este novo espaço, "conseguir abranger outras zonas" da capital. De momento, ainda estão a tentar "perceber os hábitos" desta localidade.

E porquê Ararate? É o nome de um monte que, desde o século XX, pertence à Turquia. Porém, continua a ser o símbolo oficial da Arménia, constando até do brasão do país. "Dizem que parou lá a arca de Noé", conta Karine, explicando que o Ararate é também um símbolo religioso para este povo cristão.

"A primeira coisa que os arménios fazem assim que saem do avião é ir ao Google procurar o que existe de arménio nesse país", refere Karine sobre este "povo bastante fechado que conseguiu salvar a sua cultura" apesar de todas as invasões. A Arménia possui um alfabeto diferente daquele que é usado em Portugal (que está explícito numa das paredes do restaurante de Odivelas).

Em Portugal, existem "à volta de 100 famílias" originárias da Arménia. No Ararate têm "muitos clientes habituais", como da antiga União Soviética, mas 90% são portugueses. Em termos de decoração, o primeiro Ararate "é mais casa" e o de Odivelas "é mais museu". "Como se fosse uma galeria de arte arménia", compara Karine.

Há tapetes e loiças espalhados por todo o restaurante. As criações dos artesãos transportam-nos para um outro Mundo, que, efetivamente, faz lembrar um museu. A ementa é igual em ambos os espaços, mas o horário de funcionamento difere. O restaurante de Odivelas, "mais de bairro", está mais vocacionado para grupos (como evidenciam as mesas de grandes dimensões).

A gastronomia asiática como nunca provámos

A comida da Arménia é, no geral, uma comida de partilha. "O coração da cozinha são os grelhados e a carne", disse Paulo, o gerente, à MAGG. É isso que explica a grelha que ali montaram ter quase dois metros de comprimento. "Pensávamos que chegava, mas é pequena", crê Karine. Nos grelhadores arménios, "a carne quase toca no carvão".

Como não tem costa, o peixe é mais escasso e consiste mais em espécies de rio e de lago, como o esturjão. É uma "cozinha que se come muito à mão", não tão picante como seria de esperar. No entanto, assim como a responsável faz questão de frisar, o que se come nos Ararate são versões aproximadas da gastronomia arménia.

Isto porque os produtos não são os mesmos — pelo menos, nem todos. Alguns são importados por Karine, como as especiarias, as ervas aromáticas e os vinhos, mas seria impossível obter tudo aquilo que seria necessário. Outros são desenvolvidos mesmo nos restaurantes, como alguns enchidos. "Os sabores são diferentes com produtos de cá e de lá", reforça.

Ainda assim, proporcionam "uma viagem para a Arménia sem sair de Portugal" e fazem a delícia tanto de arménios como de portugueses (e não só). Cada cliente recebe dicas de como deve comer de forma "correta" (a mais aproximada a como os habitantes da Arménia consomem).

A ementa tem mais de 50 páginas. É uma autêntica revista, com imagens e descrições dos pratos que se pode provar — um ponto positivo, já que os olhos também comem e nomes como "choban", "hamest tatý" e "chacapuli", à partida, não nos dizem muito.

As criações são da autoria do chef Andranik Mesropyan, que tinha 14 anos de experiência na Arménia quando veio para Portugal, de propósito para abraçar este projeto, a convite de Karine. "Porque não? Gosto de tudo o que é novo", pensou, ao aceitar este desafio. Divide-se entre os dois Ararates e acredita que "sem amor, não se pode fazer comida boa".

E desse amor surgem pratos como khachapuri, um pastel tradicional com queijo e ovo em forma de barco. Custa 10,50€ e tem mesmo muito queijo (pode imaginar os fios). Começa por cortar as bordas do pão com as mãos e vai molhando os bocados no centro.

O couvert consiste em três molhos ou patês à escolha do chef com lavash seco (o pão típico arménio). Custa 4,50€. No nosso caso, provámos molho guacamole, molho quatro queijos com romã e molho adjika. "O pão é obrigatório na mesa arménia", sublinha a responsável pelo projeto.

Para iniciar a refeição, pode também experimentar o satsivi, que é nada mais nada menos que peru em pedaços num molho de nozes com alho e especiarias (8,90€), ou os dolmá, rolos de vitelão em folhas de videira (11 ou 18€), sendo que o recheio pode ser mudado (para carne picada, por exemplo) e também a folha (couve branca, por exemplo). "Come-se o ano inteiro", alertam.

Os khinkali foram dos nossos favoritos. Estes saquinhos de massa recheados fazem lembrar os dumplings. A forma correta de os comer é, mais uma vez, com as mãos: viramo-los ao contrário, cortamos uma parte com a boca para bebermos o caldo, metemos um pouco de molho de iogurte e apreciamos o recheio, de carne picada. Cada um custa 2,75€.

O chef Andranik optou por não desconstruir em demasia as receitas típicas. "Não alterei muito o sabor. O meu avô faz isto tudo", contou à MAGG. "Há para todos os gostos: comida mais complexa e mais simples", relembra, revelando que não existem fritadeiras nos Ararates. "Não é da nossa cultura", explica, referindo-se aos fritos, sendo que optam por comida mais saudável.

O khaslama é um dos pratos mais típicos: "toda a gente faz, toda a gente come". Consiste num género de ensopado, com vitelão, legumes (como batata e tomate), ervas aromáticas e especiarias (18€). "Os portugueses comem e lembram-se logo da comida da casa da avó", aponta Karine, que garante que ainda fica melhor no dia seguinte.

A melhor parte da refeição, para nós, foram as espetadas, que custam a partir de 15,50€ e são sempre colocadas em cima de pão, para que este absorva o sumo da carne. Vêm com molhos, cebola e legumes grelhados e fumados, um acompanhamento muito típico na Arménia. As costeletas de borrego foram as melhores que já comemos.

"Não podes tocar com o garfo nem na mulher, nem na carne" é um ditado arménio, que também defende que se coma com as mãos. "A carne principal da Arménia é borrego", assim como diz o chef Andranik, que defende que "o feedback, bom ou mau, é preciso para melhorar".

Para sobremesa há opções como a torta de merengue com creme (5€), a baklava, uma massa folhada com nozes e mel (7€) e o bolo de mel, com massa em camadas à base de mel e creme de leite (5,50€), o nosso favorito. O café arménio vem sempre cheio e é 100% arábica (e a preparação é muito curiosa). Pode vir acompanhado por um brandy de alperce.

Em breve, querem ter cerveja arménia e refrigerantes. Até lá, pode ir para a carta de vinhos, que já tem mais referências arménias que portuguesas. Provámos o Yerevan, um vinho doce, frutado e com uma cor linda. É composto por 30% de uva e 70% de romã e tem 11% de álcool. "Até acho que o bebem mais cá em Portugal que na Arménia", crê a dona, que o compara a sangria.

Enquanto espera pela comida é possível assistir à preparação, já que uma janela torna o processo todo transparente. A música ambiente contribui para criar toda uma envolvência que nos transporta para a região do Cáucaso. Esta saída da zona de conforto também é necessária e vai proporcionar-lhe uma experiência diferente de tudo aquilo que já viveu.

Karine considera abrir "um restaurante de verão", já que "os arménios comem muito nos jardins, nas quintas e nos terrenos". Quem sabe na Ericeira ou em Santa Cruz. Para o futuro também está na calha o primeiro restaurante em Portugal com comida típica do Uzbequistão. Mais gastronomia asiática a que não estamos habituados, mas que provavelmente adoraremos.

Ararate Odivelas

Localização: Praça Cidade de Odivelas, nº9, loja A, Colinas do Cruzeiro, Odivelas
Horário: das 12h30 às 23h30; fecha à segunda-feira; abre apenas para jantar à terça-feira e só para almoço ao domingo
Contactos: 965 872 132