Da televisão para as livrarias. A partir desta quinta-feira, 2 de setembro, haverá um novo livro nas bancas inspirado na rubrica "Bom Português" que, desde 2003, começou a ser emitida na RTP. A cada emissão, o mesmo conceito simples, mas eficiente: um microfone em riste tenta perceber, junto de várias pessoas, se os portugueses sabem ou não escrever na sua língua.
"Bom Português: A Resposta Certa para Cada Dúvida", uma edição de 208 páginas da Porto Editora, e à venda por 15,50€, é o terceiro livro inspirado na rubrica e será apresentado esta quinta-feira na Feira do Livro, em Lisboa, por Carla Trafaria que também assina o prefácio e que apresenta o programa "Bom Dia Portugal", da qual a rubrica faz parte.
A escolha, sabemos bem, não vem ao acaso. Afinal, a jornalista é já indissociável do formato didático que, 18 anos depois da sua primeira emissão, já faz parte da memória coletiva dos espectadores.
O sucesso da rubrica, arrisca responder, tem que ver não só com o tipo de tema que aborda, mas também com a forma como isso é feito e apresentado ao espectador. "O sucesso tem, como é evidente, que ver com a temática. A língua é, talvez, a principal expressão de identidade de um povo. É o denominador comum, seja qual for a idade, o extrato social ou o grau académico", diz Carla Trafaria à MAGG.
"Precisamos de comunicar para viver em sociedade e isso é uma inevitabilidade temporal." Além disso, defende que o formato da rubrica, que descreve como sendo "concisa e direta", apresenta-se "sem qualquer pretensiosismo intelectual". "Não é uma aula de português, mas sim um fórum em que todos participam em igualdade de circunstâncias", concretiza.
"Ler também é um hábito que, muitas vezes, se ganha na infância e vai muito além da leitura obrigatória dos manuais escolares"
Admite, no entanto, que "essa familiaridade e confiança foi sendo conquistada ao longo dos anos". O que terá ajudado a construir o sucesso e a longevidade da rubrica. Carla Trafaria apoia-se na experiência e no contacto que foi tendo com as pessoas que entrevistava na rua.
"Ao fim de tantos anos, as pessoas foram-se familiarizando com a rubrica e, nesta altura, posso dizer com segurança que a maioria já participa apenas de forma didática e sem ter como intenção mostrar que sabe", conta-nos. Até porque, revela, ao longo das entrevistas que foi fazendo, "foram muito poucas as pessoas que, depois de responder de forma errada [a uma qualquer pergunta sobre gramática ou sintaxe]", lhe pediram que apagasse ou não emitisse a gravação.
Na verdade, a jornalista diz que o formato promove uma "competição saudável" entre participantes para ver quem acerta na resposta.
E ainda que esse contacto permanente e regular com as pessoas que aceitam fazer parte da rubrica "Bom Português" tenha permitido a Carla Trafaria "ter uma melhor perceção da forma como se fala e se escreve em Portugal", admite que não é o suficiente para "afirmar categoricamente que falamos melhor ou pior".
"Mesmo sem qualquer estatística e baseando-me apenas na minha experiência, arriscaria dizer que, surpreendentemente, são as gerações mais velhas que parecem dominar melhor o português", refere. Quando lhe perguntamos se aquilo que vemos nas caixas de comentários de redes sociais, como o Facebook, é um espelho ou um catalisador para uma má prática do português escrito ou falado, a jornalista admite que olhar para a questão dessa forma talvez seja muito simplista.
O gosto por ler terá ficado comprometido "com o aumento da oferta" das novas tecnologias
Isto porque defende que não serão as redes sociais a terem "um impacto negativo na forma como se fala ou escreve". Admite, porém, que talvez pudessem "ser utilizadas como espaço de influência para promover o uso correto da língua portuguesa, assim como acontece com diversos assuntos, produtos e opiniões".
E embora esta terceiro livro inspirado na rubrica "Bom Português" vá ser apresentado na Feira do Livro, no Parque Eduardo VII, em Lisboa, Carla Trafaria tem dúvidas de que, no geral, Portugal seja um povo que goste "do ritual de escolher e ler um livro".
"Ler também é um hábito que, muitas vezes, se ganha na infância e vai muito além da leitura obrigatória dos manuais escolares". O problema, explica-nos, tem que ver com o facto de esse hábito, ou "gosto", terem ficado "ainda mais comprometidos com o aumento da oferta proporcionada pelas novas tecnologias".
"Se é verdade que a internet é uma fonte de conhecimento de valor incomensurável, também é facto que oferece um produto mais 'fácil', em que muitas das vezes já nem é preciso ler ou escrever. Basta apenas ver um vídeo e até a própria pesquisa é feita com base nesse critério de facilidade." Além disso, houve também mudanças na forma como passamos a comunicar uns com os outros.
Nesse registo, diz Carla Trafaria, "as mensagens ganharam uma escrita própria baseada em sinalética ou abreviaturas que parecem dispensar por completo o velho bom português".