Todos temos várias facetas dentro e fora de portas: ser mãe, pai, cuidador da casa, consultor das perguntas difíceis que os miúdos fazem quando estão a descobrir o mundo, psicólogos quando é preciso compreender e apoiar em fases particulares da vida. Alexandre Esgaio, de 47 anos, é um pouco de tudo isto.
É pai e mãe de duas raparigas, é "dona de casa", como o próprio diz, é psicólogo de formação — profissão que chegou a exercer em Coimbra antes de ir para Lisboa, começar a trabalhar em livrarias e paralelamente a desenhar — e é um criativo que acaba de lançar o novo livro de banda desenhada "D.A.D.- Desempregado, artista, dona de casa" (14,40€). Mas a criatividade estende-se a mais áreas.
"Para educar filhos não há fórmula, mas a minha fórmula é amor, paciência e criatividade. E com estas três coisas tenho conseguido educá-las sem grandes sobressaltos", diz Alexandre, acrescentando que a criatividade aplica-se a tudo. "Perante uma situação nova ou menos nova, vamos tentar ser criativos, tentar outra abordagem, tentar explicar de outra forma. Há muitas maneiras de levar água ao moinho. E educação é isso: educar e ser paciente, porque os frutos virão no futuro, não é algo imediato".
Contudo, admite que em algumas situações não há resposta para as perguntas difíceis da idade. "Há uns meses, a mais nova entrou numa conversa sobre o facto de não trazer os sapatos para casa. Eu cheguei a um ponto que tive de dizer 'porque é assim'. Há coisas que temos de dizer 'é assim porque não há explicação' ou 'é assim porque sou teu pai'", brinca.
Alexandre é pai de Maria (Joana no "D.A.D"), de 14 anos, e Flor (Mana), de 7 anos. Maria tinha 7 anos quando soube que ia ter uma irmã e deixaria de ser a "única menina do papá", mas nada disso a afetou. "Adora-a. Houve ali umas semanas e meses que estranhou, mas depois adaptou-se e ela adora a irmã e a irmã adora-a. Elas são muito cúmplices, não há grandes stresses. A mais velha só quer o canto dela", diz Alexandre.
Quando Flor tinha 2 anos e Maria 9, Alexandre e a mãe das duas raparigas separaram-se, mas o autor de "D.A.D" afirma: "Somos uma família". Agora, Maria e Flor passam uma semana com cada um, e nas que calham a Alexandre, não faltam situações para produzir novos desenhos.
Quem é o D.A.D?
As ilustrações de "D.A.D.- Desempregado, artista, dona de casa" foram progressivamente construídas ao longo do tempo em que esteve desempregado — que corresponde a um dos "Ds" de D.A.D. Fazia apenas "biscates" na altura e acabou por poder estar mais presente na vida das filhas enquanto a mãe saía para trabalhar.
Apesar de sempre ter desenhado (chegou a fazer cartazes e a pintar T-shirts para vender), depois do nascimento da primeira filha dedicou-se mais à veia de artista (o "A" de D.A.D). "Trabalhava nos telefones nessa altura e decidi: 'Não, não posso estar a vender coisas de telefone. Tenho uma filha e quero que ela tenha orgulho em mim. Vou fazer desenhos, vou arriscar'", conta. E assim foi. Apostou com tanta força que agora uma parte das ilustrações estão espelhadas nas 128 páginas com situações caricatas e reais próprias de um pai com duas crianças em casa.
As ilustrações não se ficam pelo livro que acaba de lançar, uma vez que Alexandre continua a desenhar a par da ocupação profissional atual num armazém. "É isto [desenhar] que eu quero fazer da vida. Largar o armazém e só desenhar, se possível", afirma.
Quando ao "D" que falta, de "dona de casa", como para qualquer pessoa há tarefas mais agradáveis que outras, mas há uma área que Alexandre Esgaio detesta em particular. "Coisas com roupa. A sério que adoro lavar roupa, adoro cozinhar, adoro estar na cozinha e não me importo de lavar a casa, faço questão. Casa limpa é outra coisa. Agora coisas com roupa... Passar roupa. Isso é o demónio (risos)", diz.
O autor do novo livro de banda desenhada refere que é impossível ter sempre tudo organizado. "Basta aparecer a mais nova em casa e passado meia hora parece que caiu uma bomba, fica tudo de pantanas", brinca, mas admite que o caos e confusão não o perturbam.
"Elas não são minhas, não as quero para mim. Quero que elas sejam felizes"
Enquanto a filha mais nova está ainda numa fase de brincar, a mais velha está já na fase da adolescência, mas Alexandre admite que não tem sido problemático. "Ela é uma rapariga tranquila, gosta de estar no seu cantinho e isto da pandemia, de estar em casa, ela adora. Muitas vezes sou eu que tenho de arrastá-la para fora de casa", diz o pai de Maria.
Reconhece que os 14 anos "é uma fase 'sui generis' [muito própria], em que estão a formar as relações entre amigos, namorados, todo um mundo novo" e que no caso da filha, bem como de outros jovens, foi limitada devido à pandemia. "Tenho pena, porque os meus 14 anos não tiveram nada que ver com isto".
Alexandre Esgaio define-se como "o rapaz que nasceu na Nazaré" e que passou da Psicologia para a ilustração. Enquanto pai, assume que não é fácil ser educador de duas raparigas. "Mas tento educá-las da melhor maneira para serem boas pessoas. É o que eu gostava que elas fossem", conclui.
Acima de tudo, o que Alexandre quer é que ambas as filhas sejam independentes, por isso considera "espetacular" a ideia de um dia seguirem para a faculdade e fazerem a própria vida. "Elas não são minhas, não as quero para mim. Quero que elas sejam felizes, que sejam amadas incondicionalmente e estou a criá-las para elas serem independentes o mais depressa possível, sabendo que têm sempre lá a casa do pai quando precisarem e quiserem", destaca.
Contudo, já sabe o que é sentir "um vazio" nas semanas em que as filhas vão para a mãe. Sabe que um dia mais tarde vai ter de se adaptar, "mas é a ordem natural das coisas", termina.