Marisa Padilha e Artur Rouquina fazem parte do grupo de 42 fãs que pagou o bilhete mais caro para o "Xmas In The Night - Kings' Edition", a primeira edição do espectáculo das "Manhãs da Comercial" desde 2019. Juntamente com os filhos, Carminho, de 7 anos, e Vicente, de 6, chegam à Altice Arena equipados a rigor: t-shirts com os rostos estampados de Pedro Ribeiro, Vera Fernandes, Vasco Palmeirim, Gilmário Vemba e Nuno Markl, barretes de Pai Natal e bandelete com hastes de rena.
A família teve direito a assistir ao ensaio geral e a conhecer o quinteto. Médica de profissão, Marisa Padilha explica que a paixão pelas "Manhãs da Comercial" começou nas viagens de carro para o trabalho. "Tenho tendência a adormecer e eles são a minha companhia. De manhã, vamos para a escola, rádio Comercial. O marido vai para o trabalho, rádio Comercial. É uma família", explica.
Marisa escolheu o "Xmas in The Night - Kings' Edition" para se estrear nos espectáculos do coletivo das manhãs da rádio do grupo Bauer. Inicialmente, comprou apenas bilhete para assistir com o marido mas, depois, acabou por incluir os filhos no programa. "Achei que não era justo porque eles também são fãs. O Vicente adora o Gilmário, adora o 'Taskmaster', com o Vasco e o Markl. Voltei atrás, comprei mais dois bilhetes aqui à frente, e cá estamos, os quatro", conta a médica. O contato direto com as estrelas da rádio "cria laços, cria memórias", salienta Marisa Padilha. A médica confidencia que Vicente "gosta muito do Vasco e do Gilmário" e que Carminho "gosta muito do Markl", mas que a exposição televisiva também tem influência.
"Quando vamos para a escola, há sempre um momento mais atribulado, mas quando ouvimos 'O homem que mordeu o cão!', pronto! Eles ficam logo atentos", conta o músico Artur Rouquina. O casal diz que as versões criadas por Vasco Palmeirim e interpretadas pela equipa do programa das manhãs da Comercial são banda sonora habitual. "Às vezes adaptamos e fazemos as nossas próprias letras. Não rima, mas é giro. Fazemos os nossos espectáculos familiares", conta ainda a médica.
Depois de um hiato de três anos, janeiro de 2023 era o mês escolhido para o regresso dos espectáculos das "Manhãs da Comercial". E tudo teria já acontecido não tivesse Nuno Markl sucumbido à COVID-19. Fast forward para 24 de março, a primeira de duas datas na Altice Arena (o Porto só vai ver a "Kings' Edition a 5 de maio) e cá estamos, no ensaio geral do Natal.
São seis da tarde na Altice Arena e ensaiam-se em palco, com in ears, microfones, banda ao vivo e até fogo. Gilmário Vemba, que se estreia nos espectáculos ao vivo da Comercial, terá o seu momento a solo e participará em algumas atuações. Diogo, Sininho, Joana, Mike, Francisco e Martim, alunos da School of Rock, foram os eleitos para fazerem a abertura do espectáculo. Eles encarnam a banda dos filhos de Ricardo Araújo Pereira, ou melhor, António José dos Santos Farinha, um serial killer muito fã das "Manhãs da Comercial" e que quer, à força de cutelo e machado, o regresso do "Xmas in The Night". Em palco e nos bastidores, são cerca de 150 as pessoas que ajudam a tornar realidade o espectáculo.
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"Não encarnamos uma persona de rock stars. Somos os mesmos pacóvios, os mesmos totós, vestimo-nos bem e vamos lá para cima"
19 de dezembro de 2012. Um concerto de Natal solidário, no Auditório da Reitoria da Universidade NOVA de Lisboa, em que o bilhete custava 5€ e dava direito a um cachecol, foi o ponto de partida para que, 11 anos depois, 14 mil pessoas enchessem a Altice Arena para cantar em plenos pulmões "Ispantosa". A menos de duas horas do espectáculo, a MAGG conversou com Nuno Markl, Pedro Ribeiro, Vasco Palmeirim e Vera Fernandes nos camarins. "Passámos disso para o Teatro S. Luiz e, depois, o nosso administrador na altura disse-nos assim 'o próximo passo é Altice Arena'. E nós 'ehehe, ganda estúpido!'. E era verdade a ideia dele", relembra Vasco Palmeirim.
A estreia na Altice Arena acontece em 2013, e o maior hiato aconteceu entre 2019 e 2023, devido à pandemia. "Mesmo hoje, quando chegas aqui, é bastante irreal. Chegas a uma sala deste tamanho e pensas 'como é que é possível?'. E duas datas!", reflete Pedro Ribeiro, diretor da rádio do grupo Bauer. "Eu apanhei o comboio em 2017 e, com três meses de rádio Comercial, vim cantar à capella, com o Vasco a agarrar-me, e lá fomos nós. Quando cheguei ao palco pensei 'vitória, está feito!", relembra Vera Fernandes, que sucedeu a Vanda Miranda nas "Manhãs da Comercial".
Ao contrário de outros espectáculos, que são gravados e depois transmitidos ou em plataformas digitais ou em canais de televisão, o "Xmas in the Night" não tem registo vídeo, exceto alguns excertos ou imagens captadas por espectadores, o que torna o acesso ainda mais exclusivo. "Isto é o contrário dos tempos atuais, em que tudo está disponível para toda a gente, a toda a hora. E isto não, continua a manter o carácter exclusivo. Só mesmo quem cá vem. Há uma clã, uma tribo, e é essa tribo que vem", explica Pedro Ribeiro.
"Acima de tudo, o espírito do programa da manhã da rádio Comercial é posto aqui no palco, com quatro marmanjos a cantar mas, mais do que cantar, a serem eles próprios e com a consciência de que não somos grandes artistas no que toca a musicais, mas com essa consciência de que, quem cá está, gosta muito de nós", salienta Vasco Palmeirim. "Acima de tudo, é uma festa", refere Vera Fernandes, e Markl corrobora. "A partir do momento em que eu vim uma vez com um alarme das calças que tinha vestidas, é tudo possível", conta o comunicador.
"Conforto", a segurança de saberem estão a atuar para o seu clã, diminui em parte a estranheza de estar perante 14 mil pessoas, refere Vasco Palmeirim. "Não estamos aqui para conquistar ninguém. Altice Arena é confortável? Não. Mas nunca parecem 14 mil porque tu vais olhando para as pessoas e o sorriso que elas têm, ou uma coisa que nos dá um amor incrível. O concerto começa sempre com uma curta metragem. Assim que arranca o filme, a reação das pessoas, os gritos, faz-nos pensar 'está ganho'", diz o também apresentador da RTP.
A palavra "família", repetida pelos animadores das manhãs da Comercial, está presente em muitas histórias de ouvintes, como a que veio do Luxemburgo de propósito para o "Xmas in the Night". "Estou a recordar-me de uma mensagem assim um bocado mais dura, de uma ouvinte que descobriu esta semana que tem cancro. 'Como costumo enviar-te mensagens quero dizer-te que este vai ser o meu último espectáculo antes de começar os tratamentos", confidencia Vera Fernandes. "Imagina a confiança que é preciso gerar e a cumplicidade que é preciso ter primeiro, para alguém abrir o coração desta maneira e, depois, dispor-se a vir este espectáculo", enaltece Pedro Ribeiro.
O coletivo recorda ainda que, nas horas que antecederam o primeiro "Xmas in The Night" (no sábado, 25 de março, houve uma segunda sessão), vários ouvintes que, por causa do adiamento, não puderam comparecer, cederam gratuitamente os seus bilhetes. "O mais importante aqui é: nós não encarnamos aqui uma persona de rock stars. Não, não! Somos os mesmos pacóvios, somos os mesmos totós, vestimo-nos bem e vamos lá para cima. E trazemos as pessoas connosco e embora lá embarcar nesta festa!", diz Vasco Palmeirim.
Do mosh de linguadões a Markl à homenagem aos Beatles
A meia hora do início do "Xmas in the Night - Kings' Edition", o "bruá" de uma Altice Arena a rebentar pelas costuras é real. Há famílias inteiras com barretes de Natal, com fitas coloridas. Toca o "Last Christmas" de George Michael e sentimo-nos transportados para 24 de dezembro. Só que não estamos à mesa da consoada, estamos no meio de uma espécie de culto fofinho, uma seita de devotos a São Ribeiro, São Markl, Santa Vera e São Palmeirim.
A dedicação e o entusiasmo dos fãs das "Manhãs da Comercial" é de tal ordem que, sem que ninguém o peça, 14 mil pessoas começam, de forma espontânea, a fazer a onda. O furor é impressionante, e olhem que nós já estivemos em concertos de boybands.
21h30. As luzes apagam-se, os gritos são ensurdecedores. São os Coldplay? É a Taylor Swift? Não, são "os mesmos pacóvios" de sempre, recordando as palavras de Palmeirim, e o que se passa nas duas horas seguintes é de pasmar a quem nunca tinha contactado pelo fenómeno. O combustível chama-se Vasco Palmeirim que, além de ser o autor das letras das músicas, canta, dança, salta, puxa pelo público, puxa por Markl, Vera e Pedro Ribeiro, puxa por toda a gente e nem se lhe vê uma gota de suor na testa. Mas ali, todos estão por todos, desde os coros aos músicos.
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O apogeu do espectáculo (e o momento de terror para pessoas antissociais) acontece quando os quatro animadores da Comercial incentivam a que se forme um mega comboio. Mal a música começa, com Nuno Markl a encarnar um sósia de Quim Barreiros, forma-se uma centopeia humana, que serpenteia pela Altice Arena. São centenas, de mãos postas na pessoa da frente, que seguem alegre e ordeiramente, por entre as filas. Vera, Vasco e Pedro desaparecem no meio da multidão, integram o comboio, e nós ficamos, com cara de parvos, só a olhar para aquilo.
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Gilmário Vemba também tem o seu momento a solo, em que surpreende não só c0m dotes de cantor mas também de guitarrista exímio, e arranca gargalhadas ao apelidar Nuno Markl de "a encarnação da fofura". O autor de "O Homem Que Mordeu o Cão" é, como não pode deixar de ser, o saco de pancada do espectáculo, sendo até alvo de um mosh de linguadões, logo no arranque do concerto.
O segmento dedicado aos Beatles, um momento mais 'sério' do espectáculo, e em particular "All You Need is Love", cantado em uníssono, iluminado pelas lanternas dos telemóveis, faz-nos sentir que estamos perante algo mais do que um concerto. Se este é um culto, é um culto dos bons. Ao fim de duas horas de concerto, Nuno Markl já nem se mexe. Pedro Ribeiro resiste, Vera Fernandes está estoica e Vasco Palmeirim parece ter acordado há cinco minutos. Como é que ele faz? Não sabemos. Mas, no dia seguinte, haverá mais.
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Reportagem fotográfica de bastidores: Rita Almeida / MAGG | Fotos de palco: Ruben Viegas / Rádio Comercial