Estamos na Calçada do Combro, em Lisboa. Já tivemos que fintar 30 estrangeiros só para subir a rua e vimos Portugal transformado em mil peças de souvenir Made in China.
Quando dobrámos a esquina que vai dar ao miradouro do Adamastor — ou o que resta dele, tendo em conta as obras que tapam as vistas — reparamos em mais uma loja a vender produtos que, aparentemente, seriam para turista ver. Mas afinal não. Rimo-nos com a primeira frase da T-shirt, com a segunda frase também e, de repente, damos por nós já dentro do espaço que, ainda que venda Portugal, vende um Portugal com piada.
"Eu trabalho, tu trabalhas, ele ganha, nós trabalhamos, vós trabalhais, eles ganham". É assim que se conjuga o verbo numa das primeiras T-shirts brancas que nos saltam à vista. Mas também pode escolher aquela que tem "Exmo. Sr. Doutor" bordado, numa alusão ao gosto português por estes tratamentos pomposos, ou a que ilustra "um café à político, sem princípio".
Estes trabalhos originais dão-nos vontade de saber mais sobre um espaço do qual apenas nos apercebemos do nome à chegada: Lapo. "Lá em cima tem um café", indica-nos a pessoa da caixa. E à procura de mais motivos para sorrir, subimos.
É domingo e, por isso, é dia de piano, ainda que seja de manhã. É aqui que percebemos que, ainda que uns degraus acima, a originalidade se mantém. Todos os domingos há música e os do mês de julho está reservado para o madeirense Élvio Rodrigues e o seu projeto Slowburner. No início de 2018, durante dez semanas, Slowburner desafiou-se a compor uma música por semana, e tocá-la ao vivo nas manhãs de domingo via Instagram. Essas dez músicas foram regravadas ainda nesse ano e foram lançadas a 7 de junho deste ano, tanto em CD como em formato digital, numa coletânea intitulada "Sunday mornings are for piano".
Esta banda sonora tocada ao vivo serve de companhia a quem se senta numa das mesas largas da sala. É que em tempos o Lapo já foi uma padaria, e as masseiras foram transformadas nas mesas onde agora pousam os pratos pensados para partilhar. Há gambas fritas (8,50€), morcela dos Açores com ananás (4,50€), tábuas de legumes, queijos ou porco preto (entre 8€ e 15€), ovos escalfados com ervilhas (9€) e saladas, desde a mais básica, com alface, tomate, cebola, pimentos e orégãos (3€) até à de queijo de cabra gratinado com alface, pera, figo e amêndoas tostadas (8,15€).
Este é um espaço cujas paredes estão forradas a vinis. Encontramos João Gilberto, Schubert e Tom Waits, transmitindo a ideia de que o som por ali é eclético. Na dúvida, apareça a uma sexta-feira ou sábado. A partir das 20 horas começam as noites MELOdiosas, com o músico Melo D no comando da mesa de mistura.
Fazendo o ponto de situação temos, para já, uma loja, um restaurante e uma sala de música. "Mas há mais", avisa Ana Câmara, uma das sócias do espaço e responsável pela programação cultural.
Descemos as escadas em direção à loja e avisamos: "Mas já estivemos aí". Ana sorri, como quem sabe que há muito mais a descobrir. É certo que entrámos na loja e Ana aproveita para dizer que todas as peças são de marca própria à exceção das esculturas, que são fruto de uma parceria com artistas do Gerês mas, tal como anunciava, há mais.
Ana dirige-se ao sinal luminoso que indica o provador, ainda que de mãos vazias. "Este é de facto o provador da loja, mas é também uma entrada secreta", avisa. Abre a porta e, numa sala às escuras, uma vez que só funciona à noite, está todo um restaurante estrategicamente montado ao lado de um palco de cortina corrida.
"Esta sala não é só um restaurante", explica Ana que, por ser também atriz e encenadora, dá o enfoque ao que se passa fora das mesas de jantar. "É um espaço que dedicamos à intervenção cultural e à liberdade artística", refere. De quarta-feira a sábado, a cortina sobe e cada dia tem uma temática. Quarta-feira sobem ao palco projetos experimentais, quinta-feira é dia de teatro. Seguem-se as "Sextas-feiras Irreverentes" com performances e ao sábado acontecem as "Noites Sonoras", onde dão a conhecer novos grupos.
Nesses dias, o espectador pode escolher um menu de degustação que inclui jantar e espetáculo. Custa 40€ por pessoa com direito a uma entrada, um prato e uma sobremesa. Quem quiser ver o espetáculo sem jantar, que aproveite a Hora do Brinde, a partir das 22 horas. Aí, paga 10€ para assistir à performance do dia.
O restaurante funciona à carta nos dias sem espetáculo marcado. É de aproveitar a carta inspirada nos sabores alentejanos. As tábuas de queijo, legumes ou charcutaria descem até ao rés do chão para servir de entrada e, para pratos principais, sugere-se uma sopa de tomate (6,50€), açorda de gambas (12€), um ensopado de borrego (16€) ou umas bochechas de porco preto (12€).
Nada no Lapo é estanque e, por isso, não se admire que a carta vá mudando. Já para se pôr a par dos eventos, o melhor mesmo é seguir as páginas de Facebook e Instagram. Foi lá que ficámos a saber que, nos próximos dias, podemos esperar a peça "O Beijo" na sala Provador na quinta-feira e duas noites MELOdiosas nos dias seguintes. Sábado há ainda o concerto de Aixa Trio e domingo já sabemos, manhãs lentas ao som de piano.