Atenção: este artigo tem spoilers sobre a nova temporada de "Morangos com Açúcar". Se não quiser conhecer detalhes, por favor, não continue a ler.
"Numa escala de 0-10, quão cringe?"; "Muito 'Elite' vibes?"; "Eles [Simão e Soraia] estão iguais? Ela continua meio louca?". Estas foram as perguntas que os meus colegas da MAGG, todos sub-25, me fizeram depois de ter regressado do visionamento dos dois primeiros episódios dos novos "Morangos com Açúcar" ("MCA"). Trouxe alvíssaras dos estúdios da Plural, em Bucelas, e as alvíssaras são boas.
Os episódios da nova temporada de "MCA" chegam à Prime Video e à TVI a 23 de outubro. O canal de Queluz de Baixo irá transmitir um episódio por semana, e a plataforma de streaming irá disponibilizar os 10 episódios da nova temporada nesse dia. Seguir-se-á, no início de 2024, uma segunda temporada e, depois, uma terceira, já no verão.
Muito se falou sobre as primeiras imagens divulgadas desta nova série, protagonizada por Madalena Aragão, Margarida Corceiro e Vicente Gil. Houve comparações com a série juvenil da Netflix "Elite", muitas críticas relativamente à mudança de tom, muito mais próximo das narrativas de streaming do que do formato novela, exibido na TVI entre 2003 e 2012.
Os tempos são outros e, quem vai à espera de nostalgia, pode tirar o cavalinho da chuva. Embora haja personagens que transitam de temporadas anteriores, e que ganham aqui uma nova história de vida enquanto adultos, embora a escola onde a ação se passa seja a mesma (o Colégio da Barra, na linha de Cascais), os novos 'moranguitos' são adolescentes de 2023... se calhar com roupas mais vistas e penteados mais cuidados.
Para lá da história, as principais diferenças entre estes "Morangos" e os antigos é o cuidado com a fotografia, a edição, a banda sonora, o guarda-roupa e os diálogos, o que só se consegue quando há tempo e dinheiro para construir um projeto destes. A colaboração com a Prime Video revelou-se aqui essencial para tornar esta série de 10 episódios num produto que encaixa em qualquer mercado estrangeiro e é passível de ser consumido em Portugal, no Brasil ou até no Japão.
A angústia juvenil é um tema universal, bem como os amores adolescentes e um bom mistério para agitar as águas. Juntam-se temas fraturantes, como o consumo de drogas, o cyberbullying, a orientação sexual e a pressão para ter bons resultados académicos, e temos aqui uma série para ser avidamente consumida.
E nós que o digamos, que, mesmo sem termos sido espectadores atentos dos "antigos" "Morangos com Açúcar", ficámos cheios de vontade de ver o resto.
Isto ainda agora começou e já estamos com um pó à Gabi que não vos passa
Kika (Beatriz Frazão), a anfitriã do podcast "Morangos com Açúcar" é a "Gossip Girl" do Colégio da Barra. A Lady Whistledown da tuga. Mas, ao contrário da série dos anos 2000 e de "Bridgterton", a sua identidade é conhecida à priori e é também dela a voz off que ouvimos no início do primeiro episódio. A cusca de serviço, portanto. E também a dona do mais incrível guarda-roupa do núcleo jovem de "MCA" (queremos os óculos de sol todos, ok?).
Gabriela, ou melhor, Gabi (Margarida Corceiro) é a beta da escola, a rainha do Colégio da Barra. Ao melhor estilo de Regina George, do filme "Giras e Terríveis", também Gabi tem duas minions, Pipa (Mafalda Peres) e Emília (Rita Guerner) que não a largam e dizem 'amén' a tudo. Claro que Gabi é influencer, claro que tudo na sua vida gira à volta de roupa, marcas, parcerias, lives em frente a um ring light.
Gabi é tão beta, tão beta, tão beta que o pai tem um iate para Gabi passar férias com os amigos em Ibiza. #betices. Gabi é tão "sou a rapariga mais popular da escola" que dá como garantido o namoro com Miguel (Vicente Gil)... até ao dia em que aparece Olívia (Madalena Aragão). E claro que lhe vai fazer a vida negra, chegando ao ponto de pagar a um barman para lhe por 'algo' na bebida (já não se pode confiar em ninguém).
Miguel (Vicente Gil), por seu turno, é o beto porreiro. Dá-se com outros betos, mas também se dá com os 'alternativos'. Faz surf, fuma ganzas e, para desespero do pai, não quer seguir Medicina. E esta personagem seria um bocadinho aborrecida e até cliché não fossem dois fatores: o facto de Vicente Gil ser um ator incrível e de ter uma química avassaladora com Madalena Aragão, que interpreta Olívia. Duarte (Simão Fumega), o irmão mais novo de Miguel, é o "nerd" da escola, o preferido do pai (e um dos boys de Carol)... mas também ele um poço de problemas.
É no iate do pai de Gabi (e na escola, e em casas alheias) que a misteriosa Carol (Ana Andrade) se enrola com vários colegas do colégio. Há 20 anos, Carol seria uma Maria-vai-com-todos. Em 2023 é uma mulher empoderada. Estamos a gozar. Em 2023, uma mulher continua a ser vista pelos colegas como uma p-u-t-a por se envolver com várias pessoas e, claro, é alvo de slut shaming. Ou seja, é exposta perante o colégio todo. Depois desaparece e está a tenda armada. Quem fez o vídeo? Onde está Carol? Ninguém sabe, toda a gente sabe, todos são suspeitos.
O que é que te aconteceu para teres ficado assim, Simão?
Soraia Rochinha (Rita Pereira) é PAP. Sim, PAP. Presidente da Associação de Pais do Colégio da Barra. Crómio, perdão, senhor Valter Matoso (Tiago Castro) é diretor do colégio. Zé Milho (Vítor Fonseca) continua a ser professor de dança na escola e Simão Navarro (Pedro Teixeira), o nosso adorado Simão da segunda temporada de "Morangos com Açúcar" é... bem, é um homem amargurado com a vida.
O plot twist mais inesperado desta nova temporada é o facto de encontrarmos Simão com dois filhos, Miguel e Duarte, casado... mas não com a mãe dos filhos (será que a mãe era a Ana Luísa, a personagem interpretada por Cláudia Vieira? Temos tantas dúvidas e não conseguimos esclarecê-las!).
Simão, afinal, não seguiu carreira no motocross. É agora médico, diretor de uma clínica e um gajo bastante frustrado com a vida. Tão frustrado que faz questão de descarregar essa frustração nos filhos, especialmente em Miguel que, a seus olhos, é a origem de todos os males. O que terá acontecido? Terá sido abandonado por Ana Luísa? Ai, tantas perguntas sem resposta!
Outra dúvida que nos assola é o teor da relação entre Soraia e Crómio, perdão, diretor Valter Matoso. São casados, não são? Uma coisa é certa. Soraia continua uma espalha-brasas do piorio, e agora a querer empurrar a filha Pipa (Mafalda Peres) para cima de um dos betos do colégio. Com pouco sucesso.
Nestes novos "Morangos", os pobres são mesmo pobres e os ricos mesmo ricos
Olívia (Madalena Aragão) e Bruno (Gonçalo Braga) cuidam (quase) sozinhos dos três irmãos menores. Não vamos estragar a surpresa sobre o que aconteceu aqui mas temos de elogiar o realismo desta linha narrativa: tanto na ficção, como na realidade, a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens não faz bem o seu trabalho.
Os irmãos moram na Agachada (wtf?) e são pobres. Mas não é pobres, do género andam com um iPhone 13. É pobres do género o jantar é massa com massa, servida num tacho. Os décors da casa dos irmãos parecem-se verdadeiramente com a casa de uma família que passa por dificuldades financeiras, bem como as suas roupas, mais simples e com aspecto gasto.
Os irmãos andam no Colégio da Barra porque têm uma bolsa. Está explicado o motivo pelo qual frequentam uma instituição carérrima, que tem como atividade desportiva principal o padel (ou ténis para preguiçosos, como eu gosto de apelidar a modalidade). No entanto, alegra-nos ver que, mesmo sendo uma escola de betos, na cantina mantêm-se as horríveis taças de sopa em metal (sim, aquelas que existiam no 'nosso' tempo, leitores com mais de 35 anos que ainda corriam para a fila da cantina quando soava o toque).
O que se mantém também, ao longo de duas décadas, é o gosto dos adolescentes por uma boa festa. E a festa nestes "Morangos", o spot mistério onde toda a gente quer ir, é o Frigorífico. Sim, o Frigorífico, em cuja guest list é muito difícil entrar (em teoria) mas depois toda a gente está lá. E nós também gostávamos de estar porque nos pareceu bem fixe, tão fixe que até havia um quadro do Menino da Lágrima (ainda se diz fixe? Ou fixe é boomer? Caraças, estamos mesmo velhos).
O melhor do regresso de "Morangos com Açúcar"
- Tiago Castro a reinventar o Crómio, transformando-o num ultrazeloso (e quiçá, com um ligeiro aroma a vilão?) diretor do Colégio da Barra. Só vimos dois episódios mas cheira-nos que, aqui, há história;
- a participação especial dos D'ZRT e a subtil mas querida homenagem a David (Angélico Vieira);
- as hipotéticas falhas do argumento são logo justificadas: sabem quando vemos novelas e há pormenores na história que não fazem sentido ou que nunca aconteceriam na vida real? Aqui também parecem existir, com a diferença que, mais à frente, são logo explicados. Como, por exemplo, a inexplicável ausência da polícia aquando do desaparecimento de Carol. Não a vemos, mas ela está lá, tal como Crómio explica;
- o movimento das câmaras em torno das personagens: ao contrário dos antigos "Morangos com Açúcar", aqui não temos os atores estáticos num local e as câmaras à frente ou de lado. Esta dinâmica, mais atual e cinematográfica, dá movimento e liberdade à história, distanciando-a do género novela e dando-lhe um estilo atual e internacional;
O que podia ser melhor
- Os novos "Morangos com Açúcar" prometiam muito em termos de diversidade... mas entregam pouco. As personagens negras do elenco principal, Fred (Cláudio de Castro) e Luana (Cíntia Semedo) são, infelizmente, clichés. Ele é o cool da turma, o palhaço, com a sua cabeleira afro, a sua 'boa onda', os charros e DJ nas horas vagas. Ela veio de Cabo Verde. Como se não houvesse, em 2023, adolescentes negros nascidos e criados em Portugal. Não faz sentido;
- Olívia leva um dos irmãos, que teve um acidente, a uma clínica privada, ao invés de chamar o 112, que levaria a criança para um hospital público. Percebemos que a ocasião é criada para se cruzar com Miguel, mas é muito forçado (sobretudo porque a família nem sequer tem seguro de saúde).