Se há coisa que aprendemos é a não zombar das escolhas de José Eduardo Moniz. O diretor geral da estação de Queluz de Baixo decidiu terminar com o "Somos Portugal" ao fim de 13 anos e atribuir a Manuel Luís Goucha a responsabilidade de conduzir um formato de entretenimento ao longo de seis horas.
Depois de termos assistido ao programa de estreia de "Funtástico", a decisão parece-nos um erro colossal. Mas, como acontece quase sempre, o tempo (e as audiências) vão dar razão a José Eduardo Moniz. Nós estaremos errados na nossa avaliação, o público aprenderá a amar "Funtástico" e Manuel Luís Goucha consolidará o título de melhor apresentador de TV da atualidade. Porque é preciso ser-se mesmo muito bom para aguentar este barco sozinho.
"Funtástico" tem tudo o que já vimos ser feito em televisão. Um cenário com cores berrantes, a fazer lembrar o "Batatoon", um concurso de talentos com um júri que não faz grande sentido mas também não é esse o objetivo. António Leal e Silva, Sara Prata e João Patrício parece que se conheceram ali à entrada do estúdio, tal é a falta de química entre os três. Nesta emissão de estreia, Mickael Carreira foi o convidado e não pudemos deixar de notar como o filho mais velho de T0ny Carreira está mais jeitoso do que nunca.
Veem? Distraímo-nos.
O novo programa das tardes de domingo da TVI parece uma colagem a cuspo de "Big Show SIC", "Caldeirão do Huck", "Domingão do Faustão", "O Preço Certo" (até há uma roda e tudo), misturado com uma versão da Temu do "Got Talent Portugal". Tudo já visto e usado, como aquele casaco de fazenda que a tia Alice tira do fundo da arca para levar à missa quando começa a fazer frio. Está em condições? Está. Mas precisava de ser arejado primeiro.
Mas vamos lá, com a energia que nos resta (como é que consegue, Manel? Nós vimos isto sentadinhos e estamos exaustos!) dissecar esta maratona. O início é pobrezinho, mas pobrezinho que valha-nos Deus. Em vez de um grande número de dança em estúdio, temos bailarinos a darem tudo nos corredores despidos da Coral. Tudo muito desmaiado e sem cor, tudo muito "voltámos aos tempos da Troika e houve cortes no orçamento", tudo muito "e agora como é que isto arranca?". Percebe-se que não se pensou muito no início e, à boa e velha moda da TVI, resolve-se a questão com um número de dança. Nada de novo mas, quem quer novidade, não está com certeza a ver a TVI a um domingo à tarde.
Há mais de 100 pessoas na plateia, todos potenciais concorrentes nas mais variadas provas que vão surgindo ao longo das seis horas. Fazia falta uma banda, qualquer coisa que enchesse o estúdio, para que o playback dos artistas convidados não ficasse ainda mais fake e com aquele eco de quem está a cantar na casa de banho ou no fundo de um poço.
De iPad e cartões na mão, Manuel Luís Goucha tem uma agilidade e rapidez de raciocínio de fazer inveja a profissionais com metade da idade (aprendam, gente). E nem quando lhe aparece "uma documentação do casamento de dona Francisca" ao invés do alinhamento do programa, se atrapalha. Boss.
Temos anónimos que não sabem que os ovos moles são de Aveiro e temos temporariamente famosos que voltaram aos bastidores. É o caso de Ruben Vieira, outrora elevado a apresentador por Cristina Ferreira no "Somos Portugal", onde chegou a ter o Camião do Ben, e que agora volta a assumir as funções de assistente de produção. Haja trabalho e saúde, né?
Além de ser tudo o que já vimos em TV, "Funtástico" é um anúncio publicitário do LIDL com a duração de seis horas. Desde o borrego de Teresa Cameira às 'buchas' metidas por Goucha, pelos convidados e até pelos participantes no concurso de talentos, as referências à gama Deluxe da cadeia de supermercados alemã parecem saídas de um manual de técnicas de lavagem cerebral de "1984". Não sabemos bem porquê, ficámos com vontade de comer panetone.
Quando "Funtástico" foi apresentado, esperámos que tivesse convidados musicais de renome, mas o melhor que se conseguiu para a estreia foi Jorge Guerreiro e Xana Carvalho. Os talentos musicais da competição não foram melhores, com a Beatriz a assassinar o "Gente da Minha Terra" e a Daniela a trucidar a "Canção do Mar". Mas o jurado António Leal e Silva achou incrível, a Daniela ganhou o primeiro programa, e isso é que interessa.
Pensámos também que era um concurso de talentos e não o "Levanta-te e Ri" em 2004, com com direito às piadas racistas e trocadilhos baratos do "humorista" Hugo Madeira. Foi tão bom que nem o público se riu.
Apesar de não ter participado no concurso de talentos, a Susana da Rebordosa foi uma das estrelas do primeiro programa, com a sua espontaneidade e graça, a cobiçar o borrego confecionado por Teresa Cameira.
Achávamos que tínhamos feito uma grande descoberta até termos dado um saltinho à rede social X e percebido que já é uma habituée destas andanças...
Mas valeu a pena porque a Susana ganhou uma viagem de balão com o seu Octávio. Agora até estamos com medo de ir ao Instagram e descobrir que o Pedro do urso de peluche gigante participou no "Quem Quer Casar com o Meu Filho?".
Um dos concorrentes, Pedro Fernandes, faz coisas com fogo e, mesmo estando em casa, partilhamos o pânico de Sara Prata ao ver chamas num espaço fechado. Pedro (não o do urso, o do fogo), diz a Goucha que não vê televisão "para ganhar tempo" e que começou a brincar com chamas no Boom. Surpreendente.
Ao fim de quase quatro horas lá aparecem os primeiros artistas não-pimba, Mimicat e Matay, e temos também direito a atuação de Mickael Carreira, que está suficientemente gostoso para poder entrar no clube restrito dos homens a quem apelidamos de "daddy". Bem vindo, Mickael.
"Não se pode matar a bicha que a Inês Costa Real não gosta!", diz Manuel Luís Goucha quando, alertado pelo público, se dá conta que há uma minhoca em estúdio. Quem pode pode, e Goucha pode. E se pudéssemos eleger o momento mais WTF da estreia de "Funtástico" seria o momento em que Paula, que não pode comprar um computador para a filha mais nova, recebe como presente uma viagem a Ibiza para desfrutar com as duas filhas. Uma delas menor. Faz sentido.
Passaram seis horas e continuámos à nora sobre esta alegada picardia entre Manuel Luís Goucha e João Patrício, mas uma coisa é certa: o apresentador de "A Sentença" é a revelação mais improvável da TV portuguesa dos últimos anos, com uma postura e capacidade comunicacional que faz corar de vergonha muita gente que anda nestas lides há vários anos. #amonizstarisborn
Veredicto final
Apesar de "Funtástico" tresandar a RTP Memória, Manuel Luís Goucha consegue encher seis horas, criando movimento e dinâmica num programa pobre, repetitivo e num estúdio cheio de cor e pessoas mas vazio de outros elementos de interesse. No entanto, sentimos que lhe faz falta um parceiro, um coapresentador. Ou apresentadora. Cristina Ferreira está livre a partir a 1 de janeiro. É só uma ideia.