"Hás-de sentir saudades minhas, é o que eu tenho para te dizer". Sentada na cama do cenário de "O Programa da Cristina", a comer ovos mexidos, Cristina Ferreira despedia-se de forma bem humorada de Ruben Vieira, seu assistente de realização, e desejava bom fim de semana aos telespectadores. Eram quase 13h de 17 de julho de 2020. Uma sexta-feira normal, uma emissão que antecedia as férias da apresentadora. Mas tudo o que aconteceria naquele dia (e nos meses seguintes) seria tudo menos normal.
A meio daquela tarde quente de Verão, caía a dupla bomba: "Cristina Ferreira sai da SIC e regressa à TVI". "Abrupta e surpreendente", foram estes os adjetivos usados pela SIC para, em comunicado, confirmar a decisão unilateral da sua estrela maior voltar à estação de Queluz de Baixo. "É um regresso à casa mãe", ao qual afirmava não conseguir dizer 'não', explicava a apresentadora, também em comunicado.
Os efeitos desta saída ainda se sentem, um ano depois, e perdurarão por mais algum tempo. O grupo Impresa entregou, em setembro de 2020, um processo em tribunal contra a apresentadora, no qual exige o pagamento de uma indemnização de 20,29 milhões de euros por incumprimento de contrato. A apresentadora da Malveira tinha ligação formal à empresa fundada por Francisco Pinto Balsemão até 2022. "Não tem qualquer fundamento ou base contratual", já havia dito, ainda em agosto, Cristina, referindo-se a este montante. A batalha legal entre a SIC e Cristina não tem fim à vista mas, em Queluz de Baixo, o trabalho continua.
Em 12 meses, Cristina Ferreira apresentou três programas, contratou atores e apresentadores, deu a cara pelos sucessos e pelos infortúnios da estação da qual é diretora de Ficção e Entretenimento. Foi, por vontade própria ou não, protagonista de polémicas e disse, em novembro de 2020, que existe uma tentativa de "uma campanha mais destrutiva do que construtiva do futuro da TVI".
Recordamos 12 momentos-chave deste ano, protagonizado pela profissional que — podemos afirmar com segurança — mais mexeu com o mercado televisivo português nos últimos 30 anos.
1. Cristina diretora e acionista (e Nuno Santos passa a diretor geral)
Logo no dia em que foi anunciada a sua saída da SIC, ficávamos a saber que posição iria Cristina Ferreira ocupar na Media Capital: diretora de Entretenimento e Ficção e também acionista da empresa (intenção demonstrada logo em julho, mas que só se concretizaria mais tarde). A 16 de julho, a Media Capital havia anunciado a passagem de Nuno Santos ao cargo de diretor geral da TVI. Um prenúncio do que aconteceria 24 horas depois.
2. Dona de 2,5% da TVI
Em novembro, o empresário Mário Ferreira tornava-se oficialmente o acionista maioritário do grupo Media Capital. A empresa revelava publicamente a estrutura acionista, da qual faz parte Cristina Ferreira. A apresentadora detém 2,5% das ações o grupo, o que lhe terá custado cerca de um milhão de euros. Em setembro de 2020, na primeira entrevista após o regresso à TVI, afirmava que pagou este valor do seu próprio bolso. "São as minhas poupanças, é o meu dinheiro".
3. Teresa Guilherme regressa ao "Big Brother"
Ainda não tinha assumido funções (o que aconteceria oficialmente a 1 de setembro) e já se sentiam as mexidas na estação de Queluz de Baixo. A 4 de agosto de 2020, Nuno Santos anunciava o regresso de uma das caras mais populares da TVI: Teresa Guilherme. A apresentadora voltava assim à estação para apresentar "Big Brother - a Revolução", edição comemorativa dos 20 anos do reality show. Cláudio Ramos, que havia apresentado o "BB2020", ficava fora do formato, mas apenas por uma edição. Os dois apresentadores conduziriam o spin off "Big Brother - Duplo Impacto", em janeiro de 2021.
4 - "Dia de Cristina" marca regresso aos ecrãs da TVI
A 23 de setembro estreava-se aquele que seria o primeiro de três formatos conduzidos pela apresentadora, nesta sua segunda passagem pela estação de Queluz de Baixo. "Dia de Cristina", com pompa e circunstância, era "o que a Cristina quiser". Teve um estúdio feito de raiz, emissões de manhã, à tarde e até à noite. No dia de estreia, venceu de manhã mas perdeu à tarde contra à SIC. Terminou em dezembro.
5 - A reformulação do daytime: Goucha nas tardes, Maria e Cláudio nas manhãs
Em novembro, Cristina Ferreira convocava os jornalistas para uma conferência de imprensa onde anunciava os nomes dos novos programas que, a partir de janeiro de 2021, ocupariam o daytime da TVI. Manuel Luís Goucha deixava, ao fim de quase 30 anos (primeiro na RTP, com "A Praça da Alegria" e, depois, na TVI, com "Você na TV!"), as manhãs para se mudar para as tardes e com um formato em nome próprio. As manhãs passariam a ser conduzidas por Cláudio Ramos e Maria Botelho Moniz (ambas contratações feitas pela TVI ainda durante a fase em que Nuno Santos ocupou o cargo de diretor de programas), num formato batizado como "Dois às 10".
6 - Gabriela Sobral regressa à TVI
Uma mudança mais de bastidores do que de interesse mediático para o grande público, mas com um peso simbólico. Depois de quase três anos afastada do meio televisivo (saiu da SIC no verão de 2018, onde ocupava o cargo de diretora de programas), Gabriela Sobral fazia um percurso semelhante ao de Cristina Ferreira, regressando à casa-mãe. A atual diretora de conteúdos e produção da Plural Entertainment (produtora responsável pelas novelas da TVI) esteve na estação de Queluz de Baixo entre 1999 e 2010, tendo assumido as funções de subdiretora de produção e, depois, diretora adjunta de programas.
7 - Fátima Lopes sai da TVI
"Daqui para a frente, tenho de aprender a não ser tão ingénua e a não ter tão boa fé.", disse Fátima Lopes em entrevista à MAGG, quatro meses depois de ter sido anunciada a sua saída da TVI. A apresentadora de 52 anos abandonou, em janeiro de 2021, a estação onde esteve durante 11 anos. Uma saída que já tinha vindo a ser especulada há vários meses, que ganhou força quando foi anunciado o fim do seu programa "A Tarde é Sua" mas que, em novembro, quando aconteceu a emissão "O Futuro da TVI", perdeu força.
Nessa emissão, conduzida em direto por Cristina Ferreira, era revelado o novo projeto de Fátima Lopes na estação de Queluz de Baixo. "C'è posta per te", um formato em tudo semelhante a um dos maiores êxitos da apresentadora nos seus tempos da SIC, "Perdoa-me". O programa, no entanto, nunca sairia da gaveta.
9 - "All Together Now"
Cristina Ferreira concretiza na TVI o que não chegou a conseguir na SIC: um formato em prime time, aos domingos à noite. O talent show, adaptado do original britânico, contou com 100 jurados, distribuídos num mega painel, num estúdio construído no Meo Arena. No entanto, a vitória fugiu das mãos de Cristina Ferreira, que não conseguiu bater os formatos rivais da SIC: a fase final de "A Máscara" e, depois, "Hell's Kitchen", que marcou a estreia de Ljubomir Stanisic na estação de Paço de Arcos.
10 - Um sonho chamado "Cristina ComVida"
A carreira de Cristina Ferreira está recheada de êxitos e, até à estreia de "Cristina ComVida", a 29 de março de 2021, apenas "Prémio de Sonho", nas tardes da SIC, tinha sido um formato com audiências menos fulgurantes. No regresso à TVI, a apresentadora de 43 anos decidiu resgatar um formato por si idealizado em 2014 e que nunca tinha conseguido ver a luz do dia.
Esta nova tentativa de ganhar o horário de acesso ao prime time tem corrido tudo menos bem. Não venceu no dia de estreia e, na primeira semana, ganhou uma única vez. Mudou de horário (está atualmente a ser emitido das 18h às 19h) e, a 24 de junho, registou o pior resultado desde a estreia: 322 mil telespectadores e 9,5% de share, quase metade dos valores do líder, "O Preço Certo" (RTP1).
11- "Festa é Festa"
Uma ideia original de Cristina Ferreira, a novela que ocupa atualmente o prime time da TVI marca um ponto de viragem na ficção da estação. A diretora de Ficção e Entretenimento escolheu um elenco encabeçado por um protagonista improvável, o humorista Pedro Alves, uma aposta que se refletiu nas audiências, logo no dia de estreia. "Festa é Festa" foi a novela da TVI que, em dia de arranque, registou o melhor resultado desde 2017: 1,4 milhões de telespectadores e um share de 25,9%. A trama escrita por Roberto Pereira tem disputado a liderança com a rival da SIC "Amor Amor".
11 - "O Amor Acontece"
Estreado a 4 de julho, o reality show conduzido por Maria Cerqueira Gomes e Pedro Teixeira conseguiu bater o rival "Quem Quer Namorar com o Agricultor?". O arranque do formato foi acompanhado por 1,1 milhões de telespectadores e registou 23% share, uma vitória que se repetiu na segunda gala dominical, a 11 de julho (700 mil telespectadores e 17,3% de share).
Os diários da tarde, conduzidos por Mafalda Castro, não têm conseguido conquistar os telespectadores, ficando atrás de "O Preço Certo" (RTP1) e dos diários de "Quem Quer Namorar com o Agricultor?" (SIC).
12 - TVI encurta distância em relação à SIC
Um facto inegável. A TVI está melhor, no que toca a audiências, do que estava há um ano. Em junho de 2020, a estação de Queluz de Baixo registava 14,6% de share, quase menos 6p.p. do que a rival SIC (20,5%). Um ano depois, e apesar de a estação de Paço de Arcos apenas ter perdido, na média mensal 0,1 p.p. (fechou junho de 2021 com 20,4% de quota de mercado), a TVI encurtou a distância: encerrou o mês passado com 17,3% de share.
Na média do ano, e de acordo com os dados da Comissão de Análise de Estudos de Meios (CAEM), a SIC está com 19,7% de share e a TVI com 17,3%.