De repente, o desconfinamento. O sair à rua, ainda que à desconfiança, para me meter dentro de uma sala de cinema onde toda a gente é obrigada a estar de máscara e o ar condicionado trabalha no máximo para fazer circular o ar. Os cinemas voltaram a abrir e o primeiro filme escolhido para uma sessão pós-confinamento gritava "fofinho", "cliché", "romântico" e, ainda assim, pouco estimulante. Falo de "O Segredo: Atreve-te a Sonhar", o novo filme de Andy Tennant com Katie Holmes e Josh Lucas nos papéis principais, que se estreia nas salas portuguesas esta quinta-feira, 20 de agosto.
Baseado no livro "O Segredo", que vendeu 30 milhões de cópias em todo o mundo e foi traduzido em 50 línguas, o filme aborda a lei da atração e defende a convicção de que os pensamentos têm a capacidade de influenciar o rumo da nossa vida. A premissa é pouco surpreendente e não conquistou a crítica especializada, mas, pelo menos nos Estados Unidos, tornou-se num dos filmes mais alugados dos vídeoclubes das operadoras.
A explicação, uma de muitas, tem que ver com o contexto em que surge. Há uma mensagem de esperança e de positivismo que, agora mais do que nunca, parece importante recuperar. E "O Segredo" faz exatamente isso.
Na verdade, e talvez por ser o primeiro filme que vi em sala depois do confinamento obrigatório no País, senti-me genuinamente feliz à medida que via aquela história a desenrolar-se à minha frente — ao ponto de sair da sala com vontade de abraçar pessoas. Depois passou-me, mas fica a intenção.
Os mais céticos discordarão totalmente de mim, mas acredito que "O Segredo" é o filme fofinho e perfeito de se ver numa altura em que o futuro está repleto de incertezas, dúvidas e medos. Especialmente numa altura em que a pandemia ainda está longe de terminar.
Explico porquê em quatro pontos.
1. "Vai ficar tudo bem"
Neste filme, Katie Holmes dá vida a Miranda Wells. Uma mulher viúva, com dois filhos, e várias dívidas em seu nome. Miranda não consegue pagar o empréstimo da casa, a remoção de um dente depois de cancelar o seu seguro de saúde (porque isso custa dinheiro) ou o arranjo no carro depois de um acidente. Os jantares em família são à base de arroz com feijão de lata e opções como pizza são verdadeiros luxos não muito habituais.
Além disso, a sua filha prepara-se para fazer anos e a festa de aniversário será sem presentes porque não há dinheiro para os pagar. Mas não se fica por aqui e, para piorar, é anunciada a chegada de uma tempestade que promete fazer estragos.
E quando parecia que nada mais podia acontecer, o telhado da casa de Miranda é destruído pela queda de uma árvore.
Apesar disso, Miranda consegue levantar-se todos os dias e acreditar que tudo vai ficar bem. E todo o filme acontece em redor dessa mensagem de esperança: a ideia de que, por muito más que as coisas fiquem, haverá sempre resolução. Pode ser uma ideia irrealista e até ingénua, mas traz aconchego e isso basta.
2. Há um final feliz para qualquer dilema
À semelhança dos filmes da Hallmark, aqueles que passam nas tardes da Fox Life, em "O Segredo" não se copia a realidade atual e os conflitos que surgem nunca são maiores do que aqueles que as personagens arranjam devido às suas escolhas ou à forma como reagem a forças externas. O dilema de Miranda, por exemplo, é não ter dinheiro para pagar as dívidas que foi contraindo ao logo do anos — mas a forma como decide lidar com isso é o que a impede de bater no fundo e de desistir.
E por muito más que as coisas possam ficar — Miranda fica com a casa destruída e arrisca-se a casar com um homem que não ama —, há sempre um desfecho feliz à espera de ser concretizado.
Mas antes disso, todas as personagens são obrigadas a uma viagem emocional na qual são confrontadas não só com algumas das escolhas que fizeram ao longo da vida, mas com os traços de personalidade que, em alguns casos, as tornaram naquilo que conhecemos no momento em que a história arranca.
3. Ainda que a história não surpreenda, os atores dão-lhe credibilidade
Sim, Katie Holmes e Josh Lucas não são, atualmente, os atores sensação de Hollywood. Mas o facto de serem familiares e competentes nas interpretações que se propõem fazer, dá credibilidade àquele universo.
E isso faz-nos sentir as dores de Miranda, mas também o positivismo de Bray (Josh Lucas) que surge na vida da primeira com uma visão otimista da vida, reforçando a ideia de que devemos estar gratos por tudo o que nos acontece. Isto porque, explica, todas as coisas têm um significado e não acontecem meramente por acaso. Não há sorte nem azar.
Ainda que os dois tenham visões muito diferentes do mundo, na medida em que Miranda vive derrotada pela vida e Bray agradece tudo o que lhe acontece, os dois compõem o par romântico da história que mais queremos ver junto. E isso leva-me ao ponto seguinte.
4. Faz-nos acreditar no amor
"Que lamechas", poderá estar a dizer desse lado. Mas o que se pode esperar de um filme destes? É que ainda que a mensagem fundamental de "O Segredo" seja o de reforçar que o positivismo pode ter influência nas nossas vidas, há uma história de amor que nasce das interações entre dois polos opostos — Miranda e Bray.
Pelo meio, há conflitos vários, traições, dúvidas e todos aqueles ingredientes que ameaçam estragar uma relação que nós, enquanto espectadores, sabemos ser perfeita, mas cujas personagens hesitam em assumir quase de forma propositada para arrastar ainda mais o filme.
Mas há um propósito nisso e que bate certo com o primeiro ponto deste texto. É que apesar dos conflitos, das hesitações e das zangas, sabemos que, naquela história, tudo vai ficar bem.
No final, o amor prevalece e quase nos faz ter pena de chegar ao fim do filme depois de investidas mais de duas horas a viver as dores e as ânsias daquelas personagens. Mas, e isto pode servir de consolo num mundo cada vez mais virado do avesso, pelo menos estão felizes.