Há coleções que se veem, outras que se sentem e depois há as de Diogo Mestre, ao leme da Mestre Studio, que nos consegue pôr a fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Em "Trugia", a coleção que apresentou este sábado, 4 de outubro, na ModaLisboa Base, o jovem designer mergulha no território do esquecido, onde os objetos perdem utilidade, mas nunca a alma.
O título foi emprestado do vocabulário popular do Alentejo. Para quem não conhece a palavra (ouvimos e não julgamos, atenção), esta refere-se a "um conjunto de coisas sem préstimo ou valor". Contudo, Diogo Mestre transforma essa definição num manifesto sobre o que realmente é durável no tempo, mesmo depois de o brilho se apagar. E é seguro dizer que vai ser o caso desta coleção.
"O meu imaginário está no passado, não está no futuro", diz o criador à MAGG, quando questionado sobre a razão pela qual o passado continua a ser motivo do seu fascínio. "Sou uma pessoa nostálgica", admite, entre risos, deixando claro aquilo que define o seu trabalho – uma estética que não procura o amanhã, mas que se centra no ontem à procura de fragmentos de identidade.
"As minhas coleções são muito sentimentais. Todos os objetos, de forma consciente ou inconsciente, remetem-me a alguma parte da minha vida”, diz, sem esconder o lado confessional que atravessa o seu processo de criação. Por isso, não é de estranhar que, depois de "Não Me Esperes Para Jantar", apresentada em março, "Trugia" amplie o olhar sobre o passado, mas, desta vez, de uma forma coletiva.
"Para mim. é muito difícil conseguir-me relacionar com uma coisa que ainda não aconteceu", explica, dizendo que é nessa fidelidade à lembrança que constrói a sua linguagem. Ou seja, as coleções da Mestre Studio, e esta não sendo a exceção, cose-se com linhas de memórias, sentimentos e uma noção inabalável da fugacidade da vida e das suas criações.
"As coleções são efémeras. O que hoje é aplaudido, daqui a dois anos já ninguém se lembra", reconhece o designer. A frase poderia deixar um amargo de boca em qualquer um, mas não é o caso. Há uma aceitação tranquila, quase poética, até porque “Trugia” é um estudo sobre a beleza da deterioração em que tecidos com texturas vivas, volumes descontruídos, cores terrosas e formas evocam o desgaste nobre do uso.
Os casacos de género capa, reinterpretados como samarras, surgem como homenagens à ruralidade e ao quotidiano do campo. As galochas da Hunter, que pisaram a passerelle do Pátio da Galé, são a prova de que nostalgia também pode ser luxo. "Foi um casamento muito feliz. Já era para ter acontecido há mais tempo, e acabou por ser bom porque me permitiu criar esta coleção já a pensar nas botas", conta.
Essa aliança entre o funcional e o emocional materializou-se em silhuetas que equilibram a dureza do trabalho com a leveza da infância – “a criança feliz a saltar nas poças de água”, como descreve. A par disto, as malhas, que pontuam a coleção, são quase uma assinatura emocional. Afinal, há alguma coisa que remeta mais para a infância do que as camisolas quentinhas que nos obrigavam a vestir? Temos sérias dúvidas.
No entanto, o diálogo entre material e memória é também feito de respeito pela matéria-prima. Diogo Mestre é conhecido pelo respeito pelos tecidos que usa, muitas vezes fruto de deadstock e materiais orgânicos, ou de "tecidos guardados no arquivo pessoal", acumulados ao longo dos anos. "Tento sempre reaproveitar materiais que já existem. É melhor para nós, para o consumidor e para toda a gente", explica.
Sobre o momento que esta coleção representa no seu percurso, Diogo Mestre diz que é alusiva de uma era em que se sente "mais despreocupado, mais maduro criativamente e mais certo daquilo que quer". É prova da maturidade de quem já não precisa de provar nada, apenas continuar a criar e talvez a deixar-se reencontrar. Porque, como ele próprio diz, “a trugia pode ser uma peça suscetível de voltar a ser encontrada".