Apesar de não ter qualquer problema em comer uma ou outra peça de sushi com queijo Philadelphia, e de ser uma adepta de ananás na pizza (vá, crucifiquem-me), sou um pouco desconfiada no que diz respeito a restaurantes que abrigam dois tipos de cozinha diferentes. E já vi terríveis exemplos de combinações estranhas, apelidados gentilmente como "comida de fusão".
Nunca comi um bitoque num restaurante chinês (se alguém comeu e ainda está vivo, por favor avise), fujo a sete pés de sushi servido nos buffets asiáticos mesmo junto ao pato à Pequim e nunca me vão apanhar com um pacote de pipocas salgadas e doces, todas misturadas. E parem de colocar smarties e M&M's lá para dentro, isso não faz sentido.
Assim, quando recebi o convite para experimentar o Three Bones Restaurant & Lounge, o novo restaurante lisboeta mesmo junto à Avenida da Liberdade, fiquei um bocadinho desconfiada. Fusão entre a gastronomia nacional e a angolana? Bem, não há nada como experimentar.
Aberto desde o final do mês de maio, a comida não é a única coisa no Three Bones onde se misturam conceitos: para além do restaurante, o número 6 da Rua da Conceição da Glória também alberga um lounge na cave do espaço, pertencente ao mesmo dono, onde são servidos cocktails de assinatura e refeições leves. No entanto, o chamariz do lounge é mesmo o DJ residente e "a melhor música do mundo", de acordo com uma crítica na plataforma Zomato.
Dado que o meu interesse era mesmo jantar, e também porque uma barriga de 7 meses de gravidez não me permite propriamente andar por aí a "abanar o esqueleto", passei direta pelas escadas que dão acesso ao lounge em direção ao restaurante.
A música é baixa, de ambiente, e as portas conseguem abafar completamente o som vindo da cave. Mas apesar da escolha de cadeiras em tons claros, a decoração mantém-se escura, fruto das paredes pretas que perpetuam o sentimento de que entrei no Plateau e não num restaurante.
O espaço não é muito grande, embora as mesas sejam espaçosas, e as luzes amarelas também não ajudam a atenuar o ambiente, a meu ver, mais pesado.
Comida angolana? Incrível e de conforto. Mas falta alma num clássico da gastronomia portuguesa
Mas vamos ao verdadeiro objetivo deste jantar: provar a comida e perceber se a mesma cozinha consegue colocar na mesa dois pratos de gastronomias diferentes como a angolana e a portuguesa, com o mesmo sabor e qualidade.
Para entrada, optei por uns camarões à guilho (16€) que estavam irrepreensíveis. Ao contrário do que acontece em muitas marisqueiras, o molho era pouco gorduroso, repleto de sabor, com o limão a sobressair, e viciante ao ponto de ter de me controlar para não acabar com o cesto de pão a acompanhar esta entrada. Foi um ótimo início, e começava por esta altura a pensar se a fusão não seria bem conseguida no Three Bones.
E para que não existissem dúvidas, e porque tive a ajuda do meu marido para conseguir provar os dois tipos de gastronomia, acedi à sugestão da casa e escolhi um prato angolano, o rabo de boi com funge e folhas (32,90€), bem como um clássico português, uma carne de porco preto à alentejana (16€).
Antes de mais, é importante salientar que o restaurante não estava cheio, muito pelo contrário, o que faz com que a confusão de uma sala lotada não seja aqui fator para desculpar possíveis imprecisões da empregada de mesa. Quando fiz o pedido, não me conseguiu confirmar imediatamente se existia ou não carne à alentejana para servir, pedindo-me para escolher uma segunda opção.
Até aos pratos chegarem à mesa, fiquei sem saber o que ia jantar, dado que nunca tive a informação do que seria servido. Todo um fator mistério aqui, para animar mais a refeição? Preferia que não tivesse acontecido. Com o rabo de boi, o prato angolano pedido, também não conseguiu esclarecer-nos de imediato sobre quais os acompanhamentos do prato, justificando-se que "às vezes servem uns, às vezes outros".
Atenção: nada disto é muito grave, nem estraga um jantar. Mas num restaurante que cobra mais de 30€ por um prato de comida para uma pessoa, e que está a tentar implementar uma cozinha específica, não saber esclarecer os clientes sobre aquilo que vão comer não é a atitude mais sensata — principalmente numa sala com poucas mesas ocupadas.
Mas vamos ao veredito final. O prato de rabo de boi estava, a par dos camarões, incrível. A carne era tenra, os acompanhamentos faziam a ligação perfeita ao prato, e o feijão branco estava saboroso até mais não. O sentimento de comida de conforto, onde o sabor ganha a corrida, fica-nos no palato e dá a pontuação de cinco estrelas à sugestão angolana.
O problema estava na carne de porco preto à alentejana. Os primeiros pedaços de carne que provei estavam secos, e precisei chegar aos que estavam no fundo do prato para conseguir comer a carne com o molho, o que me leva a crer que talvez fosse melhor colocar um pouco mais para tal não acontecer.
As batatas estavam cortadas em pedaços demasiado grandes para aquilo que é suposto na carne à alentejana, algo secas e com casca, o que não resulta bem neste tipo de prato. Por final, as amêijoas eram corriqueiras, e senti falta daquela amêijoa boa, que traz o mar para este clássico da cozinha portuguesa e faz o prato funcionar tão bem. Angola 1-Portugal 0.
Quanto a vinhos, a garrafeira não é extremamente vasta, mas acaba por ter mais de 20 sugestões de vinhos por onde escolher, entre brancos, tintos e rosés, para além de sugestões de espumantes e champanhes.
Alguns destes vinhos são também servidos ao copo, mas o Alto do Joa 2016 (45€) pode ser uma boa alternativa para quem procura um vinho branco mais aveludado e algo diferente. Na carta de vinhos, consta também o famoso Pêra-Manca 2011, embora não seja para todos os bolsos — a garrafa custa 650€.
*A MAGG jantou a convite do Three Bones Restaurant & Lounge