Iara tem 8 anos, mas há quatro anos era uma criança mais "agitada". A mãe, Ana Isabel Frade, de 27 anos, tinha alguma dificuldade em mantê-la por perto, mas arranjava algumas alternativas para não a perder de vista. Ana atava Iara com fraldas de pano no carrinho e a sogra usava uma encharpe.

Mas como nada disto era a melhor opção, mudou de estratégia: "Comprei algo mais adaptado e mais 'adequado' do que o uso de uma encharpe", diz Ana à MAGG.

Comprou então a primeira mochila trela há seis anos, para conseguir proteger Iara nos escassos segundos em que pudesse distrair-se. Com o tempo, a mochila deixou de ser necessária, mas na altura em que nasceu Marley, agora com 4 anos, voltou a dar-lhe uso.

"No dia a dia, com duas crianças pequenas, era difícil 'controlá-las' ao mesmo tempo. Então quando saia com o carrinho de bebé, ela ia com a mochila e a fita agarrada na minha mão. Assim tinha a certeza de que se me distraísse com o pequeno ela estava ali ao pé de mim". O sistema funcionou até que Iara descobriu como desapertar as molas da mochila, ensinando o irmão a fazer o mesmo. "Quando reparava, já iam os dois a correr", diz Ana, que se viu forçada a abandonar o método.

No seu caso este sistema não é novidade, mas por cá estas trelas — em forma de mochila, peitoral ou pulseira — ainda são pouco conhecidas, ou simplesmente pouco aceites. 

A dúvida ou estigma, começa logo pelo nome: "trela". É uma palavra que normalmente associamos aos animais, mas que também existe para crianças, embora com pouca frequência em Portugal.

Já no Brasil, não só é conhecido, como uma fotografia de uma mãe ao telemóvel ao lado do filho seguro por uma destas trelas tornou-se viral pelos piores motivos. De acordo com o jornal "Sol", um utilizador partilhou a foto com uma descrição critica: “Quando você pensa que já viu tudo, aparece uma mulher com um filho na coleira para mexer no celular. Estamos do avesso mesmo”.

Contudo, veio a saber-se pelo Facebook da própria mãe, Amanda, que a situação criticada nas redes sociais aconteceu quando ela estava a pedir um carro da plataforma Uber e que o filho usava uma mochila trela para sua segurança, uma vez que é autista e nem sempre obedecia quando esta lhe pedia para que ficar perto dela. A polémica instalou-se no Brasil, mas por cá quase nem se ouvem falar, apesar de a tendência estar a crescer.

A necessidade de emancipação: tal como Harry, também Cândida e Alexandra tiveram que se afastar das famílias
A necessidade de emancipação: tal como Harry, também Cândida e Alexandra tiveram que se afastar das famílias
Ver artigo

As trelas são seguras?

Na opinião de Hugo Rodrigues, pediatra na Unidade Local de Saúde do Alto Minho, em Viana do Castelo, a resposta é sim: "Acho boa ideia por vários motivos. Primeiro, porque garante a segurança aos miúdos por serem controlados com este sistema, segundo, permite que eles andem no chão ou estejam presos no carrinho ou ao colo, por isso têm mais liberdade para explorar, e, por fim, porque dá mais liberdade aos pais para que não tenham de estar sempre em cima deles", explica à MAGG o pediatra.

Poderia-se pensar, no entanto, que as trelas não são seguras do ponto de vista de possíveis acidentes relacionados com um puxão mais brusco através das fitas, por exemplo. Mas nem isso faz o pediatra Hugo Rodrigues, autor do site Pediatria para Todos, duvidar da eficácia das trelas.

"Claro que existem sempre riscos, mas neste caso são pequenos. Estas trelas prendem com uma espécie de corpete, mochila ou nos braços, portanto há mais risco de, por exemplo, ao levar a criança pela mão e puxá-la, poder provocar uma lesão. Por isso, o risco é mínimo", diz.

Que tipos de trelas existem?

Ainda que não seja comum, Ana Isabel Frade não é caso único. Jessica Pereira, 27 anos, foi outra das mães que acusou ser adepta desde sistema, do qual fala com algum humor.

"Uso!", disse à MAGG e explicou: "Não em mochila, mas em colete peitoral. (Sim, estou a falar do meu filho e não do meu cão)". Afonso tem agora dois anos e foi há precisamente um, depois de começar a dar os primeiros passos, que esta mãe decidiu adquirir o colete peitoral.

Jessica vive no Reino Unido, país onde as trelas, de todos os tipos, são bastante comuns. "Eu preferi o colete peitoral porque na minha opinião dá mais segurança à criança (quando começa a caminhar ainda não se consegue equilibrar havendo sempre quedas) e como este suporte é na zona do peito e o fecho nas costas, não há risco de a criança o abrir e também ajuda a suportá-la quando tem alguma queda", explica.

Ao inicio o colete era até uma forma de brincadeira para Afonso: "Como ainda não percebia, ao caminhar ele puxava-se para a frente porque gostava do facto de ficar meio pendurado quando oferecíamos resistência à trela".

Como é que os pais devem acordar as crianças?
Como é que os pais devem acordar as crianças?
Ver artigo

Por isso, Afonso sempre aceitou bem o colete, deixando que os pais o colocassem, e agora até é o próprio a querer: "Hoje em dia, assim que o vê é o próprio a dar os braços para colocarmos o colete", conta a mãe. Contudo, tem já 2 anos e Jéssica refere que a trela quase não é  necessária, sendo apenas usada quando vão passear para fora da zona de residência ou num local com muito movimento.

Além do colete, há mais uma trela que pode ser colocada no pulso. Existem várias à venda e a da Doodle é uma delas, marca que surgiu quando Cátia Pais foi mãe de gémeos e deparou-se com alguma dificuldade em adquirir certos produtos para os bebés.

Entre os mobiles e as fraldas de pano, que faz artesanalmente, decidiu juntar à marca as pulseiras trela: "Surgiram no seguimento de uma sugestão de um cliente e achei uma opção importante e diferente das comuns trelas. Sei que o fornecedor as testa devidamente e só tenho produtos cuja qualidade testo antes de vender", explica Cátia, costureira e técnica superior de educação, à MAGG.

O pediatra Hugo Rodrigues, só vê vantagens no uso desta técnica e lamenta que sejam ainda pouco aceites: "Culturalmente a população portuguesa não está muito preparada e não gosta de ver. Mas é só uma questão de visão, porque associam aos animais", diz e acrescenta que é possível que o conceito seja mais bem aceite pelos pais das gerações mais novas, que estão mais recetivas a esta forma de proteção das crianças.