aqui lhe tínhamos dito que o 180 The Strand, em Londres, foi palco de um dos momentos mais falados da última edição da London Fashion Week, com o regresso da H&M às passerelles, que contou com uma primeira fila recheada de ícones, um concerto de Lola Young e um alinhamento de modelos com nomes consolidados e emergentes.

O espetáculo foi multisensorial, mas, para Ann-Sofie Johansson, diretora criativa e conselheira da marca, o verdadeiro impacto da noite não se mediu apenas em aplausos.

No rescaldo do desfile, que aconteceu a 18 de setembro, a responsável das coleções da marca, "já recuperada" depois da euforia que este evento acarretou, contou à MAGG que o diálogo entre moda e cultura, entre o passado e o futuro, era aquilo que mais ambicionava com este evento e, sobretudo, com as novidades lá apresentadas – tudo o que dizia respeito à coleção A/W25, bem como as novas linhas Studio e Atelier, portanto.

Veja as fotos do desfile

“Para mim, a moda olha muitas vezes para trás”, diz-nos Ann-Sofie Johansson, acrescentando que o desafio passa por "colocá-la num novo contexto, torná-la relevante para quem vive no presente". Esse foi o ponto de partida da coleção AW25, inspirada em universos aparentemente opostos: o brutalismo e dureza de São Paulo e o minimalismo e delicadeza de Estocolmo, que culminaram numa passerelle em que as estruturas rígidas conviviam com peças de toque artesanal, com acabamentos crus e, simultaneamente, silhuetas femininas e fluídas.

Contudo, a par do que é estético nos tempos que correm, trata-se de filosofia. A moda, acredita a responsável, só é relevante quando se abre à vida real e ao seu tempo. "É claro que olhamos para os anos 90, para referências que marcaram a época, mas nunca com a intenção de as reproduzir" na totalidade, explica, deixando explícito que a nostalgia pode ser uma ferramenta para projetar o futuro, mas que só faz sentido quando traduzida em silhuetas, cores e cortes que ressoem no presente.

E como discordar de quem fala com a confiança de quem conhece a marca por dentro como poucos? Afinal, hoje com 62 anos, Ann-Sofie Johansson iniciou a sua trajetória na H&M aos 20, como vendedora, e não demorou até perceber que queria fazer parte do núcleo criativo. Dentro da gigante sueca, conseguiu assumir a chefia do departamento de design em 2008, cargo que ocupa até hoje. Por isso, do percurso que fez dos provadores aos escritórios, conseguiu perceber a importância de estar atenta às necessidades e desejos do cliente.

ann-sofie johansson
ann-sofie johansson © H&M

Esse contacto com o outro lado da marca foi valioso e transformou-se num guia de como encararia a profissão, impactando a forma como a própria H&M desenvolve suas criações. Por isso, esse mesmo olhar humano e curioso continua a ser o farol para todo o processo criativo. Quando questionada sobre onde encontra inspiração, Ann-Sofie Johansson foi clara: não está apenas nas redes sociais, mas na vida real e na observação de "pessoas e em como elas vivem a vida".

"Observar o que as pessoas realmente vestem, como combinam peças ou reinterpretam tendências no seu dia a dia é essencial", sublinha. E é por isso que a Studio continua a ser um dos projetos mais relevantes dentro da H&M, assumindo-se como uma linha em que a equipa pode arriscar mais, experimentar materiais e proporções, e até explorar narrativas visuais mais ousadas. É quase como uma "incubadora" das restantes linhas, explica a responsável, dizendo que este está em permanente diálogo com o mundo ao seu redor.

Esse caráter experimental, contudo, não reflete uma desconexão do cliente. Pelo contrário, a diretora criativa insiste que cada coleção começa sempre com uma pergunta simples: quem vai vestir estas peças? "O cliente é o que realmente dita o que vamos fazer. Perguntamo-nos o que eles querem de nós, o que precisam de nós e quais são os seus sonhos", partilha. É a partir daí que nasce o equilíbrio entre novidade e familiaridade, entre a ousadia de lançar algo desafiante e a responsabilidade de criar peças úteis.

Casacos, vestidos e botas. Estamos loucos com estas 21 peças luxuosas da nova coleção H&M Studio
Casacos, vestidos e botas. Estamos loucos com estas 21 peças luxuosas da nova coleção H&M Studio
Ver artigo

Esse equilíbrio entre o aspiracional e o usável está igualmente no cerne da Studio. Embora seja a linha mais moda da H&M, o conforto nunca é deixado de lado. "Testamos muito. Fazemos testes de roupas. Caminhamos, dançamos, usamos as peças. Perguntamo-nos sempre: esta peça serve só para a pista de dança? Para o trabalho? Para o dia a dia?", continua Ann-Sofie Johansson, deixando evidente que cada peça precisa acompanhar o cliente em qualquer circunstância, pelo que isso é sinónimo de cortes e tecidos inteligentes, assim como de uma atenção redobrada.

"Eu não quero vestir nada que seja desconfortável”, refere, admitindo, entre risos, que a idade também trouxe mais intolerância a roupas impraticáveis. Ainda assim, há um lado pessoal que a diretora criativa da marca sueca não esconde: a sua predileção pelos tão conhecidos "power suits". “Eu adoro um bom fato. É versátil, pode usar-se com uma T-shirt por baixo, ou de forma mais formal. Para mim, são absolutamente as minhas peças favoritas", afirma. O entusiasmo é contagiante, sobretudo porque revela o quanto a diretora criativa continua a viver a moda como território emocional, para lá da estratégia e do negócio.

Mas atenção que a estratégia está lá. Se a H&M Studio, como dizia, é uma incubadora, ao testar novos materiais, proporções ou narrativas visuais, é também dela que nasce grande parte da inovação que, mais tarde, chega às linhas principais da marca. “Normalmente começa com a H&M Studio, porque é uma coleção mais limitada, onde podemos ser mais moda. Depois, pode descer para as coleções principais. Talvez durante a mesma temporada ou até no ano seguinte”, continua.

Veja os looks da Studio Collection

A par disso, esta linha tão especial procura responder ao futuro estrutural da moda, sendo menos descartável e, por outro lado, mais intemporal. "A moda precisa de ir mais além do consumo imediato", reforça Ann-Sofie Johansson, reiterando que esse é o caminho inevitável para marcas de grande escala. Ou seja, embora não descure que a H&M seja uma marca de fast fashion, acredita que faz parte do movimento crescente de combinar a velocidade da produção com responsabilidade, acessibilidade e propósito.

Esse papel da H&M na indústria é, aliás, um dos pontos sobre os quais a diretora criativa mais reflete. "Nós seguimos a cultura, porque temos de estar atentos ao que acontece, mas também podemos construí-la. O evento em Londres foi exemplo disso - mostrar que um desfile não tem de ser tradicional, pode ser algo multissensorial, divertido, em diálogo com a música e a arte", frisa. Não é ao acaso que esta vê a moda e a música como linguagens irmãs. "Ambas falam diretamente com as pessoas, não precisam de tradução. São democráticas", resume.

Fomos ao regresso da H&M à Semana da Moda de Londres conhecer a coleção mais premium da marca
Fomos ao regresso da H&M à Semana da Moda de Londres conhecer a coleção mais premium da marca
Ver artigo

E é nessa democracia criativa que reside o futuro da moda, acredita. Um futuro que precisa de “mais criatividade, mais coragem e mais apoio à sustentabilidade”. Assim, Ann-Sofie Johansson não tem dúvidas de que é tempo de arriscar. “Às vezes, não podemos minimizar o risco a toda a hora. Temos de olhar em frente e apoiar a criatividade. Esse é o pensamento que precisamos, especialmente nos tempos em que vivemos”, afirma.

Quando questionada sobre como gostaria que a coleção H&M Studio fosse lembrada daqui a 20 anos, a resposta vem sem hesitação: como "criativa, surpreendente e sustentável". Três palavras que, no fundo, traduzem a coleção e, simultaneamente, a própria filosofia de Ann-Sofie Johansson, a par do legado que continua a construir dentro da gigante sueca.