Desde fevereiro que o Jardim do Campo Grande tem um novo tesouro escondido. Perto da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, do grande lago onde se fazem passeios de barco quando está bom tempo, do McDonald's, dos 100 Montaditos e do Caleidoscópio onde tantos estudantes passam horas a queimar pestanas. Chama-se Tutti a Tavola.
Este restaurante, cujo nome é italiano para "todos à mesa", foi construído onde outrora existiam as casas de banho públicas do jardim. Fica a menos de dez minutos a pé do metro e a poucos passos de um parque de estacionamento. Por estar abrigado por árvores e assente na relva, faz com que, por umas horas, nos esqueçamos de que continuamos no coração da cidade.
Ao jantar no Tutti a Tavola parecem decorrer competições de silêncio. Só não se percebe se ganha o meio envolvente, onde os carros não incomodam e os pedestres pouco se fazem ouvir, ou o próprio do espaço, que, sempre com a luz média, proporciona uma experiência apaziguante, adjetivo esse que seria, à partida, o antónimo de restauração.
No interior, conseguem albergar 40 pessoas, às quais se juntam outras 60 na esplanada. Mesmo sentando muita gente, não se anda às cotoveladas por falta de mobilidade. Aberto todos os dias, este italiano andou a fazer mudanças na ementa, obra do chef Carlos Réndon, que tentou melhorar a oferta.
Nascido no México e formado na Argentina (onde existe uma grande representação de Itália), este chef criou um menu principal, mas também um menu de snacks (com pizzas, bruschettas e sobremesas), que está disponível das 15h30 às 19 horas, mais para petiscar. Procuraram distinguir-se em todos os pratos e não ser só mais um restaurante italiano.
Olhando para a carta, damos por nós à procura das típicas e seguras carbonara e bolonhesa, mas sem sucesso. "Não nos identificamos com um restaurante tradicional italiano", explicou Pedro Araújo, um dos donos, à MAGG.
Um negócio de família que nasceu de um sonho de outra geração
O Tutti a Tavola pertence a três irmãos — Pedro, Luís e Sandra —, que não têm estudos na área. Aprenderam o que sabem com os pais, que, "há 40 e tal anos", abriram um tasco a escassos metros dali. "O meu pai veio de pé descalço para Lisboa. A tasquinha estava sempre cheia. Tinha serradura no chão. Não havia nada aqui à volta. Isto era um deserto", recorda Pedro.
Os três irmãos começaram desde cedo a trabalhar no negócio dos pais, onde serviam à mesa e ao balcão. "Para ir brincar para o jardim, tinha de descascar uma saca de batatas à minha mãe", relembra Pedro, numa altura em que, apesar de viverem na Amadora, iam para o Campo Grande às 5 horas da madrugada.
"Estamos no ramo da hotelaria desde sempre", frisa Pedro Araújo, sem se esquecer de referir os outros oito espaços que detêm (desde snack bares a tascas de comida portuguesa, passando até por uma cantina na Universidade Lusófona de Lisboa, com ofertas de comida saudável como saladas, massas quentes, omeletes, iogurtes e açaí).
Todos funcionam "com conceitos diferentes". "Fazemos com muito gosto", assegura-nos, com um brilho no olhar. Abrir o Tutti a Tavola não foi um sonho fácil de concretizar. "A câmara diminuiu o espaço e depois cederam-no a uma fundação de inserção social", revelou Pedro, sobre o desfecho do primeiro concurso que abriram.
Com a pandemia, acabou por correr mal, o que beneficiou esta família, que não hesitou em candidatar-se. "Crescemos aqui. Diz-nos muito", justifica um dos donos. E porquê abrir um italiano? "Sempre gostámos. Há oferta alargada e é fácil de agradar a toda a gente".
Porém, tal como reconhece Pedro, "em Lisboa temos espaços espetaculares, baratos e convidativos". No que se distingue o "todos à mesa"? "Sentimos que esses espaços são feitos para turistas. Queríamos um para nós, para sentar à mesa os amigos, a família. Um espaço de convívio, onde nos sentíssemos acolhidos. Não é só comida", crê.
Desde quem trabalha nos escritórios da zona aos estudantes, passando pelas famílias que, aos fins de semana, podem dar ali um passeio e levar as crianças a brincarem no jardim, o Tutti a Tavola parece o sítio ideal para qualquer público amante de uma boa pizza ou pasta (e até há pratos vegetarianos).
Numa primeira impressão, tememos que estivesse demasiado escondido. Mas, para o co-fundador, "esse não é o problema, é a vantagem", graças à privacidade que se consegue por estar tão bem integrado no ambiente envolvente. Hoje com quase 60 funcionários, este restaurante tem crescido "numa comunicação boca a boca".
Provámos algumas das criações do chef — e ficámos fãs
Todos os produtos que vai provar no Tutti a Tavola são de fabrico próprio (sim, até a massa e os temperos). Mesmo que o protagonismo continue a ser dado aos produtos italianos, a ementa é bastante original, porque há sempre um twist para descobrir. E identificámos vários durante a refeição.
Depois de ficarmos agradados com o quão acolhedor era o ambiente e com a simpatia do staff, ponderámos trazer para casa um conjunto de loiça, por serem tão bonitos. Já devidamente posicionados nas cadeiras almofadadas, inspecionámos o menu e reparámos que todos os cocktails de autor têm nomes de cidades italianas.
Apesar de já termos visitado Veneza e Florença (que nomeiam duas bebidas), não sabíamos o que eleger. Pedimos ajuda ao staff e declarámos que queríamos algo doce, pelo que nos foram aconselhados o Napoli (com vodka, St. Germain, sumo de limão, puré de morango e espuma de manjericão, por 6,95€) e o Bari (com bacardi rum, martini, sumo de limão, puré de maracujá, xarope de gengibre e manjericão, por 5,95€).
Ambos coloridos, frescos equilibrados e doces, com um travo a amargo, para cortar qualquer excesso. Foi com um gosto a manjericão na boca que petiscámos o couvert (3,50€), composto por focaccia e sfoglia com queijo, que molhávamos em azeite e vinagre balsâmico. O stick de folhado estaladiço recheado com queijo fez com que não tivéssemos saudades dos habituais gressinos.
Para entrada, escolhemos a salada da casa (com alface roxa, rúcula, espinafres baby, tomate confitado, pimentos assados, noz caramelizada e queijo de cabra braseado, por 10,50€) e o carpaccio di lonza (novilho curado Black Angus, rúcula, tapenade, pinhões e queijo pecorino DOP, por 10,50€).
"Optámos por uma carne fumada. Nem toda a gente gosta da carne crua", elucidou-nos o responsável pelo espaço. Ficámos apaixonados pelas entradas assim que as pousaram na mesa, de tão agradáveis aos olhos que eram. E o sabor não desiludiu. A melhor parte do carpaccio foi o molho verde picante que trazia e que, quando barrado, concedia à carne um toque fabuloso a alho.
A salada tinha um tempero super doce, mas o queijo de cabra braseado (e, portanto, bem torrado por cima) garantia a acidez necessária. Acabámos por juntar ambas as entradas e encontrámos um match maravilhoso. Mas, nesta fase, já estávamos a seco. E agora?
Com a ajuda do sommelier Bruno Antunes, a carta de vinhos (com opções a partir dos 14€) está dividida consoante as conjugações ideiais (como que uma cábula para os leigos). Os vinhos brancos, jovens, secos e refrescantes, por exemplo, representam uma "boa combinação com entradas, pizzas e massas simples". Já os tintos jovens, frutados e fáceis ficam "perfeitos com massas intensas".
Porém, não resistimos a provar uma das sangrias. A indecisão entre frutos vermelhos e maracujá fez com que pedíssemos novamente auxílio. "A de maracujá torna-se um bocadinho mais cítrica. Não vai combinar tão bem", aconselhou-nos Diana, a gerente do espaço, depois de saber os pratos que iríamos provar. E nós obedecemos.
Chegaria, então, um jarro bem cor de rosa, com morangos, mirtilos e framboesas a flutuar. Esta sangria, que custa 16,50€, viria a acompanhar uma pizza de fiambre e cogumelos (11,50€), de massa fina, onde o molho de tomate sobressaía o suficiente e cujas bordas eram bem crocantes.
Os frutos vermelhos foram também emparelhados com outra novidade da ementa: o salmone al pistacchio (salmão com linguini nero com molho de pistachio), que custa 16,50€.
O lombo divinal de salmão vinha no ponto e desfiava-se com um simples toque. Ao lado, a massa preta com tomate em pequenos cubos, que chegou al dente. E tudo numa autêntica piscina verde de pistachio, composta por um molho tão bom que até dava vontade de pedir uma palhinha.
Depois de fazermos questão de não deixar absolutamente nada no prato (o que não seria grave, já que existe a possibilidade de take-away), quase não tínhamos espaço para a sobremesa. Mas, como é óbvio, ela veio. Estávamos decididos em provar o tiramisú (6€), pois considerámos a maneira mais eficaz de perceber se estávamos, ou não, perante um bom restaurante italiano.
E estávamos. Fomos ao céu e voltámos com aquele que foi o melhor tiramisú que já comemos: macio, com diferentes e únicas camadas, completamente embebido em café e com grãos por cima, para finalizar. Foi quase como comer um café à colher (e um dos bons).
Só que o dono não nos deixou abandonar o local sem provarmos a sua sobremesa preferida, a zeppola, um bolo de massa choux recheado com creme de laranja e pistachio, que custa 5,50€. "Por ser cítrica, dá o corte no final. Traz um contraste para com o resto da refeição", convenceu-nos. Trata-se de uma passa estilo éclair, crocante, e onde se destacam a laranja e o açúcar em pó.
Não sabemos se as restantes novidades da carta (bruschetta al pomodoro, por 7,50€, sorrentino di granchio, por 15,50€, linguine di gambero, por 15€, caceretti di asparagi, por 12,50€ e prosciutto di parma, por 14,90€), são tão boas quanto o que provámos, mas só há uma forma de descobrir — voltar ao Tutti a Tavola, o que será tudo menos um sacrifício.