"Kim Stone sentia a raiva arder dentro dela. Do ponto de ignição no seu cérebro viajou como eletricidade até às plantas dos pés antes de voltar a subir. Se Bryant, o seu colega, estivesse a seu lado naquele momento, insistiria que se acalmasse. Que pensasse antes de agir. Que pensasse na sua carreira, no seu sustento. Por isso, ainda bem que estava sozinha.
O Pure Gym situava-se na Level Street, em Brierley Hill, e alongava-se entre o centro comercial Merry Hill e o complexo de escritórios e bares Waterfront. Era hora de almoço num domingo e o parque de estacionamento estava cheio. Contornou-o uma vez, avistando o carro que procurava antes de estacionar a Ninja à frente da porta principal. Não pretendia demorar-se.
Entrou no átrio e aproximou-se do balcão da receção. Uma mulher bonita e tonificada esboçou-lhe um sorriso brilhante e estendeu a mão. Kim supôs que esperaria algum tipo de cartão de sócio. Kim tinha um cartão próprio para lhe mostrar. O seu crachá.
– Não sou sócia, mas preciso de dar uma palavrinha rápida a um dos vossos clientes.
A mulher olhou em redor como se precisasse de pedir conselhos a alguém.
– Assunto policial – afirmou Kim. «Mais ou menos», acrescentou para si mesma.
A mulher acenou afirmativamente.
Kim olhou para o painel de indicações e soube exatamente para onde se dirigia. Virou à esquerda e viu-se atrás de três filas de máquinas em que pessoas saltavam, caminhavam e corriam. Moveu o olhar pelas costas das pessoas que queimavam energia a ir a parte alguma. A pessoa que procurava movia-se para cima e para baixo no canto mais distante. O cabelo louro, longo, preso num rabo-de- -cavalo era a pista. O facto de ter o telefone à frente dela sobre o ecrã da máquina era a marca definitiva.
Encontrado o alvo, Kim ignorou os sons dos membros das pessoas a erguer pesos e a correr ou os olhares curiosos que lhe foram dirigidos como única pessoa completamente vestida ali presente.
Tudo o que lhe importava era o envolvimento de uma mulher na morte de um rapaz de dezanove anos chamado Dewain. Kim pôs as mãos sobre a frente da máquina. O choque no rosto de Tracy Frost quase conseguiu superar a raiva. Mas não chegou a tanto.
– Uma palavrinha? – pediu, mesmo que não fosse realmente um pedido.
Por um segundo, a mulher quase perdeu o equilíbrio e isso teria sido uma pena.
– Como raio é que...? – Tracy olhou em redor. – Não me diga que usou o crachá para entrar?
– Uma palavrinha, em privado – repetiu Kim. Tracy continuou a dar passos.
– Ouça, podemos falar aqui – disse Kim, elevando a voz.
– Não voltarei a ver estas pessoas.
Kim sentia que pelo menos, metade dos olhos em redor estavam já fixos nelas. Tracy deu um passo atrás e desceu da máquina antes de estender a mão para o telefone. Kim surpreendeu-se com a altura da mulher e calculou que mediria no máximo um metro e cinquenta e sete. Kim nunca a tinha visto sem os saltos de quinze centímetros, qualquer que fosse o clima.
Kim abriu de rompante a porta da casa de banho das senhoras e encostou Tracy à parede. A sua cabeça falhou o secador de mãos por dois centímetros.
– Que raio achava que fazia, foda-se? – gritou Kim.
A porta de um cubículo abriu-se e uma adolescente saiu a correr. Passavam a estar sozinhas.
– Não pode tocar-me dessa...
Kim recuou para deixar um espaço mínimo entre elas.
– Como raio pôde dar aquela notícia, sua cabra estúpida?
Está morto. O Dewain Wright morreu por sua culpa.
Tracy Frost, repórter local e um completo traste, pestanejou duas vezes enquanto as palavras de Kim lhe chegavam ao cérebro.
– Mas... a minha... peça...
– A sua peça matou-o, vaca estúpida.
Tracy começou a abanar a cabeça. Kim acenou com a sua.
– Sim.
Dewain Wright era um adolescente da urbanização Hollytree.
Fizera parte de um gangue chamado Holytree Hoods durante cerca de três anos e queria sair. O gangue soube disso e apunhalou-o, deixando-o como morto. Pensaram que o tinham matado, mas um transeunte conseguiu reanimá-lo. Foi nesse momento que Kim fora chamada para investigar a tentativa de homicídio.
A sua primeira instrução foi que escondesse o facto de continuar vivo de todos menos da família. Sabia que, se a noticia chegasse a Hollytree, o gangue encontraria uma forma de acabar com ele.
Tinha passado essa noite sentada numa cadeira ao lado da sua cama, rezando para que contrariasse o prognóstico e conseguisse respirar sozinho. Segurou-lhe a mão e ofereceu-lhe a sua própria energia para que encontrasse a força para regressar. A coragem que Dewain tinha demonstrado para tentar mudar a sua vida e enfrentar a sorte comoveram-na. Quis uma oportunidade para conhecer o jovem corajoso que tinha decidido que a vida num gangue não era para ele.
Kim inclinou-se e trespassou Tracy com os olhos. Não havia escapatória.
– Implorei-lhe que não desse a notícia, mas não conseguiu evitar, pois não? Tudo o que importava era ser a primeira, não é? Está assim tão desesperada pela atenção dos jornais nacionais para sacrificar a vida de um miúdo? – gritou-lhe Kim na cara. – Para seu bem, espero que reparem em si... porque já não há lugar para si aqui. Vou garantir isso.
– A culpa não foi...
– Claro que a culpa foi sua – rugiu Kim. – Não sei como descobriu que ainda estava vivo, mas já não está. E, desta vez, é a sério.
A confusão contorceu-lhe as feições. A cabra queria falar, mas não conseguiu encontrar palavras. De qualquer forma, Kim não a teria ouvido.
– Sabia que tentava sair, não sabia? O Dewain era um miúdo decente e só tentava não morrer.
– Não pode ter sido por culpa minha – disse Tracy enquanto a cor começava a regressar-lhe à cara.
– Sim, Tracy. Foi – afirmou Kim, enfaticamente. – Tem o sangue do Dewain Wright nos seus cascos imundos.
– Só fazia o meu trabalho. O mundo tinha o direito de saber.
Kim aproximou-se mais.
– Juro por Deus, Tracy. Não descanso até que o máximo que se aproximar de um jornal seja para fazer entregas...
As suas palavras foram interrompidas pelo toque do seu telefone.
Tracy aproveitou a oportunidade para se afastar do alcance de Kim.
– Stone – disse quando atendeu.
– Preciso de si na esquadra. Agora.
O inspetor-chefe Woodward não era o mais caloroso dos chefes, mas costumava, pelo menos, cumprimentar de alguma forma brusca.
A mente de Kim foi rápida. Ligava-lhe num domingo à hora de almoço depois de insistir que tirasse o dia de folga. E já estava irritado com alguma coisa.
– Vou a caminho, Stacey. Prepara-me um copo de branco seco – disse ela antes de desligar. Se o seu chefe tivesse ficado confuso por lhe ter chamado Stacey, explicaria mais tarde.
Não revelaria que tinha recebido uma chamada urgente do seu chefe a tão pouca distância da repórter mais desprezível que alguma vez tinha conhecido. Podia ser uma de duas coisas. Ou estava num grande sarilho ou teria acontecido alguma coisa em grande. Nenhum dos cenários ficaria melhor por ser ouvido por aquela miserável.
Voltou-se outra vez para Tracy Frost.
– Não pense que isto acabou. Encontrarei uma forma de a fazer pagar pelo que fez. Juro – disse Kim enquanto abria a porta da casa de banho.
– Vou fazer com que a despeçam por isto – gritou Tracy enquanto Kim se afastava.
– Força – respondeu Kim sobre o ombro. Um rapaz de dezanove anos tinha morrido na noite anterior, por nada. Não eram os seus melhores dias.
E sentiu que aquele estaria prestes a ficar pior."