Uma pessoa apercebe-se que vive há demasiado tempo em Lisboa quando a ideia de ir até Pegões parece toda uma empreitada. O que é só estúpido e até um pouco provinciano, uma vez que, em hora de ponta, se demora mais tempo a atravessar a Avenida da República ou a andar cinco quilómetros no IC 19.
A perspetiva de um naco de carne, bem grelhado sobre carvão vegetal, encorajou-nos a entrar no carro e, em menos de uma hora, lá estávamos nós à porta do Sabores do Campo (dica de quem se enganou no caminho: usem o Google Maps e não o Waze, a não ser que queiram perder tempo ganhar um ou outro amuo).
O restaurante é aquilo que parece ser — um restaurante de beira de estrada, mais concretamente a N4, que quem fez viagens do norte até ao Algarve antes de a A2 ser feita conhecerá muito bem. Costuma dizer-se, de forma depreciativa, que não se pode confundir a beira da estrada com a estrada da Beira mas, neste caso, é o oposto: estarmos à beira da estrada é bom sinal, porque ainda não são nove da noite de sábado e há pessoas à espera de mesa.
Posto isto, ainda mal atravessámos a porta e já estamos a salivar, tal é o cheirinho a carne a assar nas brasas. O espaço, despretensioso, está a fervilhar de animação. Há famílias, casais, várias salas e muito espaço, e reparamos num pormenor que nos fez ficar rendidos ao Sabores do Campo, apesar de não termos filhos: numa das salas, num aparador acessível a todos os comensais, está um micro-ondas, e ao lado loiça própria para bebés e crianças. Um pormenor incrivelmente útil para quem tem filhos pequenos e quer sair de casa para arejar e fazer uma refeição descansada, sem ter de se preocupar onde e como vai fazer a papa da criança ou aquecer o biberão.
Antes de falarmos da comida, que é ótima, temos de enaltecer o melhor do Sabores do Campo: os funcionários. Desde a receção ao serviço de mesa, passando pela cozinha, a boa disposição, o empenho e a amabilidade são do outro mundo. O atendimento é personalizado, espirituoso mas não intrusivo, e não houve um momento sequer, apesar de a casa estar cheia, em que tivéssemos passado um minuto à procura de alguém que nos atendesse. Foi como se adivinhassem os nossos pensamentos.
Vamos falar de comida?
Assim que chegámos, ficámos assustados com o fogo que deflagrou numa mesa ao lado da nossa. Mas, depois de olharmos com mais atenção, verificámos que era uma sobremesa que estava a ser preparada. Mas já lá vamos. Começámos com os croquetes de carne maturada com molho de mostarda (1,20€ / unidade) que, além de terem sido fritos no momento, eram sumarentos, saborosos e com um intenso sabor a carne maturada.
A oferta de carnes do Sabores do Campo ocupa 90% da carta e divide-se em duas seções: porco ibérico e nacional, onde há 10 opções, que vão desde uns secretos da barriga de porco preto (8,60€, já com acompanhamentos, que incluem batata simples, arroz branco e feijão preto) até a uma tábua ibérica de porco preto para duas pessoas (27€). Na secção corte selecionado é onde encontramos as peças mais exclusivas, desde o bife da vazia de novilho wagyu (95€, 300g) ao T Bone angus, maturado durante 20 dias (36€, duas pessoas), passando pelas costeletas de borrego com manteiga de alho (12,50€) à picanha à faca selecionada angus (19,50€).
Escolhemos o tomahawk angus, maturado durante 20 dias (42,50€, para duas pessoas). No menu está escrito "acompanhamento: ovos rotos simples". Estranhámos. Carne com ovos rotos? Depois, voltámos a olhar para a carta e descobrimos nada mais nada menos do que cinco variedades de ovos rotos, desde os tradicionais, com batata, ovo, bacon e tempero especial, aos com cogumelos salteados, passando ainda por uma versão vegetariana, com legumes salteados, cebola frita e maionese de alho.
Prometemos regressar só para uma refeição de ovos rotos mas, agora, era tempo de nos dedicarmos à tábua gigantesca, repleta de fatias suculentas de carne mal passada (como deve ser). Além dos ovos rotos simples (desfeitos na mesa, como deve ser, batatas fritas caseiras, macias, presença de bacon notada, mas não demasiado intensa), a carne bovina acompanha com cogumelos salteados, pimentos padrón grelhados, salada de pimentos, um surpreendente e cremoso puré de batata doce e malaguetas frescas. Como fãs de picante, adorámos este último detalhe. A malagueta, quando comida fresca, confere um toque picante mas mais aromático e menos intenso do que se for seca ou servida em molhos. Na tábua havia ainda maionese de alho, couve roxa em pickle, sal com orégãos, flor de sal e piri-piri.
Cientes de que teríamos de prestar contas com o médico de família devido à inevitável subida do colesterol, aventurámo-nos nas sobremesas porque não podíamos sair daqui sem provar o leite creme queimado à mesa. É todo um espectáculo, quando o funcionário traz o açúcar amarelo e o queimador, equilibra o prato numa mão e, como por milagre, não se queima ao transformar os grãos em caramelo estaladiço. Quanto ao leite-creme em si, era suave, aveludado e não demasiado doce.
Veja o vídeo
O Sabores do Campo não é um restaurante fancy. As toalhas e os guardanapos são de papel, não há recantos instagramáveis e também não é preciso. É um espaço familiar, onde o destaque vai, além do serviço irrepreensível, para a comida de qualidade e a preços que não implicam andar a contar tostões o resto do mês. E quando assim é, vale a pena ir até Pegões para jantar.