Então agora anda aí tudo maluco com a borla que o Medina está a dar à Madonna, não é? Parque para 15 carritos a 720€ o mês, hein, sacanas.

Normalmente, este tipo de situações acorda o Batanete que vive aprisionado dentro de cada um de nós e faz-nos levar para as redes sociais aquela piada óbvia que achamos incrível, mas que estamos a copiar de um amigo, achando, claro, que ele não vai ver, até porque muito provavelmente ele já a copiou de outra pessoa qualquer. Só isso explica que, nos últimos dias, no meu mural de Facebook tenha lido uns 378 posts que diziam, todos, mais ou menos o mesmo. E era isto:

“Oh, Medina, também me dava jeito um lugar ali na minha rua para estacionar o meu carro”.

Ahahaha. Hilariante.

É nestes momentos que preciso de inspirar, expirar e repetir o movimento umas quantas vezes. Depois, com calma, tentar explicar às pessoas aquilo de que elas deviam ter consciência, ou pelo menos um bocadinho de noção das coisas. Primeira explicação: vocês, pessoas anónimas do Facebook, não são a Madonna, logo, não esperem ser tratados (por ninguém) como a Madonna é. Podem estrebuchar, fazer reclamações institucionais, manifestar-se em frente à Assembleia, inundar o Facebook de piadas à lá “Malucos do Riso”, mas isso não vai mudar esta coisa óbvia que é a de que vocês não são a Madonna.

Crónica. Fecharam a Pastelaria Suíça? E agora onde é que bebo um café e uma água por 4 euros e tal?
Crónica. Fecharam a Pastelaria Suíça? E agora onde é que bebo um café e uma água por 4 euros e tal?
Ver artigo

A Madonna não tem privilégios porque vivemos numa sociedade onde não há igualdade, num mundo de corrupção, rodeados de políticos vassalos. A Madonna tem privilégios aqui, como na China, apenas porque é a Madonna, mas também porque quem lhe atribui esses privilégios espera recolher daí algum tipo de dividendos. Fernando Medina não cedeu 15 lugares de estacionamento à moça do “Like a Virgin” na Rua das Janelas Verdes porque espera que ela um dia lhe cante o “Papa Don’t Preach” ao ouvido enquanto jantam a dois no Solar dos Presuntos. Medina tem consciência da importância para a cidade de ter por por lá a viver uma senhora que é, talvez, uma das 10 personalidades mais conhecidas do mundo, e seguramente uma das 50 pessoas mais conhecidas de sempre (peço desculpa por esta estatística ao estilo Bruno de Carvalho, mas à falta de dados melhores uma pessoa vai lá pela intuição — espero que a minha esteja mais apurada do que a dele).

Semanalmente, Madonna fala de Lisboa, da sua vida em Portugal, veste a camisola da seleção, mostra restaurantes da cidade, ruas, paisagens e passa a vida a elogiar o nosso País na sua página de Instagram, que é seguida por 11 milhões de pessoas em todo o mundo. Não é possível fazer uma contabilização efetiva do retorno financeiro que isto representa para a cidade, para o turismo, não há como calcular em dinheiro o que isto significa em termos de notoriedade para o País (talvez Bruno de Carvalho o consiga com as suas estatísticas), mas de uma coisa tenho a certeza: representa bem mais do que o desconto que Medina lhe fez para que ela pudesse estacionar os seus 15 carros a preço de saldo nas Janelas Verdes.

Um homem nunca ganha uma discussão em casa, mesmo quando acha que ganha
Um homem nunca ganha uma discussão em casa, mesmo quando acha que ganha
Ver artigo

As pessoas que gostariam de ter estes privilégios, e reclamam pela igualdade de tratamento, são provavelmente as mesmas que vão para as redes sociais de gente conhecida criticá-los por irem de férias com borlas, ou viagens pagas por marcas, deixando comentários como “com tudo pago também eu”, ou questionando por que é que as marcas não lhes oferecem viagens e presentes a elas, mas unicamente aos famosos. A resposta é simples: porque vocês não são a Cláudia Vieira, a Rita Pereira, a Cristina Ferreira ou a Madonna. Não tem a ver com o que elas recebem, tem tudo a ver com o que elas dão de volta a quem lhes oferece o que quer que seja. Argumentos como “ah, eu pago os meus impostos” também sou poucochinhos, está bem?, porque pagar impostos é um dever, e todos pagam impostos. Até a Madonna, a Cláudia Vieira ou a Cristina Ferreira. E, desconfio, não pagam pouco. E não, não estou a ter pena, estou apenas a ver a vida como ela é.