Sou, desde que me lembro de existir, perfecionista, lunática e insatisfeita. Mas declaro-me apaixonada pela minha cidade. Aquela que tantos avecs adoram e que agora, graças ao facto de se ter tornado numa das “melhores e mais bonitas cidades da Europa para visitar”, fez com que eu tenha de viver na periferia.
Isto não é mau perder. Adoro que Lisboa se mostre ao mundo e que seja mimada, elogiada e querida por cada vez mais pessoas. Mas caramba, esta cidade é minha— é nossa. Deixem-me também poder sentir-lhe o sabor. Deixem-me poder vivê-la. Não quero vê-la cheia de obras, não quero todos os dias andar em slowmotion pela Baixa-Chiado, carregada com a mala, o portátil e a lancheira a ouvir em cada canto “Oh, amazing!”.
Afinal, para tudo ser amazing aos olhos de uns, e cada elétrico ser estonteante a cada vez que passa, tenho de acelerar ainda mais o passo e quando (finalmente) consigo ultrapassar mais um chinês, um americano, dois franceses e três espanhóis estudantes de Erasmus, olho para o relógio e estou a poucos minutos da minha hora de entrada no trabalho.
Os restaurantes já não têm bitoques, o prato cheio agora é nouvelle cousine decorada com fogo de artifício. Nada contra — desde que seja saboroso — mas lembrem-se, por favor, de que convém ser "pagável” para os que cá andam durante o ano. Era bom também podermos usufruir de qualquer coisinha.
Sou portuguesa, sou simples, sou feita de pés descalços e areia nas pernas. Quero beber uma cerveja e discutir se a melhor é a Sagres ou a Super Bock, enquanto a minha certeza final será sempre a de que vão as duas bem com um pires de tremoços. Uma esplanada precisa é de amigos, não é de cocktails cheios de truques e temperos. Gostava que todos pudéssemos usufruir do que é nosso.
Por vezes sou egoísta, e gosto de gritar ao mundo que temos uma Costa Vicentina com água quente e que em uma hora e meia temos praias desertas. Que na Nazaré temos peixe acabado de pescar e que este já nos chega escalado ao prato. Que em Torres Vedras o Carnaval se vive em três dias. E que o Algarve é um paraíso. Não me tirem a sorte de nascer num sítio livre, seguro, de grandes almas e corações bons. Sou filha da terra, e quero-nos de volta.
Vá, vão-se lá um bocadinho embora. Deixem-me só um pouco de céu para me espreguiçar à vontade. Deixem-me, pelo menos, com um pôr do sol em Peniche, um que seja só meu. Depois podem voltar, mas venham pé-ante-pé e não façam muito alarido.
Eu sei, isto por aqui é demasiado bom para parecer verdade. Mas vivam a cidade em silêncio ou em sussurros, baixos e discretos. Até porque por aqui alto e em boa voz é fado o que se faz ouvir. Vivam-no connosco. Vejam como é tão simples, vejam como é tão bom.