Ana Vieira é nutricionista num serviço de pediatria há 20 anos. Como as consultas são de 30 minutos, "precisava de algo que ajudasse para além disso, porque ficava muita coisa por dizer". Foi esse o motivo que a levou a por em livro informações práticas, para que pais, avós e educadores tivessem "onde pesquisar e consultar em casa”, explica à MAGG, reforçando que “os erros presentes no livro são o resultado da [sua] experiência". A autora reforça ainda que o mais importante é valorizar a alimentação e "não desistir".
O livro é uma “obra meiguinha”, em que a autora explica o que se deve mudar e como, porque se deve reduzir o consumo de alguns alimentos por terem excesso de açúcar e, acima de tudo, é “útil” por também incluir algumas receitas para os pais ou avós se guiarem.
Excesso de açúcar, pouca fruta e pouco peixe: a alimentação das crianças portuguesas está a piorar?
Os pais “estão mais desinformados”, diz a nutricionista. Por outro lado, “às vezes também se perdem na informação disponível na Internet e acabam por ter ideias erradas”. Esta desinformação também motivou Ana Vieira a lançar o livro, “por ser baseado em evidência científica”.
Atualmente, “há uma maior disponibilidade de alimentos, uma vez que há 20 anos ahavia menos marcas de iogurtes, de flocos de cereais de pequeno-almoço, de bolachas”. Por um lado “é bom, porque há muito mais ofertas saudáveis”, por outro “é mau, porque também há alimentos de muito má qualidade” . A nutricionista reforça a importância de “os pais saberem ler um rótulo”, que também está explicado no livro.
“Como há mais disponibilidade de alimentos e mais disponibilidade de alimentos de má qualidade, hoje em dia come-se um pouco pior”, até porque, hoje em dia, “as pessoas não vão tanto buscar os alimentos à horta ou à feira”, como acontecia antigamente. “A nossa alimentação está muito diferente, está mais industrializada”, conclui Ana Vieira.
Segundo a nutricionista, “o primeiro erro é desvalorizar a alimentação” e “quando se desvaloriza a alimentação, todos os outros erros vêm por acréscimo". Ana Vieira revela também que “ainda há muitas pessoas a desvalorizar”, mas afirma que “é quase sempre possível melhorar a alimentação”.
O livro tem como objetivo “educar e fornecer ferramentas para que as pessoas façam as melhores opções e procurem melhorar a sua alimentação”. Depois de se valorizar a alimentação, consegue-se perceber outro tipo de erros, como as crianças consumirem “pouca quantidade de peixe”, até porque “o peixe é pouco acessível”. No entanto, adianta que “apesar dos portugueses serem dos que consomem mais peixe”, “as recomendações não são atingidas”. Nas crianças, “que numa primeira impressão podia não ser assim, o mais grave até é a fruta”. A autora referiu ainda que “vários estudos referem que as crianças consomem apenas uma peça de fruta por dia, quando as recomendações são consumir entre duas a três por dia”.
Além disso, realça também o “excesso de açúcar” como um dos principais erros cometidos, dado que “as crianças ultrapassam sistematicamente as recomendações da Organização Mundial da Saúde e da Diretor Geral de Saúde para o consumo de açúcar”.
“Há muitas crianças com uma saúde dentária miserável"
Além de “o consumo de açúcar estar muito ligado ao aumento de peso”, também “está relacionado com as cáries dentárias”. A nutricionista revela que “há muitas crianças com uma saúde dentária miserável, com imensas cáries” e que muito tem a ver também com a alimentação.
Relativamente ao excesso de peso, Ana Vieira afirma que “se nada for feito numa criança, provavelmente essa criança vai culminar num adulto em excesso de peso”. “A obesidade é a raiz de muitos problemas cardiovasculares, diabetes, certos tipos de cancros e conseguíamos evitar isso se conseguíssemos ajudar as crianças a não aumentar tanto de peso”, acrescentou.
Porque é que pais e avós cometerem estes erros?
Acima de tudo, “o desconhecimento” é a maior razão. No caso dos pais, “são os horários de trabalho, que leva a que, por vezes, não seja fácil chegar a casa e ter tempo para preparar uma sopa ou um prato mais saudável”, respondeu. Já no caso dos avós, a nutricionista afirma que, apesar de não ser com uma má intenção, estes “acabam por querer mimar o neto”.
Como já foi referido, “hoje em dia há um excesso de alimentos de má qualidade e de grande valor calórico e ricos em açúcar”. Os avós “têm de perceber que não se pode dar doces todos os dias às crianças”, só que é-lhes “muito difícil negar e não dar um mimo ao neto”. “Temos todos de trabalhar para a consciência dos adultos, porque são os responsáveis desta epidemia da obesidade infantil e excesso de peso”, alertou Ana Vieira.
E as crianças que não gostam de legumes? "Oferecer, persistir e não desistir”
A aversão dos legumes pode-se reverter “pela motivação dos pais”. “Quando os pais estão motivados, os miúdos acabam por comer os legumes, mas há crianças difíceis e é preciso persistir e não desistir à primeira nem à segunda tentativa”, reforçou a autora. Acrescentou, também, “que se deve tentar, pelo menos, 14 vezes, mas há miúdos que precisam que tentem 30 vezes e outros que comem logo à primeira”.
Os pais e avós devem começar por “oferecer em pequenas quantidades com bom senso e carinho, sem ser um castigo e não desistir”. Outro aspeto importante, destaca, “é toda a família também os comer, porque é difícil fazer uma criança gostar de legumes quando a família não os come”. “Quando oferecemos produtos hortícolas com regularidade e os adultos que rodeiam a criança também os consomem, mais cedo ou mais tarde os miúdos acabam por também consumir”, disse. No caso das sopas, “no final do livro constam algumas receitas que são mais aceites pelas crianças” e ao longo do livro também tem “alguns truques para disfarçar os legumes”. Essencialmente, é “oferecer, persistir e não desistir”.
Ana Vieira reforçou que “é sempre preferível mais cedo, principalmente em bebés, porque quanto mais tarde mais difícil é, mas não é impossível”. Deve-se começar por “oferecer pequenas quantidades e colocar sempre no prato mesmo que a criança rejeite e não desistir”. Depois, deve-se “introduzir com alimentos melhor aceites pela criança, com calma e em pequena quantidade, como na massa ou no puré”. A título de exemplo, “fazer um empadão e pôr camadas de legumes”.
“Não se deve desistir se uma criança com 10 anos não comer nenhuns legumes, porque se começar agora com pequenas quantidades, para o ano está melhor e vai comer mais um bocadinho”, contando que é frequente os pais desistirem há primeira ou segunda tentativa.
Como ler rótulos?
“Quando queremos comparar dois alimentos semelhantes, devemos utilizar sempre a coluna por 100 gramas e depois fazer a melhor escolha”, explica Ana Vieira. Relativamente “aos lípidos, à gordura, por 100 gramas deve-se escolher a opção que oferece menos quantidade”, acrescentando que por vezes “os rótulos não são claros” e que “não podemos comparar dois alimentos semelhantes com porções que podem ser diferentes”.
Em relação ao açúcar, “é praticamente igual”, devendo olhar sempre “para a coluna dos 100 gramas e escolher a opção que tiver nos hidratos de carbono, dos quais açúcares, menor teor de açúcar”. As melhores escolhas são sempre “as que oferecem menor teor de açúcar e de gordura, nomeadamente gordura saturada que é pior para os vasos sanguíneos”. Caso queiramos comparar alimentos diferentes, deve-se ir “por porção de alimentos”.
E quando os pais tentam implementar uma alimentação vegetariana ou com restrições?
Na opinião de Ana Vieira, se os pais tiverem um padrão alimentar vegetariano “não faz muito sentido fazer refeições de carne ou de peixe para os filhos”. Contudo, neste caso, “a alimentação tem de ser ainda mais cuidada”, adiantando que “há pais extremamente informados e que têm uma alimentação extremamente cuidada e pais que a única coisa que fazem é não comer carne nem peixe, sem nenhum cuidado”.
Neste caso, os pais "têm de compensar com proteínas de origem vegetal e é necessário consultar um nutricionista para lhes fazer um plano personalizado, porque exige maior vigilância e melhor combinação de alimentos", alertou.
Relativamente ao glúten e à lactose, “se a criança não tem intolerância, não faz sentido não dar um alimento com lactose ou glúten, até porque os alimentos sem glúten normalmente acabam por ter mais gordura para conseguir a consistência pretendida e são alimentos nutricionalmente piores”.
Na opinião da autora, os pais “não devem fazer a restrição sem ter razões para isso, porque não há vantagem”. Analisando, “o leite sem lactose é mais doce, por isso ainda vai estimular mais o paladar doce e nós não queremos isso”, além de que “é um leite mais processado porque a lactose foi dividida”.