"O filme que 'eles' não querem que você veja!", "Filme censurado na Europa", "O filme que a maldita elite financeira, artística e imprensa estão a boicotar!", "Uma realidade que Hollywood e o mainstream tentam esconder a todo custo" são alguns dos comentários que se podem ler nas redes sociais sobre o facto de o filme protagonizado por Jim Caviezel só ter estreado nos Estados Unidos.
Elogiado por Donald Trump, que considera o filme "um documentário muito importante" (embora seja uma obra de ficção), "Sound of Freedom" não tem data de estreia em Portugal. Chegará ao Reino Unido a 1 de setembro e a Espanha a 11 de outubro. Embora já seja possível encontrar o filme completo na internet de forma ilegal, não há data prevista de estreia em Portugal. A MAGG entrou em contacto com a NOS Audiovisuais e com a Cinemundo, as principais distribuidoras de filmes em território nacional, que explicam os motivos pelos quais "Sound of Freedom" não será (para já) exibido nas salas de cinema portuguesas.
Fonte oficial da Cinemundo esclarece que "o filme não tem distribuidor em Portugal, daí não aparecer nenhuma data de estreia". "Em relação à sua estreia em sala de cinema em Portugal, só o saberemos quando uma distribuidora o venha, eventualmente, a licenciar", adianta fonte da distribuidora. A NOS Audiovisuais não respondeu diretamente às questões colocadas pela MAGG, enviando uma declaração escrita. "Não existindo respostas para as questões colocadas, sublinhamos que, por princípio, a NOS promove a liberdade artística e de expressão através da sétima arte e procura continuamente entregar um leque abrangente de conteúdos e proporcionar a melhor experiência ao público", avança fonte oficial.
No fórum da marca de telecomunicações, contudo, existe uma resposta mais concreta, fornecida por um gestor de comunidade, que vai ao encontro da explicação da Cinemundo. "A exibição de filmes depende sempre do número de filmes de estreia e da estratégia de lançamento do próprio fornecedor e distribuidor. Neste caso, o fornecedor do filme 'Sound of Freedom' não tem distribuidora Europeia, pelo que não será exibido em Portugal."
No entanto, existe uma distribuidora que está a tentar trazer o filme para as salas de cinema portuguesas. Em declarações ao site PÁGINA UM, Sérgio Saruga, responsável da Pris Audiovisuais, admite que pode vir a distribuir "Sound of Freedom" em Portugal. “O filme ainda não tem distribuidor em Portugal, mas os seus resultados nos Estados Unidos são bastante bons”, explica.
Sobre o que é "Sound of Freedom" e porque é que é tão polémico?
O filme realizado por Alejandro Monteverde e protagonizado por Jim Caviezel ("A Paixão de Cristo") é inspirado na história verídica da Operation Underground Railroad (OUR), uma organização sem fins lucrativos norte-americana de combate ao tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual. Fundada por Tim Ballard em 2013 (personagem interpretada por Caviezel), a OUR terá participado em operações sob disfarce na Colômbia, México e República Dominicana, tendo alegadamente contribuído para a detenção de vários suspeitos ligados ao tráfico sexual de crianças, entre os quais Marthijn Uittenbogaard e Lesley Luijs, que fundaram nos Países Baixos um partido pró-pedofilia (entretanto extinto).
O filme realizado por Alejandro Monteverde retrata uma missão levada a cabo por Ballard para salvar crianças de uma rede de tráfico sexual na Colômbia, e foi inspirado numa reportagem lançada pela CBS em 2014. A trama retrata também Ballard como sendo funcionário da CIA, especializado na investigação de crimes sexuais. Na vida real, este organismo governamental nunca confirmou publicamente que essa tenha sido a função do fundador da OUR na Agência Central de Inteligência. A acção é centrada no resgate de Rocío, uma menina das Honduras vendida a um grupo de rebeldes colombianos, e que se encontra escondida na Amazónia, onde é usada, juntamente com outras crianças, como escrava sexual.
"Sound of Freedom" estreou-se a 4 de julho nos Estados Unidos e tornou-se um êxito improvável. Com um orçamento modesto de 13,2 milhões de euros, o filme já faturou em bilheteira 137 milhões de euros, de acordo com dados do IMDB. É produzido e distribuído pela Angel Studios, empresa ligada à produção e distribuição de conteúdos de entretenimento com forte pendor cristão (os fundadores são mórmons, grupo cristão com crenças conservadoras).
As ligações da produtora, dos financiadores e do próprio protagonista do filme à direita conservadora norte-americana são conhecidas (Donald Trump foi anfitrião de um visionamento privado no seu campo de golfe, em Nova Jérsia, onde marcaram presença nomes como Steve Bannon e Kari Lake), e o "Sound of Freedom" está a ser usado como bandeira pelo grupo conspiracionista Qanon, que alega que existe uma suposta cabala para silenciar a longa-metragem, além de defender a teoria da conspiração de que existe uma "elite que adora Satanás, tortura crianças para fins sexuais e que está a tentar controlar a política e os media", tal como descreve uma reportagem do "New York Times".
A própria organização Operation Underground Railroad, alvo de uma investigação financeira, foi inicialmente financiada por nomes ligados à extrema-direita, como Glenn Beck, comentador político conservador, responsável pela disseminação de teorias da conspiração sobre Barack Obama, o empresário e fliantropo George Soros e por relativizar a gravidade do Holocausto.
De acordo com dados do Relatório Anual sobre Tráfico de Seres Humanos, publicado em janeiro de 2023 pelas Nações Unidas, há, desde 2023, uma maior lentidão na resposta da justiça na deteção deste tipo de crimes, bem como uma redução na localização e identificação de vítimas. A identificação de vítimas de tráfico para exploração sexual caiu 24 pontos percentuais e a deteção de tráfico de seres humanos através de fronteiras caiu 21 pontos percentuais. De acordo com dados do Eurostat, só na União Europeia há 16 vítimas de tráfico humano por cada milhão de habitantes. A exploração sexual é a forma mais habitual de exploração e dois terços das vítimas de tráfico humano são mulheres ou meninas.