Estou extremamente confusa. Antes de estrear, andava aí um zum zum que dizia que o grupo de concorrentes do "Big Brother 2020" ia corresponder a um retrato muitíssimo fiel das "pessoas reais". Mas eu juro que nunca conheci ninguém assim. Nunca conheci ninguém que berrasse as tripas, o coração, os órgãos todos, basicamente, ao ver uma galinha morta. Com todo o respeito pela senhora galinha, não me entendam mal, mas aquela gritaria foi de doidos. Houve um momento em que achei que a cabeça daquela Ana Catharina ia simplesmente explodir. Depois, também nunca conheci ninguém que dissesse "amigalite", para se referir a uma amigdalite, nem ninguém que dissesse "xenofóbico" para se referir a homofobia ou xenofobia, fiquei sem perceber. "Prontos" até já ouvi na vida real, mas o resto... Estranhíssimo mesmo, onde é que estão estas pessoas? Isto para mim são aves raras.

Estas foram algumas das reflexões que nasceram da minha primeiríssima gala de "Big Brother".  É verdade, nunca vi o Zé Maria, coitadito, a cuidar das galinhas, nem vi o pontapé do Marco à Sónia que, WTF, foi claramente um momento de violência contra as mulheres, mas numa altura em que ainda ninguém ligava patavina a isso.

Por falar em questões fraturantes, de longe, a coisa mais deprimente que aconteceu neste programa: o povo português decidiu que Hélder — um homem provavelmente muito mal resolvido com a sua sexualidade —  continuaria dentro de casa, porque, coitadinho, quando ele diz que prefere ser mulherengo a gay, ele está só a brincar, não há ponta de maldade nesta frase, imaginem. Mas há, amigos: este é o pensamento ligeirinho que mais sustenta a homofobia, porque, no fundo, normaliza-a. Por outro lado, o público decidiu que Edmar, o concorrente homossexual que esteve no centro da polémica nojenta em torno dos comentários discriminatórios de Hélder, fosse eliminado. Isto tudo no Dia Mundial Contra a Homofobia, que se celebrou no domingo, 17 de maio. É bem, Portugal! 

Basicamente, ainda em relação a isto, parece que a TVI, apesar da falsa severidade com que lidou com toda a situação, aprova este tipo de postura. É pura especulação, eu sei, mas reparem no momento surreal que aconteceu depois: Hélder não só ficou dentro de casa, como foi eleito líder (ou seja, pelo que percebi, está imune à nomeação para ser expulso), tudo porque soube responder à pergunta: "Em que ano o Titanic se afundou". Por favor, acreditamos mesmo que ele sabia que o barco tinha ido abaixo em 1912? Pá, lol. Claramente houve alguém que lhe disse, alguém que acha que a permanência dele nesta casa vai gerar audiência. Honestamente, achei a resposta de Ana Catharina mais normal e adequada ao QI geral da casa: segundo a mesma, o Titanic terá afundado em 1997, curiosamente, o mesmo ano que que Kate e Leo protagonizaram o filme com o qual todos já chorámos.

"Big Brother 2020". La Familia 2.0, nomeações combinadas e um pedido de casamento. O melhor e o pior da gala
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Enfim, mais questões. Antes de continuarmos, há aqui uma coisa que eu tenho de admitir já: basicamente, eu não percebi o que é que foi falado 80% do tempo, porque, sinceramente, tenho imensas dificuldades em perceber o que é que aquelas pessoas estão a dizer. A sério: aquele Pedro Soá esteve 15 minutos a reclamar e eu até agora não percebi qual era o problema dele, não sei o que é que o arreliou tanto com aquele Diogo, o único que se sabe articular. De resto, todos têm gravíssimos problemas de expressão. É malta que sente intensamente, malta que sente com muita força, não vou dizer o contrário, mas que claramente não consegue transpor esses sentimentos para palavras. Vejamos o caso de Vitó, que pediu a Sónia em casamento em direito. Além de o homem ter spoilado o próprio pedido de casamento (isto é, disse que ia pedir, antes de formalmente pedir), proferiu a seguinte frase: "Sabes porque te chamo de vida? Porque és a minha vida." Obrigada pelo esclarecimento, Vitó. Estávamos aqui às aranhas com isso. Depois, tivemos a minha frase preferida do programa: "Já está mais do que comprovado que não sou homofóbico". Sim, Hélder, cá fora temos a comunidade científica toda concentrada nesta questão, já foram reunidos vários grupos de controlo, já há muita investigação em marcha, de tal forma que já se fizeram várias metanálises, vê lá a dedicação.

Mas, pronto, ao menos um peca por redundância e outro por pura estupidez. Em muitas outras situações consegue ser muito pior: inventam palavras, misturam ditados populares e lugares comuns, criam novas expressões, que dizem com um ar muito sério, muito intensamente, como se nós soubéssemos de que é que eles estão a falar. Aquela Teresa, a nova concorrente, é que disse bem: "Parece que estou a assistir a uma aula de alemão". Estou contigo, irmã. É suposto eu perceber o que é que quer dizer " Jogar 200% por cima"? Pá, por intuição até vou lá, mas antes disso tenho o Tico e o Teco um bocado às voltas. Sofrem todos um bocado da síndrome Cristiano Ronaldo, mas com a diferença de que CR7 está a par do seu problema, portanto nunca se estende muito na quantidade das palavras utilizadas, limitando-se ao jargão básico do futebol: "sim", "não", "jogar", "adversário", "demos o nosso melhor", "há que levantar a cabeça", "ganha quem marca mais golos". Isto toda a gente percebe. Pronto, depois temos o Jorge Jesus que fala pelos cotovelos, mas é diferente, porque, sei lá, já o viram a interagir com a Paula Rego? Exato. Épico.

Este é, na realidade, o programa de excelência para a calinada no português. E, por isso, quando não se está concentrado no exercício árduo de decifrar os significados, até chega a ser delicioso assistir a isto. Tiro o chapéu ao Cláudio Ramos que vai falando com esta malta, mesmo quando não percebe nada do que eles estão para ali a dizer. Por falar em Cláudio Ramos, o único momento que me fez rir alto foi quando, logo no início, o apresentador responde à chorosa mãe de Hélder, cheia de saudades do seu filho: "Rosário acalme-se querida, pf". Um misto de pena com desprezo não intencional que eu amei.

Por último, é de salientar o facto de já todos serem tão amigos e inimigos ali dentro. Claramente, uma das regras para a selecção dos candidatos, tem que ver 1) com o seu nível de intensidade 2) com o seu nível de verborreia. Em duas semanas, já discutem, já choram, já gritam, já namoram, já segredam, já têm conversas profundíssimas, já se amam, já se odeiam. Mas, pronto, é pensar que eles estão a viver sem televisão, sem telemóvel, sem internet, e que provavelmente não apreciam muito a leitura. Temos de reconhecer-lhes algum valor nesta capacidade de se relacionarem. Se a mim me pusessem naquela casa, meu deus, enfiava-me num quarto às escuras a chorar, tinha medo de sair cá para fora e provavelmente nunca mais na vida ia ver os meus pais, que, das duas uma: 1) internavam-me; 2) deserdavam-me.

Pronto, e, basicamente é isto: chocada pelo choro da galinha, ainda mais chocada com a homofobia crónica e muita dificuldade em compreender estas pessoas. É criarem um dicionário novo só para assistir a BB. Por último, um apelo à TVI: por favor, parem de enviar aviões, que a pegada ecológica dessa acção é um atentado ecológico.