
“Ruído”, a mais recente série de Bruno Nogueira, estreou na quarta-feira, 7 de maio, na RTP1 - e não veio para fazer ninguém rir. Com a participação do próprio humorista e de grandes nomes da representação portuguesa, como Gabriela Barros e Albano Jerónimo, assim como de outros comediantes, como Carlos Coutinho Vilhena, um dos argumentistas, a produção vem para dar a conhecer uma panóplia de sketches num mundo um pouco mais sério, onde a clandestinidade do trabalho é a alma do negócio.
Isto porque “Ruído” passa-se numa espécie de mundo onde rir é totalmente proibido. Aliás, como a própria Gabriela Barros lê logo no início do episódio, quem se rir terá de pagar uma multa, que poderá estar entre os 50 mil e os 250 mil euros. O episódio começa então com alguns dos elementos que fazem parte do grupo que faz sketches, como a atriz, Bruno Nogueira, Albano Jerónimo e Rita Cabaço, a serem interrogados, depois de terem sido apanhados a fazer humor, e a premissa é simples: se és apanhado, não podes, mesmo, confessar.
Ao longo dos oito episódios (que serão lançados às quartas-feiras), o espetador vai acompanhar o grupo na apresentação dos seus sketches a um público que se quer rir, mas que não o pode fazer livremente na rua - público este que é real e foi mesmo convidado a assistir aos sketches sem saber para onde ia. Isto acaba por ser uma personificação daquilo que se parece passar nos dias de hoje, onde o humor, especialmente aquele que toca em temas sensíveis, é cada vez mais visto como algo a combater. No entanto, este não era o objetivo de Bruno Nogueira.
Até porque o humorista não acredita nisso, especialmente vivendo em Portugal, um lugar onde acredita ter a maior liberdade. Segundo o mesmo, este não é nem um manifesto político nem algo parecido com um manifesto contra o cancelamento, e sim uma questão a colocar na cabeça dos comediantes se, a partir de agora, ninguém se pudesse rir.
Assim, o objetivo aqui não é mostrar como ainda é possível rirmo-nos de tudo e mais alguma coisa, não estando sempre a pensar no politicamente correto, mas sim naquilo que poderia ser feito se, um dia, o riso fosse mesmo proibido.
No entanto, podemos afirmar que tudo o que fizemos ao longo do primeiro episódio foi isso mesmo: rir. Não há momentos mortos, não há cenas por acabar, nem diálogos sem uma ponta de comédia. A verdade é que “Ruído” nos prendeu do início ao fim, destacando o lado mais humorístico de todo o elenco e transformando um conceito distópico numa reflexão hilariante sobre o que são - ou não - os limites do humor. Eis os três sketches que não nos saem da cabeça.
Os calções turquesa de Albano Jerónimo

O primeiro episódio começa logo bem. Depois de percebermos que o grupo está a ser interrogado, são mostrados então vários sketches ao longo da meia hora de produção, e o primeiro conta com um pormenor que vai deixar toda a gente quase embaraçada: os calções de ciclismo de Albano Jerónimo. O engraçado é que tudo começa numa discussão com Bruno Nogueira sobre estar sempre vestido com um colete, que segundo o ator, é sinónimo de ele dizer aos sete ventos que é “empregado de mesa”, trabalha “no bingo” ou anda a “repor prateleiras no supermercado”.
Além disso, está também na conversa Gonçalo Waddington, que é acusado pelo humorista de usar corsários, e que cada vez que vê um homem a usar uns, apetece-lhe abraçá-lo e perguntar como foi a infância. No entanto, é aqui que chega a peripécia de Albano Jerónimo. Depois de reclamar com os dois amigos sobre as peças de roupa que escolhem vestir para sair à rua, o ator levanta-se, exibindo uns calções de ciclismo azuis turquesa que parecem não ser muito confortáveis nas suas partes baixas. A tensão era, claramente, palpável.
Bruno Nogueira não consegue desviar o olhar, o que torna a situação ainda mais cómica. Com Albano a afastar-se, o humorista confessa que tudo fica bem ao ator, especificando que “a cor é boa” e que “o tamanho é bom”, realçando coisas que, na sua ótica, “são importantes”. Ainda o chamam de “abençoado”, e é impossível não apanhar as frases não ditas pelos dois, mas que fazem do sketch um dos mais hilariantes do primeiro episódio. A naturalidade com que os atores trocam elogios exagerados só intensifica o absurdo, criando assim um momento desconfortável que se transforma em pura comédia.
A quase fora da personagem Gabriela Barros

E se Gabriela Barros nos vier dizer que foi tudo pura encenação, nós continuamos sem acreditar. A atriz portuguesa teve direito a fazer um sketch sozinha, onde imitou os mais variados programas de entrega de prémios. Só ela e um painel com letras atrás onde os espetadores tinham de adivinhar palavras, a atriz estava a oferecer 18 mil euros, mas calhou-lhe um ouvinte com muito mau ouvido - e a reação da atriz pareceu mesmo genuína.
Ou seja, é claro que Gabriela Barros já sabia o que ia acontecer na sua parte, mas há momentos onde o seu riso parece, simplesmente, verdadeiro. Como se não tivessem cortado a parte onde se nota que a atriz está a gostar do que está a fazer, e a genuinidade que transparece para o espetador (mesmo que, na verdade, seja tudo pura ficção), é inquietante, fazendo com que o casting de Gabriela Barros tenha sido um tiro certeiro. Até porque, verdade seja dita, a atriz portuguesa tem vindo a destacar-se cada vez mais neste tipo de conteúdos.
Sincera e com um humor já intrínseco, algo que podemos sempre presenciar no programa “Taskmaster”, Gabriela Barros tem aquilo que é preciso para crescer cada vez mais na comédia, e este tipo de programas fazem-nos ver que, em Portugal, não é só a ficção que é boa. No entanto, algo que faz com que o espetador desespere neste sketch é mesmo o ouvinte que foi escolhido, uma vez que de ouvir não tem nada. Sempre a repetir as perguntas da atriz, é nestes momentos que Gabriela parece quebrar a personagens, rindo-se daquilo que lhe está a acontecer.
A nudez do Toy enquanto bate claras

Por fim, um dos últimos sketches apresentados traz ao ecrã Toy - e não é mesmo de uma maneira qualquer. Enquanto Bruno Nogueira lamenta sobre a vida como um grande engenheiro, não só no trabalho como também em casa (uma vez que confessa que os filhos choram porque não o veem na mesa a tomar o pequeno almoço), e enquanto ouve dizer que os seus sapatos parecem os de um vendedor de castanhas com cara de pedófilo, Carlos Coutinho Vilhena aparece na sala, e com uma notícia nada agradável: já são 14h20, o que quer dizer que António já chegou.
E quem é António? Sim, o Toy, que tinha como único propósito bater claras em castelo todo nu. Não leu bem? Nós repetimos. Toy teve como único propósito, em todos os trinta minutos de episódio, de chegar à sala todo nu e bater apenas claras em castelo. E foi isso mesmo que aconteceu. Com os seus pelos no peito e com uma cara de guerreiro desafiador, Toy entra pela sala com apenas uma pulseira num pulso e um relógio no outro, e começa, então, a bater as claras.
Ao perceber que o cantor parece estar mesmo todo nu (talvez com algo mínimo a tapar as suas partes íntimas, vá), é impossível que o espectador não se desmanche a rir. A habilidade com que Toy bate as claras é de puro entretenimento, tentando até fazer uma espécie de ritmo enquanto mexe com um batedor de arames, e o ar de estupefatos dos empresários presentes na sala é de tirar o chapéu. E tudo fica pior quando Bruno Nogueira pergunta: “Ele bate muito bem, não bate?”. 30 minutos de humor desconcertante, e quem diria que bater claras em castelo poderia ser a performance do ano?