Ao telefone, Miguel já nos tinha avisado que almoçar num sábado era coisa para demorar. "Isto às vezes parece o S. João, toda a gente aparece ao mesmo tempo e nós ficamos sem mãos", explica. E mãos, ali, só há quatro: as de Miguel e as de Sako que, em casal, gerem a cozinha e o balcão do Namban, o restaurante que serve comida japonesa, ainda que nada semelhante ao sushi que estamos habituados a associar a restaurantes com bandeira do Japão.
Estamos em junho, é certo, mas ainda longe dos dias que o Porto guarda para os santos populares. No entanto, às 13h30, Miguel, aflito, diz-nos que a espera é de pelo menos uma hora. "Estás à vontade para desistir", garante. Mas não é todos os dias que estamos no Porto e nada que um passeio por Cedofeita não ajude a passar mais rápido aquele compasso de espera.
Seguimos rua acima, rua abaixo, enquanto Sako não tira os olhos da linha de montagem que tem na cozinha e que faz com que os pratos saiam minuciosamente preparados a pensar numa conjugação de sabores que faz de cada garfada — já existe expressão para quando se usam pauzinhos?— uma surpresa. Já a Miguel, cabe a tarefa de levar os pratos à mesa e garantir que todos se sentem em casa. E é bom a fazê-lo. Cinco minutos depois de darmos o nosso nome para a lista de espera já somos tratados por diminutivo, à mesa do lado pergunta de que país vêm e a quem está a pagar confirma: "Já não é a primeira vez aqui no restaurante, pois não? Bem me parecia".
Uma viagem de sabores
Miguel nasceu no Porto, Sako em Tóquio. Conheceram-se em Londres, onde trabalharam durante mais de 20 anos, com carreiras bem distantes das de agora.
Miguel é designer, Sako professora e foi, aliás, uma proposta para vir trabalhar numa escola portuguesa que fez com que o casal, na altura já com um filho de 5 anos, decidisse voltar. "Mas três dias antes de as aulas começarem, a Sako recebe um email a dizer que a proposta não avançava. De repente, tínhamos mudado a nossa vida toda para cá e já não tínhamos nada", conta Miguel, em português, sabendo que Sako, ainda que em inglês, percebe e corrige tudo o que for preciso.
Já no Porto, decidiram aproveitar o gosto que Sako tinha em cozinhar e a criatividade de ambos para abrirem a casa a um supper club com lugar à mesa para dez pessoas. Daí passaram para um quiosque de take away nas Galerias Lumiere, que mais tarde passou a café. Desde o início deste ano que todos esses espaços deixaram de ser suficientes para o que queriam criar e abriram na Rua dos Bragas o Namban Oporto Kitchen, um restaurante que serve pequenos-almoços e almoços japoneses.
Aqui não há sushi, até porque desengane-se quem acha que os japoneses comem sushi todos os dias, mas há sempre dois pratos — um vegan e outro de carne e peixe — servido com direito a arroz e legumes de acompanhamento e ainda uma sopa miso.
Os pratos são todos os dias diferentes, à exceção da terça-feira, guardada religiosamente para o caril japonês da Sako. Fora isso, é a imaginação e os legumes da época que ditam o que é cozinhado no Namban.
Calhou-nos o dia da tempura, que chega sem pinga de óleo e com o sabor dos legumes intacto. Dentro do polme está curgete, abóbora, pimento e ervilha, a provar que a preferência é sempre dada aos legumes da época, comprados a produtores locais.
O arroz que acompanha é carolino, até porque Sako garante que é bastante parecido ao que é usado no Japão, com a vantagem de ser português. "Para quê irmos buscar coisas ao outro lado do mundo?", pergunta. E do outro lado do mundo hoje só queremos, de facto, o sabor, e esse está lá todo, seja nos fermentados, nos pickles ou nos molhos, todos feito de raiz.
E nem nas sobremesas Sako faz a coisa por menos. Além de usar também produtos da época, faz questão que tudo seja vegan e sem gluten. "Comecei a fazer assim e agora já não consigo ir por outro caminho", admite. Só a descrição de cada uma é uma ode à mistura de sabores improváveis e, por isso, deixamos-lhe aqui alguns dos ingredientes para que use a imaginação para os pensar em versão doce: tofu, cereja fermentada em pimenta, trigo sarraceno, e feijão azuki.
E já falámos do pequeno-almoço? É que se vier das 9 às 10 horas, pode começar o dia com uma refeição japonesa que, como era de se esperar, está longe do galão e das torradas. Aqui serve-se sopa, arroz, pickles caseiros e uma de duas opções: natto (feijão de soja fermentado) ou ovo do campo cozido e marinado em soja.
Uma hora de espera e outra de degustação depois, saímos daqui satisfeitos e com a sensação de que tivemos um dia de sorte. É que Miguel já teve que dizer que não a umas quantas pessoas porque aqui, além de não aceitarem reservas, "quando acabar, acabou". É por isso que, antes de garantir vaga à mesa a um cliente, Miguel olha para Sako, Sako olha para o arroz e é a quantidade que ainda resta na panela que responde. E a nós disse-nos sim.