Os leitores perguntam, a psicóloga Sara Ferreira responde. É assim todas as semanas. Saúde, amor, sexo, carreira, filhos — seja qual for o tema, a nossa especialista sabe como ajudar. Para enviar as suas perguntas, procure-nos nos Stories do Instagram da MAGG.
Caro leitor,
Por estes dias, enquanto arrumava algumas gavetas, por ter deitado fora algumas coisas, por ter doado outras e realocado outras mais, fiquei com duas gavetas completamente vazias. No momento em que vi aqueles dois espaços completamente livres, cheguei a uma conclusão e senti-me feliz com ela: a ideia do quanto precisamos deixar espaço livre para que o novo nos invada. Se o sr. facebook estivesse ali naquele momento para me perguntar “em que estás a pensar?”, dir-lhe-ia de bom grado que estava a pensar que eu teria acabado de criar espaço para o novo e, automaticamente, que pensaria nisso como uma bela metáfora. Bela e, na prática, muito real. Afinal, como podemos esperar pelo novo se não damos espaço para ele?
Por mais que gostássemos, a verdade é que não é possível recomeçarmos propriamente do “zero”, já que carregamos toda uma bagagem de vida. Portanto, é preciso que uma pessoa olhe para dentro na busca de se desfazer daquilo que não precisa mais. E isso inclui objetos, atividades, crenças, relações ou hábitos que não fazem mais sentido. E é isso que desde já lhe sugiro que faça por estes dias. Não só com as suas gavetas.
Tendemos a acreditar numa ideia linda mas infeliz que é a essa de que nascemos como se já tivéssemos todas as nossas características. Ou seja, como se estas fossem de alguma forma imutáveis. A Psicologia, essa linda e feliz ciência, veio mostrar-nos que não… que somos uma permanente construção! Que somos produtos e produtores do meio (a começar pelo nosso próprio meio interno, aquele que vivemos da pele para dentro, por assim dizer).
Assim, em relação ao que me pergunta, talvez o leitor assuma demasiadas pré-noções acerca de si mesmo (como que num “síndrome de Gabriela”, conhece?). São aquelas pessoas que dizem “eu sou assim, nasci assim, cresci assim, vou ser sempre assim…” (Gabrieeela!).
Neste vídeo aqui, que poderá ver em baixo, conto (e canto!) um pouquinho melhor acerca disto e explico em que consiste um processo de reinvenção pessoal (tão propício como benéfico, nesta fase inicial do ano!).
Pessoalmente, uma das coisas que sempre me fascinou na Psicologia é essa capacidade que desenvolvemos em “estranhar o familiar e familiarizar-se com o estranho”. Já pensou em quantos aspetos da nossa/sua vida passam despercebidos porque já nos/lhe são tão familiares?
Ou seja, será que um certo exercício de se estranhar não seja o que está a faltar?
Estranhar-se (e entranhar-se), perceber-se como um quebra-cabeça que se foi montando ao longo da sua existência. Que peças já não lhe servem mais? Quais são as que precisam sair daí porque não foi o leitor quem as colocou? Que espaços precisam ficar livres para que possa seguir um novo caminho?
Bom, vejamos. Relativamente à questão da autossabotagem ou, nas suas palavras, esse recorrente “adiar coisas importantes para mim”, escrevi sobre isso aqui. Nele poderá perceber melhor porque é que este comportamento geralmente acontece e o que é que poderá estar a desencadear o mesmo, empurrando-o e enclausurando-o nesse ciclo vicioso (e viciado) que configura aquilo que conhecemos como um “enredado” bloqueio mental.
Quanto a “sair dos hábitos que me prejudicam”, vá lá, admitamo-lo: todos nós temos um mau hábito qualquer que gostaríamos de conseguir mudar!
No entanto, já se questionou porque não o consegue mudar?
Hipótese a) Não questiono nada ;
Hipótese b) Não sei / Não respondo ;
Hipótese c) fazem parte de mim. Sim! É por aqui. :)
Na sua essência, um mau hábito caracteriza-se por um comportamento que repetimos tantas vezes que acabamos por fazê-lo sem pensar. Mas então… e se o quisermos mesmo mudar? Voltando às hipóteses, há várias! Mas se fosse fácil, provavelmente já teríamos alterado os hábitos que nos são prejudiciais. E a tarefa mais difícil ao começo é precisamente essa: o começo… a mudança de um padrão!
Uma pessoa para modificar um comportamento, melhorar uma habilidade ou para alterar ou até formar um novo hábito, necessita manter acesa a chama da motivação e persistir praticando-o por um período de tempo suficiente até que esteja consolidado e comece a aparecer espontaneamente, tanto no corpo como na mente.
E o mais ‘curioso’ é que tentamos sempre desculpar-nos com “isto comigo não funciona” ou “eu acho que deveria ser assim e assado…” e no entanto, muitas vezes, para além de nos termos impedido de chegar sequer a tentar, acabamos por não conseguir mudar rigorosamente o que quer que seja, sobretudo, em nós mesmos.
Como se pode calcular, atualmente (aliás, desde há uma enormidade de tempo), já muito se sabe acerca dos processos de aprendizagem humana, pois a mente (e o corpo) do ser humano é objeto de estudo desde a antiguidade.
Isto significa que talvez (veja lá, talvez…) haja já uma boa dose de conhecimento profundo e pronto a ser aplicado em dificuldades que são as suas, ou que são as de muitos mais? Talvez (!!)... ;) Isto é, no fundo, mudar um comportamento é, de certa forma, modificar a própria personalidade.
Algumas teorias de uso corrente em Psicologia dizem-nos que somos feitos dos nossos comportamentos e hábitos, e estes reforçam a forma como as nossas crenças e valores pessoais nos descrevem. A pessoa deve aceitar uma nova forma de pensar sobre si mesmo para conseguir mudar um hábito – isto é, modificar as suas crenças pessoais. E tal só se obtém quando se confere um forte significado para a mudança.
No entanto, há hábitos que estão enraizados muito profundamente na personalidade, e outros que são um pouco mais superficiais.
Um hábito como, por exemplo, comer em excesso, muitas vezes, poderá traduzir-se numa dependência química que serve para regular os baixos níveis de serotonina (o neurotransmissor do ‘bem-estar’) e outras vezes é apenas um hábito alimentar que sobreviveu aos tempos de infância.
Há que analisar quais são os hábitos que podem ser modificados sem ajuda e os que não. Para isto, o que precisamos de saber?
Em primeiro lugar, é importante analisar-se qual o grau de compulsão do hábito prejudicial ou destrutivo?
Por outro lado, importante seria saber também qual seria o grau de satisfação (prazer) que adviria com a inclusão do novo hábito, construtivo, que se deseja implantar?
Avaliando um e outro pesos da balança, podemos decidir-nos a modificar o hábito por si só ou optar por pedir ajuda a um terapeuta.
Admitamo-lo também: não há soluções instantâneas, sobretudo para padrões desde há muito instalados. Mas isso não significa que seja impossível mudar. Não. Pelo contrário (e felizmente sou disso testemunha diária)!
Apenas significa que quem quer mudar terá de se comprometer com o próprio processo de mudança. E infelizmente, é aí que as coisas dão para o torto. Muita gente quer mudança sem mudar. E isto sim, é totalmente impossível.
Explicando melhor. Todo e qualquer comportamento é parte de uma tríade composta por Pensar, Sentir e Agir. A maior parte das pessoas só executa algo novo (Agir), quando define bem os pensamentos a respeito desta linha de acção (Pensar) até começar a perceber impulsos espontâneos de fazer algo a respeito (Sentir). E mudanças feitas sem comprometimento, como vimos, são ineficazes. Sejamos coerentes! E força, tenha coragem para modificar aquilo que pode!
Então, o que me fará ‘agir’ para mudar? Resposta: as suas prioridades. Nós agimos consoante as nossas prioridades.
Somos fruto dos nossos pensamentos, e por isso desenvolvemos rotinas e hábitos que os refletem. Por exemplo, podemos perguntar a uma pessoa o seguinte: “Não tem tempo para comer saudavelmente nem fazer exercício regular e moderado?”; ao que a pessoa responde: “Não”. E aí podíamos perguntar novamente: “Será o nível de vida e sustento uma das razões porque a sua vida se resume a horas infindáveis no escritório?” E aqui poderíamos perceber ou avaliar se este critério é tão válido quanto outros por exemplo.
Quer mais exemplos? Por exemplo, como ter saúde e qualidade de vida; bem-estar e mais energia; etc.. No final de contas, que importância é que essas coisas realmente têm relativamente às suas prioridades?
Faça uma reflexão honesta sobre como cada um dos seguintes critérios influencia a sua realidade: a sua própria identificação pessoal “Eu sou”…? O estatuto…? O poder…? O reconhecimento pessoal…? As expectativas das outras pessoas…? O dinheiro…? O medo…?, O querer agradar…? Etc.!
Não será o ter Saúde (não devendo esta ser encarada simplesmente como “a ausência de doença”) mais importante – para si e para os seus? Não será a sua disponibilidade e confiança pessoais o garante de uma boa relação consigo mesmo e com os outros – para dar e receber amor, amizade e apoio – também bastante importantes e fundamentais, antes de qualquer outra coisa? Cada um chegará às suas próprias conclusões (espero).
E este exemplo poderá servir para ver a discrepância entre a importância das suas prioridades e a correspondência das mesmas com a sua realidade! Quando a discrepância é muita, é comum as pessoas viverem acima de tudo frustração, raiva, angústia, porque, voltando ao exemplo anterior, ao dar a maior parte da sua energia (não sendo isto necessariamente o número de horas) ao trabalho, pouco ou nada sobra para si mesmo ou para os seus, e menos ainda para a sua saúde integral (que pressupõe equilíbrio dentro das várias áreas da nossa vida e dentro das várias áreas de nós mesmos).
Para a consequente e positiva mudança de hábitos, o foco da sua atenção deverá estar nos processos, estando preparado (ou aprendendo a saber estar preparado) para o incómodo gerado pelo seu corpo ao inibir os maus hábitos. Por vezes é difícil propormo-nos à mudança sem preparação e conhecimento de como fazê-lo. Mas com força de vontade, acredite, todo o desejo torna-se realidade.
Como lhe disse acima, é preciso ser capaz de olhar para nós mesmos com estranhamento para que possamos observar as possibilidades que um olhar viciado tornaria invisíveis.
Esse é o incrível processo de se desconhecer como uma forma mais profunda de se conhecer. Para novamente se desconhecer, e assim por diante. Exige muita coragem (porque pode dar um medo danado!).
A psicologia, com todos os seus conhecimentos, técnicas e ferramentas, é uma poderosa aliada de todas as pessoas que desejam descobrir os motivos que as levam a prejudicarem-se a si mesmas, através de comportamentos autossabotadores (ou mesmo auto-lesivos, tal como descrevi aqui neste artigo, no qual exponho os 3 principais motivos para se auto-prejudicar) para assim finalmente poderem desbloquear o seu potencial e alavancar os seus resultados em todos os sentidos. O desenvolvimento passa pela permissão que o indivíduo se dá de vivenciar novas experiências e eliminar os comportamentos e crenças que estão na origem do auto-boicote do seu próprio sucesso.
Para o “bem” ou para o “mal”, eis um facto da vida: tudo está na mente, pois tanto os bons como os maus resultados são reflexo da forma como cada um de nós constrói a sua realidade.
O que um bom psicólogo faz consigo (e não “por si”) é trabalhar no sentido de identificar quais são estes bloqueadores, quais as suas origens e como afetam o facto emocional e comportamental, manifesto no seu sintoma. A partir daí, atua-se eliminando estas componentes e desenvolvendo novos comportamentos e pensamentos, mais produtivos, que a levem a conseguir, definitivamente, vencer os seus bloqueios e ter uma vida mais saudável, positiva e com os resultados que deseja.
Já lá dizia Einstein que “nenhum problema pode ser resolvido pelo mesmo estado de consciência que o criou”, ou dito noutras palavras, um problema não pode ser resolvido com a mesma abordagem com a qual foi criado. É preciso ir mais longe.
Se queremos ter saúde, estar bem, com capacidade de fazer face aos desafios e aí poder usufruir das coisas para que tanto lutamos para obter é urgente parar para pensar em questões como:
- Agir, sair da rotina e monotonia através de ações e ferramentas que o estimulem e ajudem a criar soluções, e não mais problemas em 2020;
- Definir que áreas em “mim” precisam de se reajustar ou otimizar (parte física, emocional, social, profissional, familiar, etc.);
- Descobrir novas estratégias e ações para viver melhor consigo mesmo e com os outros;
- Aprender a dirigir melhor a sua energia ou a recuperar a que já perdeu;
- Aprender a viver com mais plenitude, auto-estima, segurança, equilíbrio pessoal, paz mental, desbloqueios, sensação de satisfação com a vida;
- Adquirir mais auto-conhecimento e melhor entendimento sobre as suas emoções e comportamentos;
- Co-construir em parceria colaborativa a resolução de dificuldades relativos a áreas específicas que afectam a sua vida;
- Assumir um compromisso de amor-próprio e pessoal, determinante para o bem-estar e para a saúde em geral (nossos como daqueles que nos rodeiam), tomando a decisão que poderá finalmente mudar a sua vida: cuidar de si, cuidar da sua saúde emocional;
- Identificar quais os fatores que bloqueiam a sua motivação para tomar medidas úteis e eficazes para alcançar o tão desejado equilíbrio no dia-a-dia;
- Descobrir o que é a ciência psicológica, na sua aplicação prática e estruturada (intervenção clínica / acompanhamento psicoterapêutico) tem para lhe oferecer e como é que os pode integrar nos seus processos de mudança que lhe permita realmente implementar melhorias.
Façamos “figas” para que todos nós possamos ter – realmente – um *verdadeiro* ano novo.
Feliz 2020 e até para a semana!