Os dias passam, o coronavírus avança e as grandes decisões de Estado continuam a ser adiadas, empurradas para a frente com a barriga, enquanto as autoridades se vão limitando a dizer às pessoas para ficarem em casa e lavarem as mãos. Lamento, mas não chega. Não nos podem dizer “fiquem em casa” e continuar a adiar a decisão de fechar os centros comerciais. Não se pode dizer “fiquem em casa” e continuar a ter o metro a funcionar como se nada se passasse. Não se pode dizer “fiquem em casa” e deixar na mão dos patrões a decisão de permitir, ou não, que milhares de pessoas não compareçam ao trabalho, porque muitos deles vão simplesmente assobiar para o lado e dizer “não senhor, faça favor de se apresentar ao serviço”.
Como disse na minha anterior crónica, não culpo os patrões, os gerentes dos micro, pequenos e médios negócios, que simplesmente estão a fazer pela vida, a tentar ver se no final do mês conseguem ter dinheiro para a família e para pagar os salários aos funcionários. Não cabe a estas pessoas resolver o problema que se vive no País, o problema de saúde, humano e económico. Uma conjuntura como esta exige medidas urgentes, assertivas e drásticas, e não políticas de circunstância iguais àquelas que um qualquer governo adopta em qualquer momento de uma qualquer legislatura.
O gravíssimo problema de saúde que enfrentamos vai gerar um gravíssimo problema humano, social, económico se não forem tomadas já as medidas certas. É urgente que o Governo, e até o Presidente da República, sentem à mesma mesa as grandes empresas que movimentam o País, bem como os principais bancos, porque está nas mãos precisamente do Governo, da banca e das grandes empresas a tomada de decisões que podem ajudar a salvar o País da bancarrota, de uma taxa de desemprego como nunca se viu, da falência de milhares de pequenos negócios, da ruína de milhares de famílias.
Quando foi a banca a precisar dos portugueses, estivemos cá para, com os nossos impostos, salvarmos os BPN, os Novos Bancos. Se a Caixa Geral de Depósitos conseguiu enfrentar vários anos de profunda crise económica sem abalar foi porque nós, os que temos lá os nossos ordenados, as nossas poupanças, que pagamos milhares de milhões em juros de créditos, contribuímos para que o banco público se aguentasse sólido. Se a Altice, a EDP, a NOS, a Galp, a SONAE ou a REN continuam a apresentar milhões de euros de lucros, anualmente, que são distribuídos pelos acionistas, é porque nós, portugueses, lhes damos esse dinheiro a ganhar com o que pagamos de rede de televisão, de gás, de luz ou nas compras que fazemos nos centros comerciais. Nós fizemos a nossa parte. Agora é a vez de vocês fazerem a vossa.
O País vai enfrentar, na melhor das hipóteses, dois a três meses de paralisação total, em que a maioria das empresas vai ter de parar ou ver a sua atividade reduzida a 10, 20, 30 por cento. A faturação vai passar a ser nula, ou vai cair na casa dos 70, 80, 90 por cento. Mas continua a haver ordenados que têm de ser pagos, continua a haver rendas que têm de ser pagas. Continua a haver créditos que têm de ser liquidados. E isto é válido para as empresas, como é válido para a esmagadora maioria dos cidadãos. Se ninguém fizer nada, se as grandes empresas deste País e a banca não se juntarem ao Governo na procura de uma solução que sirva os interesses do País e dos portugueses, então, vamos todos abaixo, afundamo-nos todos, e aqui estou a pôr no mesmo barco estas grandes empresas e a própria banca.
A única forma de conseguirmos sair daqui vivos e saudáveis é se a banca e o governo encontrarem forma de adiarem o pagamento de prestações de crédito a habitação, ou créditos pessoais. E as grandes empresas perdoarem o pagamento de serviços de primeira necessidade, como a água, a luz e o gás, ou pelo menos garantirem que o pagamento é residual, sem lugar a lucro, por forma a que as pessoas paguem pelos serviços o preço de custo dos mesmos, e não os lucros. É a Segurança Social e o Ministério das Finanças perdoarem os pagamentos das retribuições, ou não cobrarem juros pelos atrasos nos pagamentos. E isto tem de ser decidido já, por forma a que haja confiança generalizada para enfrentarmos este problema.
A pergunta é: mas então e essas grandes empresas vão passar a ter prejuízos brutais? Vão. Mas é esse o preço que devem pagar pelos anos e anos de lucros milionários que têm registado, à custa dos portugueses. Nós temos feito sempre o nosso papel, e engordado os gigantes. Agora, é a vez de sermos nós a estender a mão. Só que já sabemos que se formos nós a estender a mão não vai acontecer nada. É a altura de o Governo se impor, de o Presidente da República deixar de nos falar num skype manhoso da sua biblioteca caseira e pôr os interesses e a sobrevivência do País à frente dos interesses da banca e das grandes empresas. Isto vai resolver o problema? Não sei. Sei, sim, que se este cenário estiver em cima da mesa, então, é muito mais provável que as autoridades nos peçam que fiquemos em casa e nós, confiantes, acataremos. Agora se soubermos que o preço de ficar em casa é o preço de não ter como pôr comida na mesa daqui a umas semanas, então, ah, então que se lixe o COVID, porque a minha família é mais importante e vem em primeiro lugar.
Agir, agir, agir. Agir já, não é hoje, não é amanhã, já devia ter sido ontem.