A nova novela da SIC estreou-se esta segunda-feira, 30 de janeiro, na antena da estação de Paço de Arcos. "Flor Sem Tempo" chega com um elenco recheado de pesos pesados da representação portuguesa, como Maria João Bastos, Albano Jerónimo, Alexandra Lencastre, José Wallenstein, Luís Esparteiro e Cristina Homem de Mello, que se constituem como os núcleos familiares das famílias (bem contrastantes) dos protagonistas.

"Flor Sem Tempo" arranca com uma dupla de protagonistas estreantes na SIC: esta é a primeira novela de Bárbara Branco no canal, depois de ter deixado a TVI em outubro de 2022, e marca também o regresso de Francisco Froes ao ecrã, após de um hiato de 15 anos em que se manteve atrás das câmaras, nos Estados Unidos.

E sim, como em todas as novelas, as personagens a que estes atores dão vida, Catarina Valente e Vasco Vaz Torres, estão destinadas a apaixonarem-se (mas já lá vamos).

Primeiro, importa levantar a ponta do véu em relação à premissa da novela. Em "Flor Sem Tempo", somos transportados para a localidade fictícia de Vila Santa, depois de a família de Catarina Valente ser obrigada a mudar-se. E é lá que esta heroína, que acaba de sair da prisão, vai procurar justiça e também a mãe, Leonor Valente (Maria João Bastos), que desapareceu. Como e porquê? Meus amigos, essas são perguntas para os deuses.

É que Leonor Valente, que vemos a ser despedida pelo patrão, Fernando Torres (Rui Morisson), graças a uma "decisão errada", também ainda desconhecida, é perseguida na adega da quinta da família. Até que é interpelada por Luís Maria (José Wallenstein), que lhe aponta uma caçadeira – drama, drama, drama. Depois de meses incontactável, Leonor acaba por ligar à filha e o episódio acaba com um grunhido dramático, característico de personagens que recebem notícias de um familiar desaparecido. Não estávamos à espera desta reação, até porque Catarina sempre se mostrou convicta de que a mãe ia dar sinais de vida.

Antes disso, e porque uma novela também precisa de amor e intrigas, a personagem principal invade a quinta da família do seu futuro amor, Vasco Vaz Torres, para ver se obtém respostas em relação ao desaparecimento da mãe. É aqui que o conhece, trocam olhares, uns sorrisinhos e umas palavras de engate subtil, para depois deixá-lo pendurado até sabe-se lá quando – mais um cliché.

o
créditos: SIC

Até agora, a história não é particularmente criativa, já que estamos a assistir, mais uma vez, a enredos reaproveitados, mas até poderia ter um desenvolvimento interessante. Infelizmente, houve mais coisas a causar arrepios. Estivemos atentos à estreia de "Flor Sem Tempo" e dizemos-lhe o bom (que também houve, atenção) e o mau. Vamos a isso?

1. As dicotomias recicladas

Pobres versus ricos e amor versus poder. São estas as dicotomias que temos visto em constante reciclagem nas novelas portuguesas – e nem "Flor Sem Tempo" escapa. É que isto fica patente a partir do momento em que Leonor Valente entra em cena pela primeira vez e, entre lágrimas, saem-lhe da boca as palavras "senhor engenheiro". Não precisamos de dizer mais nada, certo?

Se isto não chega, basta continuarmos a ver um bocadinho do episódio e esperar que o casal seja apresentado. Catarina Valente tem o seu momento "Orange Is the New Black" e sai da prisão, aplaudida pelas companheiras. Os irmãos vão buscá-la numa carripana que já viu melhores dias – o espelho retrovisor está partido e o ponteiro do gasóleo não funciona. Chegando a casa, o pai, com problemas de alcoolismo, Jorge Valente (Albano Jerónimo), está refastelado no sofá, até que acabam todos por ser despejados.

"Flor sem Tempo". Quem é quem (e do que é que trata) a nova novela da SIC?
"Flor sem Tempo". Quem é quem (e do que é que trata) a nova novela da SIC?
Ver artigo

Por oposição, o seu futuro par romântico é retratado como o rico que não quer sê-lo. É um espírito indomável e livre, viaja pelo mundo num barco à vela e não quer saber se os seus familiares andam a comer-se vivos para conseguirem ficar com a empresa que pertence ao patriarca, Fernando Torres, o seu avô. É este mesmo homem que vem buscá-lo, num carro luxuoso, e que o leva até à casa da família, que é do tamanho da própria Vila Santa.

Por acaso cósmico (ou falta de criatividade dos guionistas), Catarina e Vasco estão destinados a apaixonar-se. E já sabemos o que vem a seguir: um amor de Adão e Eva, em que o fruto proibido é o mais apetecido, e que vai ser bombardeado pela oposição da família Torres. Que inovador (só que não).

2. É uma novela ou um filme de ação?

É uma pergunta legítima. É que, no primeiro episódio da novela, não houve apenas uma perseguição, mas sim duas, o que fez com que sentíssemos que estávamos a ver o filme "Salt", protagonizado por Angelina Jolie. A diferença é esta: por ser uma agente secreta, a atriz tinha desculpa para andar a saltar telhados e a trepar paredes – em "Flor Sem Tempo" não é o caso.

Mas vamos por partes. Na esperança de descobrir mais informações sobre o paradeiro da mãe, Catarina Valente invade a quinta Chão da Serra. Salta o muro de forma dramática (numa imitação dos vampiros de "Crepúsculo"), faz-se passar por empregada do evento que a família Torres estava a organizar, depois veste um vestido que não era seu. No fim, ao ser descoberta, sobe para um telhado, salta do mesmo e cai no chão graciosamente, para depois ser perseguida pelos seguranças, de forma dramática.

Já Leonor Valente, a mãe da protagonista, no início do episódio, acredita que está a ser perseguida na adega da família Torres. Depois de ouvir um tiro, inicia o seu processo de fuga, mas acaba por tropeçar e cair. Como parece ter ficado cheia de dores (claramente, a filha não foi buscar a genica à mãe), tenta arrastar-se até um sítio seguro para conseguir ficar escondida. Mas a sua missão falha. Porquê? Porque não conseguiu sofrer em silêncio e gemia que se fartava. Claro que foi encontrada por Luís Maria, o marido de Madalena Torres (Alexandra Lencastre), que lhe apontou uma caçadeira. Depois, nunca mais ouvimos falar dela (#mistério).

3. Segurança, para que te quero?

Já que falámos sobre quem foi perseguido, importa fazer uma menção (desonrosa) a quem tinha a tarefa de proteger a quinta Chão da Serra. Lamentamos, meus caros, mas falharam redondamente. Até os polícias das séries norte-americanas, que enfardam donuts enquanto estão de serviço, faziam melhor figura.

É que, aquando da invasão de Catarina Valente à quinta da família Torres, os seguranças não deram por nada. Mas vão mesmo dizer-nos que não repararam numa carripana alaranjada parada a cinco metros da entrada? E que não viram umas quantas pessoas lá dentro a olhar fixamente para a porta? Já para não falar de que a personagem estava vestida de amarelo e trepou o muro com recurso a um poste, sobre o qual incidia imensa luz. Inadmissível.

Se isto parece uma coisa ridícula, o que aí vem é ainda pior. Na hora da fuga, Catarina consegue escapar, a correr a três à hora, descalça, num chão de gravilha. Depois de torcer o pé a usar saltos. E de saltar do tal telhado, de que também já aqui falámos. Mas, mesmo assim, ninguém foi capaz de apanhar, em 40 metros, uma mulher descalça, que tinha de saltar para uma viatura em movimento? Certo.

4. Aparentemente, o gasóleo está barato em Vila Santa

Depois de sair da prisão, os irmãos de Catarina vão buscá-la à porta. A meio do caminho, têm um azar e ficam sem gasóleo, algo que não conseguiram antever – porque, como também já referimos, o ponteiro do combustível estava estragado. Tiveram de empurrar a carripana até à bomba mais próxima, onde precisaram de lavar carros para conseguirem angariar 17 euros para abastecer a viatura. Até aqui, tudo bem.

Os irmãos vão para casa, falam com o pai, mas depois seguem para a esquadra da polícia, sempre com recurso ao veículo. De volta a casa, percebem que foram despejados, devido ao facto de as contas não terem sido pagas. Mudam-se, no mesmo instante, para Vila Santa.

Mas o problema é este: é uma terra que fica longe, já que a família ponderou transferir as miúdas mais novas de escola e houve quem dissesse que Leonor Valente, antes de desaparecer, só vinha a casa aos fins de semana. Como é que 17€ chegaram para isto tudo? Não sabemos. Mas queremos abastecer nessa mesma bomba.

o
créditos: SIC

5. O desgosto queiriosiano

Durante o episódio, fica patente que as filhas, genros e netos de Fernando Torres, o patriarca e detentor do negócio de vinhos da Chão da Serra, querem ficar com o seu cargo. O homem aproveita o facto de ter a família reunida para dar uma descasca monumental a cada um dos familiares e esquiva-se majestosamente, dizendo que se vai deitar.

Não sabemos bem como, nem porquê, mas Fernando acaba na adega (da maneira que as coisas se desenrolaram até aqui, não nos admirava que dormisse lá). Começa a sentir-se mal, aperta o braço e dá-nos a sensação de que está a ter um ataque. Mas é daqueles ataques a que Eça de Queiroz chamou, em tempos, apoplexias.

Na verdade, foi uma cena completamente retirada de "Os Maias". Só não se passava no Ramalhete, mas a quinta Chão da Serra também serve. As personagens eram, no entanto, as mesmas: Afonso da Maia (ou Fernando Torres) sente-se mal, cai no chão e é socorrido pelo neto, Carlos da Maia (ou Vasco Torres), que fica sem saber o que fazer. É caso para dizer que os desgostos queirosianos são um clássico da literatura – e da televisão.

o
créditos: SIC

7. As farmacêuticas icónicas

No meio de coisas más, também há coisas boas. E o facto de termos duas personagens como Cremilde Mosquito (Luísa Cruz) e Julieta Formiga (Marina Mota) é uma delas. São duas mulheres que trabalham na farmácia de Vila Santa e que se afiguram como o alívio cómico da novela.

As suas intervenções fazem-nos rir – especialmente, quando ficam num canto, a beber vinho e a desdenhar de tudo e todos (identificamo-nos com o passatempo). "Choninhas", "que zerinho à esquerda", "aquele tem a mania de que é superior a todos" e uma "família que é de fugir a sete pés" foram algumas das apreciações que as farmacêuticas fizeram em relação ao clã dos Torres. Por isso, é seguro dizer que, além de serem uma comédia, conseguem dizer aquilo que o espectador está a pensar.

o
créditos: SIC

8. O elenco e a química

Por fim, uma palavra de apreço pelo elenco. Recuando até ao início, está recheado de pesos pesados da representação portuguesa, que não precisam de embandeirar em arco a sua mestria – e, peripécias loucas à parte, a prestação de todos é excelente.

Maria João Bastos jorrou umas lágrimas que nos comoveram e Albano Jerónimo irritou-nos ao dar vida a um pai que, inconscientemente, acaba por prejudicar os que mais ama. O ódio visceral e a competitividade que emanam das personagens de Joana Santos e Cristina Homem de Mello são quase palpáveis, assim como o amor que Bárbara Branco sente pelos irmãos. A par disso, a ingenuidade de Diogo Amaral e a espontaneidade de Jorge Corrula também merecem um selo de aprovação.

Temos alergia crónica ao facto de Alexandra Lencastre abraçar, de tempos a tempos, personagens mais desfavorecidas, o que, felizmente, não é o caso em "Flor Sem Tempo". A atriz voltou ao seu habitat natural da representação (fazer papel de rica), mas só lhe faltava aquilo de que mais gostamos nas suas personagens: ser má como as cobras. José Wallenstein, por outro lado, também está impecável, tendo em conta que ainda não percebemos se está no lado dos bons ou dos maus. E a lista continua.