O nosso pavor ao frio, seja ele no ar ou na água, deriva não tanto de vivermos num País com um clima ameno mas do facto de a pobreza estar impregnada no nosso código genético e na conta bancária de uma percentagem cada vez mais alarmante da população. Casas mal isoladas, prédio sem aquecimento central (algo impensável na maioria dos países europeus), construção de má qualidade, fruto de décadas a fio em que o setor da construção civil produziu à tripa forra casas sem os mínimos requisitos, resultaram nisto: a nossa busca incessante pelo quentinho.

A minha Barbie era lésbica. Será que eu também sou?
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E não há manifestação mais irritante desta obsessão do que as benditas férias no Algarve e a busca pela água do mar "quentinha". E coloco aqui aspas porque não só nem sempre a água está aprazível a sul como o "quentinho" é relativo se compararmos com outras paragens mais tropicais. Sobretudo para quem vive mais a norte, passar férias no Algarve continua a ser sinónimo de status e motivo de conversas infindáveis com os amigos, desde dissecar as idas à Guia para comer aquelas aves raquíticas disfarçadas de frango de churrasco (desculpem, não sou fã) até à cantilena do costume: "ai a água estava tão quentinha! E o mar mansinho, mansinho! Nem mexia!".

Eu gosto do Algarve. Gosto mesmo. Gosto de tudo no Algarve, desde a confusão de Quarteira e Albufeira até ao areais sem fim do sotavento, passando pelo lugar do meu coração, Vila do Bispo, com as suas praias decoradas de rochas, de acesso nem sempre fácil, e a sempiterna ventania de Sagres. Mas enerva-me que, num país com mais de 800 quilómetros de costa, se subvalorize mais de metade das praias só porque a água não é "quentinha". E refiro-me especificamente às praias acima do Mondego, tão injustamente caracterizadas como "ventosas", "geladas", "ai credo, não!", quando praticamente toda a costa alentejana faz concorrência feroz a uma Moledo, Torreira ou Figueira da Foz desta vida no que toca a ventaneira, ondulação e águas de fazer doer o esqueleto. Mas, como é fancy, já pode.

Sou forte defensora de um mergulho em águas mais frescas. Enrijece, anima, dá energia. Sou também defensora de que devemos conhecer antes de criticar, e a verdade é que os apologistas do Algarve e das suas praias mal conhecem areais do resto do País (já para não falar daquela malta que acha que 'norte' é tudo que está acima de Santarém... mas isso era tema para toda uma outra crónica). Este verão, devíamos todos dar uma oportunidade a outras praias, a outras paragens, descobrir mares nunca dantes mergulhados. Quem sabe, bronzear na Costa Nova e comer uma tripa de chocolate ao fim da tarde (entendedores entenderão) ou mergulhar na praia do Cabedelo, em Viana do Castelo, e terminar o dia com uma bola de Berlim do Natário. Agradeçam-me depois.