Uf. Por onde começar um texto sobre "Ele é Demais", o filme que está atualmente no nº1 do top da Netflix em Portugal? Vamos começar pelo início, e o início é o ano de 1999, quando foi lançada a comédia romântica "Ela é Demais", protagonizada por Freddie Prinze Jr. e Rachael Leigh Cook.
O filme, um êxito entre o público adolescente na altura, contava a história de um miúdo parvo mas também giro e popular que faz uma aposta: transformar a nerd da escola numa miúda gira, tornando-a a rainha do baile de finalistas.
21 anos depois, "Ele é Demais", inverte o conceito mas só na questão do género. Agora é a vez de Padgett (interpretada pela estrela do TikTok Addison Rae) pegar em Cameron Kweller (Tanner Buchanan, o Robby de "Cobra Kai"), um miúdo antissocial e amante de fotografia que anda sempre de gorro de lã apesar de viver na Califórnia, mudar-lhe a imagem e fazer dele o rei do baile de finalistas (spoiler alert: Cameron leva banho de loja mas falta ao baile).
Padgett é influenciadora digital e usa o dinheiro dos patrocínios (um dos quais de uma empresa de produtos de beleza cuja dona é Jessica Miles Torres, interpretada por Kourtney Kardashian) para pagar as contas da casa uma vez que a mãe Anna (interpretada pela protagonista do filme de 1999, Rachael Leigh Cook) é enfermeira e não ganha para suportar o estilo de vida faustoso.
A história podia ficar por aqui que estava já toda contada. Mas comparar "Ele é Demais" com "Ela é Demais" é um insulto à comédia romântica de 1999. O filme da Netflix é realizado por Mark Waters que deve ter batido com a cabeça em algum lado, porque não é possível que este desastre tenha saído da mesma mente do genial "Giras e Terríveis".
"Ele é Demais" é um hino à má representação (honrosa exceção para a jovem Isabella Crovetti, que interpreta a irmã de Cameron, e que queremos ver mais, de preferência em papéis de jeito) e uma hora e meia de momentos constrangedores, dos quais destacamos uma pequena lista.
- as lições de moral em torno das redes sociais: Padgett é uma influenciadora do TikTok, namora com outro influenciador, mente sobre o sítio onde vive porque tem vergonha das suas origens humildes. No entanto, como por magia, ao conviver durante meia dúzia de dias com Cameron (que tem um telemóvel de 1999 e não usa as redes sociais) descobre que, afinal, estava a viver uma vida falsa. No final, as intenções ficam em casa e Cameron e Padgett tornam-se travel vloggers;
- product placement em todo o lado: da garrafa de água às batatas fritas, passando pelas caixas de Pizza Hut empilhadas na festa de aniversário de Alden, "Ele é Demais" parece só existir para que uma carrada de marcas lá coloquem os seus produtos. Todos metidos a martelo e sem sentido nenhum;
- Addison Rae pode ser uma estrela do TikTok mas não é atriz: até pode ter 83 milhões de seguidores, uma fortuna avaliada em 4,2 milhões de euros, mas a jovem norte-americana não sabe representar e isso nota-se. A química com Tanner Buchanan, para piorar as coisas, é abaixo de zero e o filme é uma sucessão de momentos estranhos (e de trocas de roupa, às quais perdemos a conta);
- Kourtney Kardashian. Porquê? A irmã mais velha de Kim Kardashian tem um pequeno papel no filme. Não se sabe quanto terá recebido mas deve ter sido para cima de uma pipa de massa. E para quê? Para falar ao telefone e fazer um ar perpetuamente aborrecido;
- Aquela battle de dança no baile de finalistas: E, do nada, no baile de finalistas, percebemos que há dois grupos rivais na escola. E como é que se resolve essa rivalidade? Com uma battle de dança vinda do nada. É tudo mau, da música ao horroroso vestido vermelho comprado na loja dos 300 que escolheram para Addison Rae, até à falta de jeito desta para dançar. Se conseguir ver esta cena sem esconder a cara na almofada de tanta vergonha alheia, damos-lhe os parabéns;
- "Portugal" aparece no final do filme: já namorados (claro), Cameron e Padgett fazem uma viagem a dois por "Portugal". Só que se percebe perfeitamente que "Portugal" é um trilho qualquer algures nos arrabaldes de Hollywood e que aquela foto na livraria Ler Devagar, no Lx Factory, é apenas uma montagem manhosa.
"Ele é Demais" (na Netflix desde 27 de agosto) é como um desastre de comboio: é tão mau, tão mau que não conseguimos desviar o olhar. Se é tão mau que se torna bom? Também não exageremos.