De cada vez que anunciam mais um caso de violência doméstica, tanto com homens como com mulheres, de cada vez que me dizem que não há motivo para continuar porque os dois sexos estão em pé de igualdade, de cada vez que ouço um piropo na rua e comentários entre miúdos e adultos como "tu usas cor de rosa? Que menina" —  reviro os olhos, suspiro e percebo: o feminismo é uma luta que (ainda) está longe de estar ganha.

Eu percebo, ou pelo menos tento perceber. Vivemos numa sociedade machista e fomos educados a dizer e achar que as mulheres conduzem pior do que os homens, que um homem não dança e que as lides da casa são o trabalho de uma mulher. Quando não o dizemos, mostramos. Os homens ainda têm vergonha de chorar em público e a culpa é nossa. Está intrínseco na educação e revela-se cada vez mais com o passar da idade. Muitos casais não chegam a discutir quem fica com cada tarefa.

Depois existem, e ainda bem, aquelas raras e felizes exceções em que há uma divisão e não uma "ajuda", mas já lá vamos.

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Comecemos pelo básico — escrevam isto num bloco, na mão ou na testa. O feminismo nunca foi outra coisa que não a luta pela igualdade de direitos, oportunidades e deveres entre os géneros. Ser feminista não é, portanto, exclusivo nem apanágio das mulheres, senão de toda e qualquer pessoa que acredite numa sociedade equalitária e democrática.

Quando a Marta Gonçalves Miranda, diretora-executiva da MAGG, me disse há uns dias: "Luísa, este evento é a tua cara. Vais ao Dream Gap by Barbie", fui ler e percebi, sim é a minha cara. Nunca fui fã da Barbie, mas a desigualdade de género sempre me deu alguma comichão. Por isso, não podia ser mais a minha cara, é verdade.

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O Dream Gap by Barbie não foi só um evento. Foi — e é — um projeto nacional, o Programa Escolar Tu podes Ser O Que Quiseres, onde pretende-se combater a desigualdade de oportunidades sentida pelas meninas na infância. Isto porque um estudo realizado pela Mattel concluiu que, aos 6 anos, as raparigas deixam de sonhar porque sentem que não vão conseguir concretizar os seus sonhos.

Quer através de Barbie bombeira, juíza ou astronauta, quer em projetos nas escolas, esta iniciativa pretende acabar com este pensamento e mostrar às crianças do sexo feminino que elas podem ser tudo o que quiserem. Em Portugal, a embaixadora é a atriz Mariana Monteiro, que se dirigiu até às escolas para desafiar os alunos a elaborarem cartazes com quatro mulheres de diferentes áreas, que considerassem uma referência. O projeto, ainda em curso, irá eleger três escolas vencedoras e o objetivo é reforçar o desenvolvimento de uma sociedade igualitária.

A iniciativa é excelente. Mas, a meio do evento, pensei: o que é feito do Ken? Porque é que não há um Ken com leggings que é bailarino? O que é feito de um movimento feminista sem homens? Educar para o feminismo é educar todos — homens e mulheres.

Não existem programas que façam perceber aos rapazes que não há nada de anormal em quererem dançar em vez de jogar futebol. Que usar cor de rosa não tem nada de errado e que, quando se casarem, não têm de ajudar a mulher, têm de dividir tarefas com ela. Não vejo os movimentos feministas em debates constantes por estas questões. Porquê?

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Da mesma forma que a sociedade expecta que a mulher se enquadre no papel de mulher de família, espera-se que o homem peça a mulher em casamento, seja a figura da força, da proteção, do dinheiro (mais esbatida, mas continua) e da tomada final das decisões. E tudo isto parece tirado de um filme dos anos 60, admito, mas esbatido ou, em alguns casos, ainda muito claro, este tipo de situações estão muito presentes.

Porque motivo o sexo masculino tem de ser ou é educado a ser mais distante dos filhos? Não é igualmente pai? O que acontece depois é que um pai, educado em raízes assim, acaba, mesmo que não queira, por ter dificuldade em expressar carinho e proximidade com os filhos. Porque na sua educação o pai se inibiu de o fazer.

Eu não acredito que se consiga educar cada um para uma mentalidade de equidade, mas uma sociedade que pense de forma igualitária vai, não só influenciar os mais fechados, como tornar este tratamento natural e intrínseco. Acredito que pode passar por iniciativas nas escolas, mas que é preciso estar em todas as casas — e nos dois sexos, masculino e feminino. Porque de nada adianta explicar que chorar não é para fracos, se o meu pai (no caso de um menino) me censurar com frases como: "És um homem ou és um rato?".

Sou mulher e cresci com piropos de homens, com passagens de assédio e com mensagens desagradáveis. Desprezo um homem que acha que existe justiça e que espera que lhe coloque o jantar na mesa. Mas sei que precisamos todos, até os que têm estes comportamentos, de perceber que isto está errado — também eles são muitas vezes vitimas de uma educação patriarcal. Talvez se estes vissem as suas inseguranças discutidas e a preocupação na inclusão, se tornassem também ativistas.

O Dream Gap by Barbie não foi um falhanço, de longe. É um projeto louvável. Mas preocupa-me o descuido de tornarmos as mulheres feministas e deixarmos os homens para trás. Nenhuma sociedade equalitária se constrói assim. Queremos homens feministas mas só debatemos questões de mulheres. A desigualdade começa aqui.