Shay Ola é chef acidental e especialista em lançar projetos em contraciclo. Olhando o seu percurso, percebe-se porquê. Vejamos. No Reino Unido, da produção de vídeo no mundo da música, salta para o design de interiores, formando a sua própria empresa, que com a crise de 2008, acaba por não resistir. O inglês procura soluções e, pegando no seu gosto pela cozinha, é a remar contra a maré que nasce o The Rebel Dining Society, jantares pop-up que vieram a tornar-se num verdadeiro sucesso em terras britânicas. Lá está: acidental e em contraciclo.
É também ele o responsável pelo STATIC, o novo bar do Esqina Cosmopolitan Lodge, hotel que abriu pouco antes de o mundo encerrar para efeitos de COVID-19. Inaugurado a 19 de setembro, é descrito como o primeiro bar audófilo de Lisboa, inspirando-se nos listining bars do Japão, em que grupos de amigos se reunem para ouvir música. Assim, por aqui há gira-discos ao balcão e uma série de caixotes com discos vinil — com estilos que vão do samba ao hiphop — que os clientes podem explorar e pedir para tocar. Daí o nome: "static" refere-se ao silêncio audível entre músicas, característico do analógico. Depois, mais três características que traçam o perfil ao novo espaço do 195 da Rua da Madalena: cocktails, petiscos e descontração à séria.
A criação do projeto não ignorou a crise existencial de que o mundo padece. Foi, aliás, num dos primeiros auges da pandemia que Shay e Hannah Reusser, parceira e arquiteta, pensaram o STATIC, que figura uma alternativa à diversão que passou a interdita nos dias que correm. Como? Juntando os tais deliciosos petiscos à carta de bebidas, permitindo assim que um cocktail, copo de vinho ou cerveja sejam desfrutados depois das 20 horas, sem a obrigatoriedade de uma refeição completa e carregada.
Sugestões testadas e aprovadas: pimentos padrón (4€), frango frito com creme fraich e ovas (11€), beringela com miso e alho (6€), um bao com cogumelos shiitake (7€) e um delicioso banana split, com lascas e gelado de coco e amendoim caramelizado (6€). Para beber: Pink a Butterfly, um cocktail lilás, feito de gin, pimenta cor de rosa, toranja com chá butterfly & pea tea e claras de ovos (8€), o Pinneapple Cacao Smash, com tequila, ananás asssado, cacau infusionado com vermute (8,5€) ou ainda o Notorious F.I.G, com mezcal, rum, figo e absinto (9€).
Os aspetos da segurança que se impõe no mundo pandémico não são ignorados, tanto que o moderno, descontraído e despretensioso STATIC é espaçoso e arejado. A porta do bar, que é também a entrada do hotel, está escancarada, assim como as janelas envidraçadas, que vão do chão ao teto. Percorrendo o espaço de paredes azul petróleo, vemos um balcão circular, gira discos e vinis, quadros na parede, e ao fundo, uma esplanada ao ar livre, cujas escadas dão acesso a um lindo terraço com mais mesas e cadeiras.
Shay Ola está há pouco menos de três anos em Lisboa e, depois de abrir o restaurante Queimado, no Bairro Alto, também com Hannah, pensou este novo projeto para a comunidade lisboeta pela qual se apaixonou à primeira visita. "No último dia da minha primeira viagem a Lisboa, coincidiu com a final do campeonato do Euro em que Portugal ganhou. Estava com um amigo e andávamos de sítio em sítio a ver o jogo", lembra à MAGG. A ideia de se mudar para cá já existia, mas foi o festim dos campeões que lhe deu a certeza de que Berlim seria mesmo trocado por Portugal.
Entretanto, também o Bairro Alto será trocado. "Parece uma cidade fantasma", lamenta Shay. Assim, os "grelhados honestos" do Queimado passarão, entretanto, a ser servidos no STATIC, onde se instalará o primeiro restaurante do chef acidental em Lisboa.
Falta ainda falar de outra particularidade: tanto o Esqina Cosmopolitan Lodge como o STATIC partilham da mesma vontade de dinamizar a cultura e comunidade local, trazendo à luz do dia projetos desenvolvidos por residentes. O hotel inaugurou, aliás, com a promessa de ser mais do que um sítio para dormir, com uma forte componente cultural a decorrer dentro das suas paredes.
Por isso, está patente uma exposição no piso inferior do STATIC e do Esqina (o Basement), que reúne mais de 15 artistas das mais variadas áreas — design de moda, fotografia, artes plásticas, ilustração— a quem foram dadas capas de vinil em branco, para que estes criassem um conteúdo ligado à sua forma de arte. O dinheiro angariado pela venda das peças reverte a favor ”Fundo Solidário para a Cultura”, uma organização que apoia profissionais da cultura, artistas e técnicos afetados pela pandemia COVID-19. Vale a pena visitar.
Depois, é subir, escolher um disco, pô-lo a girar, sentar numa mesa e embarcar na aventura dos cocktails. E dos petiscos. Acreditem: é uma agradável surpresa. Agradável à vista, agradável ao palato, agradável ao espírito. Muito agradável ao espírito.