Há algo que sempre nos intrigou no Terraço Editorial, em Lisboa. O que é uma biblioteca de vinhos, como aquela que incorpora? Fomos descobrir isso mesmo no restaurante, rooftop, bar e petiscaria, no topo do edifício da Pollux, outro aspeto que não deixa de ser intrigante — passar ao lado de pratos e panelas para chegar ao espaço onde estes são realmente usados.

A primeira coisa que fizemos quando chegámos ao restaurante foi então perceber em que consiste uma biblioteca de vinhos, pelo menos no Terraço Editorial, que tem mais de 190 referências.

"Em cima tenho referências únicas, que já trabalhámos e já tirei da carta ou que servia poucas garrafas e já não há essa colheita. Depois organizo por zonas, de norte a sul, com as ilhas no fim. Ou seja, começo ali nos vinhos verdes, da esquerda para a direita, e vai para sul. Ao nível dos olhos tento ter vinhos que se vendem mais, como é o caso dos rosés a copo, o vinho doce e também o vinho verde que se serve muito", explica-nos o wine expert do Terraço Editorial, Francisco Castro.

Biblioteca de 190 vinhos Terraço Editorial
Biblioteca de 190 vinhos Terraço Editorial créditos: instagram

No fundo, o vinho está disposto como numa biblioteca normal, mas aqui em vez de temas, como romance ou política, são categorizados consoante as origens de cada vinho, e não há separação de idiomas, porque a língua mais falada é a portuguesa, em especial de pequenos produtores.

Desafiámos Francisco Castro a mostrar-nos como os vinhos podem ser como um livro clássico ou quem sabe um policial, sem sequer saber se isto era possível. Se não fosse, nada perdido, até porque o objetivo da passagem no Terraço Editorial não era apenas beber esta vasta biblioteca vínica, mas também perceber como é harmonizada com os pratos do chef Rui Rebelo.

Em brincadeira, o chef dizia-nos que o edifício da rua dos Fanqueiros onde se esconde o restaurante era como que o Colombo das nossas mães antigamente, que se enchia para comprar o enxoval nos vários pisos da Pollux. Mas atualmente é mais do que isso: é, no topo, um agregador de histórias.

A mais célebre e abrangente é a da "Alice no País das Maravilhas", que dá nome à carta do restaurante.

Carta
Carta "Alice no País das Maravilhas" créditos: MAGG

A Alice entrou na toca e nós num terraço. E ambas fomos ao País das Maravilhas

Todos conhecemos a história clássica e infantil "Alice no País das Maravilhas", com uma rapariga doce que entrou na toca do Coelho Branco para descobrir um mundo de maravilhas (mais ou menos, se tivermos em conta a Rainha de Copas). Esquecendo isso, entrar no mundo de Alice ou no Terraço Editorial, o destino é o mesmo: um País das Maravilhas.

São tantas, que é difícil escolher por onde começar, por isso pedimos uma recomendação ao chef Rui Rebelo.

Saltámos o primeiro parágrafo do livro que inclui o couvert e fomos diretos para o capítulo dos petiscos, tábuas, tostadas e hambúrgueres, no qual se incluem os croquetes. Provámos o de pato, com bacon e maionese de wasabi (8,10€) e o de tinta de choco e pó de malagueta (7,70€). Este último faria Alice trocar as bolachas da Hora do Chá com o Chapeleiro Maluco por este pequeno pedaço que à primeira dentada rebenta na boca para expulsar o sabor do choco, logo substituído pelo picante na medida certa.

Croquete de tinta de choco e pó de malagueta (7,70€)
Croquete de tinta de choco e pó de malagueta (7,70€) créditos: MAGG

A acompanhar este momento, foi-nos servida a primeira referência da literatura vínica do Terraço Editorial: o Espumante Sidónio de Sousa Bruto Natural rosé, com umas bolhinhas finas para contrabalançar com a fritura da entrada. "Começamos com um clássico, uma coisa normal para começar uma história, para estabelecer a base. Um espumante da Bairrada, o mais clássico", explicou-nos Francisco Castro.

Depois deste momento, vieram os pratos principais e as histórias mais intensas, até com conflito. "Trago o syrah, rosé, do Minho, casta que não é permitida, então há aqui um pequenino conflito, e um branco da Bairrada, que é famosa pelos espumantes, tintos velhos, e o português torce sempre um bocadinho o nariz à Bairrada que não sejam esses dois", explicou-nos o wine expert. "Queria introduzir aqui o conflito para seguir a história", brincou.

Para uma história de conflito, dois pratos conflituosos entre si: um tradicional e praticamente sem invenções bacalhau fresco, com batata a murro, espinafres e limão (11,60€), e um modernaço atum, com puré de raízes e legumes salteados (13,80€).

Com tanto conflito que para aqui vai, estava na altura de encontrar soluções para chegar a um final feliz (e de que maneira).

Antes da última linha da história que se fez na mesa do Terraço Editorial, provámos então a barriga de porco com azeite de avelãs, puré de funcho, aipo assado e molho de mole (12,70€). Foi nesta altura que virámos a página para o vinho tinto.

Barriga de porco com azeite de avelãs, puré de funcho, aipo assado e molho de mole (12.70€)
Barriga de porco com azeite de avelãs, puré de funcho, aipo assado e molho de mole (12.70€) créditos: MAGG

"Tenho aqui duas soluções diferentes para o problema que criei", começou por dizer Francisco Castro. "Um clássico, a primeira denominação de vinho seco em Portugal, tudo com castas nativas", referindo-se ao Murgas Touriga Franca tinto 2019, um vinho com mais estrutura, e "o Dão clássico, um vinho tinto mais leve, suave", apresentando um Titular Colheita Tinto.

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Para a sobremesa, nem foi preciso descrição. O Blandy's Harvest Malmsey 2014 foi como pegar num daqueles romances de Nicholas Sparks a que tentamos resistir, mas uma vez aberto, chegamos ao fim sem dar conta. O mesmo aconteceu com a mousse de chocolate, com azeite e flor de sal (6,50€), combinação que, dizemos com toda a confiança, é melhor do que o afamado caramelo salgado.

Aproveite o terraço do Terraço Editorial enquanto é tempo de calor e sabe melhor um final de tarde nesta varanda de frente para o Elevador da Santa Justa e com o rio Tejo a espreitar. Todavia, se for no outono ou inverno, há aquecedores para aconchegar (ou um copo de vinho).

Terraço Editorial
Terraço Editorial créditos: MAGG

Localização: Edifício da Pollux, Rua dos Fanqueiros, número 276
Reservas: info@terracoeditorial.pt
Horário: das 12h às 24h; aberto toda a semana

*A MAGG experimentou os pratos e vinhos a convite do Terraço Editorial.