Fui à Via Sacra. Fui até onde consegui porque, sem a acreditação oficial da Jornada Mundial da Juventude, poucos eram os recantos em torno do Parque Eduardo VI, Marquês de Pombal e Avenida da Liberdade onde se conseguia aceder (e bem, pelos óbvios motivos de segurança). Num mar de gente, sozinha, chorei. O choro da fé, ainda que seja uma fé em conflito, é uma emoção quase visceral. É uma convulsão que vem da alma, é uma dor e uma alegria do âmago, são lágrimas que nos fecham a garganta e nos impedem de falar. É um silêncio cá dentro, é um grito dentro do corpo.

Durante a semana, vi uma Lisboa paradoxal: invulgarmente vazia para os agostos dos últimos anos, que significavam uma invasão ainda maior de turistas, mas tomada por um mar multicolor de jovens, em grupos, empunhando bandeiras, cantando. Muito novos, muito alegres, muito educados, muito felizes. Irritantemente felizes, impossivelmente civilizados, uma antítese daquilo que os mais velhos (nós, eu?) querem que eles sejam. E nos supermercados, nas pastelarias, nos cafés, não vi gente irritada nem mal encarada, nem a desesperar por terem casas a abarrotar com consumidores que não iam ali gastar fortunas. Vi gente de boa vontade. E isso foi surpreendente. Ainda assim, quem era de Lisboa fugiu. Assustada com o que aí vinha, muita gente também se terá sentido escorraçada da sua cidade e com medo de que, nestes dias, a vida fosse um caos. Não tem sido.

Ainda assim, acho que esta Jornada Mundial da Juventude não foi nem para a cidade nem para o País. Foi para quem cá veio, que desfrutou, viveu e vai embora. A cidade, passado este hiato, seguirá com os mesmos problemas: o lixo, a pobreza, o drama cada vez mais irresolúvel da falta de habitação condigna. E esta Igreja, que aqui se tentou mostrar como pátria da fé católica, continuará com as mesmas falhas. Não esquecemos a postura vergonhosa dos seus líderes com os casos de abusos sexuais de menores, não esquecemos as declarações que foram proferidas, desvalorizando a dor do Outro. Não esquecemos que há dinheiro para receber de braços abertos os estrangeiros mas não há para ressarcir as vidas que, ao longo de décadas, foram destruídas.

E, assim, é difícil fazer as pazes com esta Igreja. Não acredito em fé sem instituição. Não sou adepta da máxima "ai, eu tenho a minha própria fé", que dá muito jeito a quem não se quer envolver verdadeiramente numa crença e que acha que se podem construir religiões a la carte consoante as conveniências. Mas esta Igreja não pratica os ensinamentos de Jesus. O amor incondicional ainda não venceu a discriminação, o ódio, a xenofobia, a homofobia, a transfobia. Jesus nunca discriminou as mulheres e, no entanto, 2000 anos depois, estas continuam a ter um papel subalterno na Igreja. Jesus era Amor e os homens da Igreja têm vidas onde o amor é limitativo e não espelha a realidade do Mundo. Jesus tirava a dor a quem sofria e esta Igreja defende o sofrimento até à morte. Não me quero afastar desta Igreja porque ainda tenho fé mas é extremamente difícil - cada vez mais difícil - fazer parte dela.

Em agosto, Raquel Costa, diretora-executiva da MAGG, escreve 4 parágrafos sobre os temas do dia (e os intemporais)