A premissa era simples: passar uma semana a comer refeições entregues em casa, pedidas através da Glovo. A aplicação ofereceu-nos um vale de 200€ para que, ao longo de sete dias, pudéssemos dar descanso ao fogão e desfrutar de várias marcas, sabores e gastronomias sem fazer mais esforço do que abrir a porta e dizer "obrigada".

Logo aí começaram os problemas. O nosso plano era encomendar o almoço e o jantar, as duas principais refeições de cada dia, deixando pequeno-almoço e lanches ao nosso cuidado. Depressa percebemos, ao ritmo a que víamos o dinheiro sair da conta, que os 200€ não iam chegar até ao final da semana. Começámos ao jantar de uma segunda-feira, fizemos três jantares fora de casa, que já estavam previamente marcados e, nos dias restantes, fomos gerindo o nosso plafond.

A ideia inicial era fugir às opções óbvias de fast food (pizzas, hambúrgueres) e tentar fazer refeições minimamente saudáveis e equilibradas. Estando nós no centro de Lisboa, a oferta é mais do que muita. Uma vantagem enorme nos tempos de entrega, na variedade de escolha, mas também nas tentações.

Dia 1

Jantar: baba ganoush e quinoa com hummus - Local - Your Healthy Kitchen (19,66€)

A entrega foi incrivelmente rápida apesar de, para ser justa, o restaurante ficar a 15 minutos de minha casa. Ainda agora comecei esta experiência e já começo a ficar incomodada com os sacos (um sentimento que, de resto, se manteve durante o resto da semana). A apresentação deixa um pouco a desejar porque a rúcula já está mole. Olho para o fundo da caixa de cartão e rio-me perante a visão da película de gordura. Já percebi que isto de "saudável", mesmo que aparente, tem muito que se lhe diga.

Porque fiz questão de acompanhar as refeições de delivery com sopa para, digamos assim, equilibrar os níveis, só comi metade de cada um dos pratos. O baba ganoush ficou para o pequeno-almoço, acompanhando ovos mexidos, e metade da salada foi para o frigorífico (e por lá ficou, porque acabei por a deitar fora... com peso na consciência).

Dia 2

Almoço: bao de pato à Pequim e Phô Clássico de Carne  - Boa Bao (24,40€)

Estava altamente reticente em pedir phô, a famosa sopa vietnamita que, se não comida bem quente, só sabe a gordura e a sonhos perdidos. O Boa Bao superou a prova com distinção. Os ingredientes vieram todos separados, o caldo estava mesmo quente e, depois, foi só juntar tudo numa tigela. As embalagens e a película aderente começam a dar-me dores de cabeça (e o caixote do lixo a encher, a encher). O bao de pato à Pequim estava excelente e ainda tivemos 20% de desconto. Mesmo assim, foi a segunda refeição mais cara.

Jantar: Filetes de robalo grelhados - Cervejaria Ribadouro (28,14€)

Fartinha de molhos, apetecia-me um grelhado mas não queria carne. Há muitas opções baratas de grelhados na aplicação, mas são quase todos de carne. Por isso, perdi a cabeça e encomendei filetes de robalo com batata cozida e brócolos. O pedido chegou rapidamente e estava tudo quase perfeito. No entanto, por esta altura, já tinha dado cabo de parte substancial do orçamento, por isso impunha-se economizar.

Dia 3

Almoço: linguine al pesto e sopa - The Green Affair (20,18€)

Tentei ser poupadinha sem passar fome. Estava no escritório e precisava mesmo de uma sopa. Apesar de não ter ficado barato, a dose de linguine tinha o tamanho perfeito. Foi a embalagem menos disparatada em termos de desperdício e a massa com pesto estava extraordinária.

Jantar: menu frango com bambu e cogumelos chineses - Gourmet Sempre (15,78€)

À noite fui outra vez para asiático, desta vez chinês. O menu, além do prato principal, deu direito a crepe e a bebida. Começo a perceber que há uma grande discrepância de critérios na forma como os restaurantes fazem o embalamento. Neste caso, veio tudo enfiado dentro de um saco de plástico agrafado, com a comida a aquecer a bebida e a bebida a arrefecer a comida. Ironicamente, foi a encomenda com menos desperdício porque a caixa é reutilizável. Não conseguimos comer metade sequer do prato principal e guardámos para o almoço do dia seguinte

dia 4

Ao almoço houve redon, como se diz na gíria. O jantar foi fora de casa.

Dia 5

Almoço: sopa miso e combi clássico - Noori Sushi (20,91€)

As caixas bonitinhas parecem-se manifestamente exageradas para o conteúdo, além de altamente poluentes. Seria, se calhar, mais prático, caixas de papel ou, então, as tais caixas de plástico reutilizáveis.

Dia 6

Pequeno-almoço: bagel com ovos mexidos e tomate cherry, pack de 6 pães (11,79€)

Acordei com fome e não tinha pão em casa. Fiz batota e pedi antes o pequeno-almoço. O bagel com ovos mexidos e o saco com seis pães, ainda quentes, chegaram tão depressa que quase nem deu tempo para acordar.

Almoço: madress chicken, chana chatpat - Yak & Yeti (20,80€)

Doses adequadas, uma surpresa o chana chatpat (achávamos que era arroz mas, na realidade, era uma entrada super deliciosa de arroz tufado com especiarias e cebola) e até já agradecemos as benditas caixas de plástico, que não só são reutilizáveis como práticas (e não nos causam tanta ansiedade porque aquecimento global, e vamos todos morrer, e lixo e aterros e tal).

Dia 7

Almoço: salada mista, bagelunch box com bagel, sopa, croutons e sumo do dia  - Raffi's Bagels (23,35€)

Chega-nos às mãos um saco da Uber Eats e ficamos confusos. Então não estávamos na Glovo? Isto tem uma explicação. A não ser que seja um restaurante exclusivo de uma plataforma, os pedidos das aplicações vão todos parar ao restaurante (assim como os estafetas trabalham para as aplicações que quiserem). Apreciámos a mensagem fofa, escrita no saco, assim como a cookie de oferta.

A sopa era um bocado salgada e artificial e deixámos metade do bagel para o lanche. Restam-nos 15,79€ para uma ultima refeição...

Jantar: menu churrasco para uma pessoa com dois acompanhamentos e bebida  - Chickinho (15,32€)

Finalmente sucumbimos à promoção dois por um. Ficámos com almoço para o dia seguinte e completamente empanturrados com a quantidade generosa de frango que cada dose trouxe.

Total gasto: 199,43€

O melhor

  • a rapidez das entregas: sem exageros, não esperámos mais de 30 minutos após cada pedido. Programámos alguns pedidos, para chegarmos a casa e não termos de esperar muito para comer e tudo correu na perfeição;
  • a simpatia dos estafetas: tenho muito respeito por estes senhores, maioritariamente imigrantes, que enfrentam calor, chuva, frio, vento, de mota ou de bicicleta, para entregar comida a quem não quer (ou não pode) cozinhar. E sempre com um sorriso e com educação. São os mínimos olímpicos, podem dizer, mas queria ver muita gente a fazer este trabalho, exigente física e emocionalmente, e chegar ao fim do dia bem disposto. #respect
  • a variedade da oferta: indiano, chinês, japonês, frango de churrasco, pequeno-almoço, saladas, tacos... a lista é infinita e só estamos a falar de uma das valências da aplicação, os restaurantes. Difícil mesmo é ter capacidade de decidir e não passar horas a fio a deslizar na aplicação;
  • conveniência: há quem não goste de cozinhar, há quem esteja física, moral, emocionalmente destruído (há fases da vida assim) e não consiga cozinhar. E há também quem, pelos mais variados impedimentos físicos (temporários ou permanentes), não tenha capacidade de preparar a sua própria comida. Apesar de alguns aspectos menos positivos que aplicações como Glovo, Uber Eats, Bolt Food têm, há que reconhecer que podem ser pequenas (ou grandes) salvações no dia a dia;
  • cobrança dos sacos: não apazigua a impressão que faz ir enchendo o caixote do lixo com sacos de papel, mas atenua um pouco o sentimento de culpa.

O pior

  • a gorjeta: é obrigatório? Não é. Mas, em todos os pedidos, demos ou 5% ou 10% de gorjeta. Foi por peso na consciência? Talvez. Mas foi sobretudo por saber que as pessoas que nos fazem chegar a comida a casa só recebem se trabalharem e não têm a segurança nem os benefícios de quem trabalha com uma ligação contratual a uma empresa. Será isto o capitalismo tardio? É bem capaz e todos fazemos parte dele;
  • os preços: esta experiência fez-me questionar que tipo de orçamento têm as pessoas que fazem do delivery uma rotina diária ou, pelo menos, frequente no dia a dia. Eu vivo sozinha e gastei 200€ numa semana, valor esse que nem sequer incluiu todas as refeições. Os valores são inflacionados relativamente aos praticados nos restaurantes, o que se compreende tendo em conta que existe um serviço intermediário e um estafeta que também têm de receber. Mas é caro, sobretudo quando se escolhem opções que não as cadeias de fast food;
  • o desperdício: eu não como pouco mas as doses, em geral, são demasiado grandes. Isso gera desperdício ou, na melhor das hipóteses, consumo desnecessário de comida. O desperdício de papel e plástico não reutilizável foi o factor que mais me incomodou nesta experiência. Percebemos que não há outra forma de o fazer mas isto deu-nos visões dantescas de aterros com embalagens e sacos de delivery que não queremos voltar a ter;
  • discrepância nas embalagens e ensacamento: há embalagens de cartão, de plástico, caixinhas bonitas, saquinhos lindinhos. Há caixas mal amanhadas, há sacos de plástico amarfanhados, há potes e potinhos. E há película aderente a selar embalagens, algo que nos parece um bocado contraproducente, a não ser que as embalagens sejam más e não vedem. E, se assim é, têm de ser urgentemente melhoradas;
  • as tentações: apesar de termos escolhido opções mais saudáveis, não podemos escamotear o facto de, mesmo sendo saladas ou peixe, as quantidades de sal e gordura serem mais elevadas do que uma refeição confecionada em casa. O que só reforça a nossa opinião sobre o delivery: é para de vez em quando, não é para todos os dias.

* a MAGG realizou esta experiência a convite da Glovo