Esta manhã, ao ouvir MAIS um "Extremamente Desagradável" sobre Cristina Ferreira, desta vez dedicado àquele discurso à la coach motivacional de vão de escada da Web Summit, voltou a ocorrer-me uma pergunta que me surge cada vez mais frequentemente:
"Mas não há quem diga 'não' a esta mulher?"
Duvido que Cristina Ferreira tenha ido para o palco da Web Summit com o intuito de voltar a tornar-se um meme nas redes sociais, de voltar a ser gozada pelo seu inglês macarrónico. Acredito que tenha achado genuinamente que o seu discurso era inspirador (e não constrangedor), que não tinha erros gramaticais básicos e que iria deixar uma plateia internacional maravilhada. E custa-me a crer que ninguém à sua volta tenha pensado que aquilo não fazia sentido, que era melhor treinar o discurso, melhorar um pouco a pronúncia, acertar alguns erros gramaticais. Etc, etc.
Se alguém pensou, ninguém lho disse. E o resultado foi o que foi. Para a bolha de Cristina Ferreira, um sucesso tremendo, uma conquista fabulosa, VAI-CRISTINA-VAI. Para o resto do País, uma sensação cada vez mais familiar de vergonha alheia. Para os comentadores, páginas de humor, internautas em geral, dias de folia e pândega.
Era evitável? Era. Mas para sermos criticados, temos de criar as condições para tal. E, atirando assim um palpite, não me parece que Cristina Ferreira esteja propriamente disponível para ser criticada ou para que lhe digam coisas como "isso não faz sentido", "agora, não", "não publiques", "faz de outra maneira".
Cristina Ferreira está, neste momento, em Terra de Ninguém. Conquistou, ao longo de quase duas décadas, um sucesso televisivo sem precedentes (e não, não há comparações possíveis com outras figuras do nosso espectro mediático). Destruiu, devido a vários erros (não sei se por falta de aconselhamento, se por teimosia ou por força das circunstâncias), muito do seu capital de credibilidade, aquando aquela saída atabalhoada da SIC, que ainda hoje me parece impossível como é que ninguém à volta da apresentadora a aconselhou a fazer as coisas de forma diferente. Erros que está a pagar ainda hoje, mas cujas consequências já podiam ter sido atenuadas, tivesse Cristina sido mais bem aconselhada e, é preciso que se diga, mudado de atitude.
Em Cristina Ferreira há duas Cristinas. A empresária, cartesiana, que dá tiros certos e com savoir faire para lançar negócios, gerir marcas, trabalhar a ideia de uma pessoa terra a terra, estilo Jenny From the Block, que, apesar de milionária, não esquece as suas raízes do Bronx cá do burgo.
E depois há a Cristina tuga, no que pior a palavra "tuga" encerra. A Cristina que adora vitimizar-se, que acha que um certo espectro da sociedade (o do privilégio, ao qual ela pertence, mas que teima em tentar convencer a sua base de fãs de que não faz parte) a detesta, que perpetua a narrativa pobrezinho-parola do lugar das estacas ao invés de assumir a sua condição de mulher do mundo, moderna, cosmopolita. E, infelizmente, na maior parte dos dias, ganha a segunda Cristina.
Não embarco, nem nunca embarquei, nessa orgia de ódio gratuito contra Cristina Ferreira, tão em voga, sobretudo nos últimos dois anos. Tenho memória suficiente para reconhecer os méritos ímpares do trabalho que fez (e faz) na televisão portuguesa e o quão foi responsável por várias mudanças que aconteceram no mercado televisivo generalista. Tenho também memória suficiente para recordar que, durante um certo período de tempo, houve uma vassalagem sem precedentes a Cristina Ferreira, principalmente de meios de comunicação social ditos "sérios" que, apercebendo-se do que valia a marca Cristina Ferreira, lhe dedicaram páginas e páginas e páginas e páginas de artigos que, analisando em retrospetiva, eram mais um cavalgar da onda do que propriamente jornalismo de investigação.
Cristina Ferreira está, neste momento, em Terra de Ninguém. Acumulou sucesso, dinheiro, fãs. Perdeu credibilidade, que ainda não conseguiu recuperar. Somou, desde que regressou à TVI, insucessos televisivos que, por muito que tente relativizar ou escamotear, são factuais e evidentes. O caminho para a frente não pode ser este que está a seguir. O de tentar convencer-se (e convencer-nos) de que "ganhar sempre não é divertido" e lugares comuns enjoativos como "sair da zona de conforto".
Há, em inglês, uma expressão muito interessante: "own your shit". Algo como "assume a tua própria merda". E eu gostava muito que, numa próxima Web Summit (ou Cristina Talks, ou conferência quejanda), Cristina Ferreira falasse, sem floreados, sem discursos pseudo-motivacionais que são apenas positividade tóxica, dos seus falhanços como eles são: falhanços.
Porque a verdade é mesmo esta: se analisarmos o percurso de Cristina Ferreira, as vitórias esmagam as derrotas. E é disso que um líder, seja ele qual for, se tem de fazer valer.