Não é todos os dias que se janta num restaurante e o chef do mesmo assume que a carta que apresenta, bem como os sabores, não são os seus melhores. Também não é todos os dias que, mesmo com as expetativas em baixo, o que provamos é tão delicado, saboroso e diferente (mas um diferente que faz sentido, não as pizzas de bacalhau com natas que existem por aí só para gerar curiosidade) que, se o que nos passou no prato não é o melhor, estamos prontos para acampar à porta para ser os primeiros a provar um resultado com que o chef esteja 100% feliz.

Do legado de um restaurante com história à comida "abraço de mãe". Já fomos ao novo XXL
Do legado de um restaurante com história à comida "abraço de mãe". Já fomos ao novo XXL
Ver artigo

Mas há que recuar para perceber o porquê de a carta atual de Christian D’Auria, o homem aos comandos do Zazah, no Príncipe Real, em Lisboa, ainda precisar de uns ajustes. "Estou aqui há seis meses, mudei o menu há cerca de três, mas esta carta não é a minha melhor. Com toda a mudança que tive de fazer, de equipa, estrutura, foram coisas mais fáceis para testar dinâmicas, adaptar os funcionários às mudanças. São coisas com muito sabor, mas não são os meus melhores sabores", revela-nos o chef brasileiro de 24 anos, que desde que chegou a Portugal, em 2019, já trabalhou com chefs como Vitor Adão, Lucas Azevedo e, mais recentemente, com Alana Mostachio no VDB Bistronomie, um bistrô em Alfama, que trocou pelo desafio no Zazah.

Zazah
O Zazah fica na Rua de São Marçal, em Lisboa

Aberto desde 2017, o Zazah deixa agora de lado os sabores mais portugueses e rende-se à filosofia do chef Christian, que visa a qualidade do produto como prioridade número um. "Venho de uma cozinha com um olhar mais para o produto, para a cozinha criativa, mais fine dining. Gosto de ter qualidade no produto, que acho mais importante até do que a forma como é cozinhado ou as técnicas. E, para isso, tenho grandes parceiros a trabalhar comigo", salienta o chef do Zazah.

Christian D’Auria
Christian D’Auria tem 24 anos e é natural do Brasil

Logo à partida, Christian D’Auria diz-nos que as fatias de pão género saloio que vemos à frente chegam da Marquise, um café de brunch e padaria umas portas abaixo. Já os legumes do Zazah, incluíndo uma saborosa couve-flor servida picante ao estilo da gastronomia Chuka (9€), chegam de Torres Vedras, da Quinta Farmhouse, um negócio de três mulheres: avó, mãe e filha. "Tudo sustentável e familiar. Não entendo como existem restaurantes que compram legumes a fornecedores que os trazem da Holanda, por exemplo. Não gosto disso, ainda mais com a terra que temos aqui em Portugal."

Zazah
Couve-flor servida picante ao estilo da gastronomia Chuka (9€) créditos: Daryan Dornelles

Para além das parcerias, a mudança da ideologia da cozinha do Zazah começa logo em "pratos mais delicados, com mais qualidade, onde o sabor está todo ali", salienta o chef, que avisa que falta pouco para podermos provar a primeira carta idealizada ao detalhe e com os tais melhores sabores. "Final de março, início de abril. Vai ser a carta de primavera/verão, com mais experimentação, mais detalhes e outras técnicas. Vou mudar ainda mais do que já mudei."

Esta viagem de sabores ainda pode ser de classe económica, mas sentimos que estávamos em executiva

Mesmo com as expetativas baixas, fomos de coração aberto: e os sabores de Christian D’Auria não nos falharam. Ainda antes de colocarmos o cinto para esta viagem, o chef do Zazah explica-nos que o conceito do restaurante é de partilha. "Recomendamos uns três, quatro pratos para dividir, seja em casal, num grupo pequeno. Ninguém vem aqui sozinho comer um prato", diz-nos. 

Fomos almoçar ao Marisco na Praça e precisámos de um total de 2 segundos para fazer o pedido
Fomos almoçar ao Marisco na Praça e precisámos de um total de 2 segundos para fazer o pedido
Ver artigo

Depois do couvert, abrimos as hostilidades com um bolovo (7€), uma combinação de um pastel de bacalhau recheado com ovo cozido e com a gema praticamente crua e temperado com cebolinho. Não dá para evitar usar a batida expressão de explosão de sabores, e é um esforço heróico resistir à tentação de pedir mais um para a mesa.

De seguida, passamos para um tartar de carne (8€), um tártaro de novilho picado com cebolinho, furikake e pickles de mostarda e servido em pão brioche. Mais que aprovado, delicioso, fresco e viciante.

Zazah
Tartar de carne (8€) créditos: Daryan Dornelles

Terceiro prato? O desafio da noite: a couve-flor servida picante ao estilo da gastronomia Chuka (9€), com um tempero semelhante ao que estamos habituados a encontrar em asinhas de frango. E onde é que está o desafio? Odeio couve-flor. Aqui, comi tudo deliciada, e sem acreditar no que estava a provar, tal era a subtileza dos sabores e a combinação com esta espécie de glacé.

Ainda antes dos dois pratos ditos principais, de peixe e carne, houve tempo para experimentar o ceviche de cogumelos com leite de tigre (11€) e o gnocchi de banana com molho de grão de bico e cogumelos salteados (11€), duas excelentes alternativas sem proteína animal, ideais para os vegetarianos, mas também para quem quer provar opções diferentes do habitual.

Mas os vencedores da noite foram claramente os dois últimos pratos. O peixe branco do dia (20€), servido com molho de limão, vinagre de banana e azeite de cebolinho foi surpreendente, inovador (como assim vinagre de banana?) e de uma qualidade excepcional, só elevada ao cubo com o puré trufado (8€) de trufas negras e parmesão, com uma subtileza de sabor que nos é impossível continuar a descrever.

Zazah
Puré trufado (8€) créditos: Daryan Dornelles

Antes de fecharmos com chave de ouro com as sobremesas, terminámos os salgados com um arroz de costela bovina (16€), que se assemelha em parte a um risotto devido à textura, embora não exista queijo aqui envolvido. Vamos adivinhar o veredicto? Delicioso.

Para manter a fasquia no topo, um duo de sobremesas para decidir a favorita. Foram ao duelo o brizazah (6€), mascarpone temperado com cumaru, uma espécie de baunilha brasileira, laranja do Algarve e crumble, e ainda o timbale de chocolate (6€), uma base de bolacha-maria, com chocolate a 70%, nozes caramelizadas e caramelo salgado. Ambas ótimas, mas o timbale leva o ouro.

Zazah
Timbale de chocolate (6€) créditos: Daryan Dornelles

Para acompanhar o jantar, pode render-se a um bom vinho português ou deixar-se levar pelas sugestões do chef do bar e provar alguns cocktails pensados para cada um destes sabores. Só não garantimos é que consiga subir os pequenos degraus logo à saída do Zazah.

Antes de nos despedirmos, não resistimos a saber qual, se é que algum, destes pratos vai resistir à mudança para a nova carta. "A couve-flor", garante o chef. Mas nós já estamos a tratar do abaixo-assinado para o bolovo não abandonar o Zazah. O nosso coração, esse já não abandona.

Morada: Rua de São Marçal 111, Príncipe Real, Lisboa
Telefone: 211 344 468
Horário: 19h-00h30 (fecha aos domingos)