Assim que o empregado se afasta da mesa, o carnívoro reclina-se para trás e lança um suspiro satisfeito. “Ah, isto sim”, diz, agarrando logo de seguida nos talheres. “Isto sim é que é uma salada”. A salada em questão é uma das sugestões da nova carta do restaurante Meat Me, em Lisboa, pensada para a abertura da esplanada. Leva tomate, rúcula e pickles de mostarda, mas vem bem “regada” de rosbife — exatamente como deve ser uma salada, na opinião do carnívoro.
Antes de avançarmos, importa explicar quem é este homem de 35 anos que se alimenta predominantemente da carne de outros animais. O carnívoro Nuno, como carinhosamente o decidimos apelidar, cresceu numa família onde ninguém sabe o que é tofu ou seitan. E isto não se deve necessariamente ao facto de serem alternativas saudáveis à carne, e desta família abominar a palavra "alternativa" — tentem explicar aos membros mais velhos desta linhagem tradicional portuguesa o que é uma lasanha, e logo levarão com um revirar dos olhos. Umas tiras de massa por cima de carne picada? Hã? Isso não faz qualquer sentido.
Não. Esta família é apreciadora de cozido à portuguesa, carne estufada, arroz de marisco, leitão da Bairrada, arroz de cabidela ou caldeirada de bacalhau. Por isso mesmo, não é de estranhar que num dia ele apareça com desejos de comer salsichas enroladas em couve lombarda, para logo no outro sugerir uma jardineira de carne de vaca com ervilhas e cenoura para o jantar. Eu não me recordava da última vez que tinha comido qualquer um destes pratos. O que posso dizer? A vida com o carnívoro Nuno é uma aventura. Pesada, mas uma aventura.
Agora que estão feitas as devidas apresentações, importa realçar que uma das perguntas mais frequentes de um carnívoro a uma jornalista de lifestyle é: “Qual o melhor sítio para comer um bom bife em Lisboa?”. Não é uma pergunta fácil. Para chegar a uma resposta justa teríamos de analisar todos os bifes da cidade, algo que o Nuno certamente não se importaria mas que acabaria comigo a implorar por uma salada de quinoa.
Não havendo essa possibilidade, podemos pelo menos salvaguardar-nos de que o Meat Me tem tudo para ser uma boa opção. Afinal, estamos numa verdadeira casa de carnes, um "assador moderno", como eles lhe chamam. O restaurante no Chiado abriu em março e é um parceiro oficial do espanhol El Capricho, aquele que já foi considerado um dos melhores restaurantes do mundo para provar carnes maturadas. Por outras palavras, eles sabem o que andam aqui a fazer.
Lá dentro a ementa está dividida por animais e os clientes podem ir até ao balcão para analisarem e escolherem o produto. A peça é preparada e, antes de ser cozinhada, é levada à mesa para que o cliente possa ver o que vai comer. Não faltam os clássicos como o bife Wellington (25€) ou a aba de novilho à colher (16,5€), mas há outras propostas bem aliciantes como a tomahawk de porco preto de Montaraz (35€) ou chuleton de vaca (95€/kg) ou de boi (180€/kg) El Capricho.
Na esplanada o conceito é um bocadinho diferente, mais a pensar na partilha e na conjugação com os cocktails. Na ementa Meat Me at the Terrace há entradas, pratos para partilhar, sopas, saladas e sobremesas, sem esquecer o champanhe (nesta casa não há espumante) ou os cocktails de assinatura. Mas a estrela mantém-se: carne.
E por falar em esplanada, é por aqui que queremos começar antes de saltar para os pratos. O espaço não podia estar mais bem conseguido: do conforto das cadeiras ao silêncio da rua, quase ninguém adivinharia que estamos a poucos minutos da agitação do Rossio ou do Cais do Sodré. E porque o nosso carnívoro calha de ser também designer, largados elogios para a decoração — em particular para a estrutura lateral às mesas, onde são colocadas as garrafas. "Gosto que tenha duas prateleiras. E gosto que seja um bocadinho mais baixa do que a mesa. Geralmente não é assim, e não é tão prático."
Está dito.
Quando a carne está tão boa que até o nervo desaparece do prato
Começámos com um tártaro de novilho El Capricho (21€). Não houve rasgados elogios, mas a culpa está longe de ser do Meat Me: numa altura em que este carnívoro ainda reclama do sushi ("É peixe cru!"), seria difícil o tártaro enlouquecer este palato. Mas o sabor da carne não gerou dúvidas: "É ótima".
Logo a seguir chegam os croquetes, feitos de aba de novilho e maionese de alcaparras (12€). "Sabes a dificuldade que é encontrar uns bons croquetes?", pergunta-me o carnívoro Nuno. Não sei, não faço ideia, nunca tinha pensado sequer sobre isso. "Deixei de comer croquetes por causa disto. Mas isto, isto é que é um croquete!". O ar de satisfação, enquanto me chamava para analisar os fios de carne, disse tudo. Estava conquistado.
Pausa para falar dos cocktails. Neste momento já tínhamos experimentado um de assinatura (Eucalipto, 9,50€) e outro clássico (Barbotage, 8€). Ambos aprovados, desafiámos que arrojassem no próximo. Com a promessa de que tínhamos um bom palato para este mundo dos cocktails, trouxeram-nos o Tremoceiro (10,50€).
"Nem toda a gente é um verdadeiro apreciador de cocktails", dizem-nos. Nós anuíamos — o que não falta por aí são "apreciadores de cocktails" que gostam mesmo é de água tónica, da mesma foram que há "apreciadores de vinhos" que só gostam de frisante. Nada contra, mas não é a mesma coisa.
Mas avancemos. Sem entrar em muitos detalhes, o Tremoceiro é uma redução de cerveja com infusão de tremoço, a pensar em duas coisas que os portugueses adoram: cerveja e tremoços. Pois bem, que belo Tremoceiro nos apresentaram, senhores. Tanto o carnívoro como eu ficámos convencidos: um dos melhores cocktails que bebemos na vida.
Prosseguindo na refeição, saboreámos uma aprovadíssima burrata e a já referida salada de rosbife. Mas neste momento o nosso carnívoro, apesar de barriga cheia, perguntava-se pelo bife. "Está tudo ótimo, mas, vá lá... onde está a carne?". Nota: ler a palavra carne carregando no "r". Assim: "CaRRne". É assim que falam os carnívoros.
Chegou logo a seguir: um entrecôte com 50 dias de maturação (29€). Eu gosto de carne, mas não sou particularmente fanática. Ao contrário do carnívoro, aprecio refeições vegetarianas e sou fã de produtos esquisitos como quinoa ou chia. Mas aquele entrecôte... bem, aquele entrecôte até a mim me tirou do sério. Se comer carne fosse ter bifes daqueles todos os dias à mesa, eu dizia adeus à quinoa.
Bem, na realidade não porque o impacto ambiental da carne é algo que a mim me perturba, além de ser muito pouco saudável. Mas vocês percebem a ideia.
E o carnívoro, o que é que achou deste entrecôte? Remato com esta frase, proferida quando o prato ficou vazio: "Quando o bife é bom, vai nervo, vai tudo".
E quem fala assim, vegetariano não é de certeza.